INQ - 2534 - Sessão: 03/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Cuidam os autos de promoção ministerial para que seja arquivado o termo circunstanciado originalmente instaurado com vistas a apurar a suposta prática do delito tipificado no art. 347 do Código Eleitoral (crime de desobediência) por SÉRGIO MACIEL BERTOLDI e IRANI TEIXEIRA NASCIMENTO, presidentes, respectivamente, do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido Progressista (PP) do Município de Alvorada, durante a campanha eleitoral do ano de 2012.

O expediente investigativo foi instaurado perante a 3ª Delegacia de Polícia do Município de Alvorada, com base em determinação do MM. Juiz da 74ª Zona Eleitoral ao proferir sentença nos autos da Representação n. 51-72.2012.6.21.0074 (fl. 59).

Após sua conclusão na esfera policial (fl. 74), o termo circunstanciado foi processado perante a 2ª Vara Criminal e Infância e Juventude de Alvorada (fls. 75/86), tendo o Juiz Criminal declinado a competência para o Tribunal de Justiça deste Estado, em razão da investidura de SÉRGIO MACIEL BERTOLDI no cargo de prefeito do Município de Alvorada (fl. 86-v.).

Os autos foram remetidos ao Tribunal de Justiça deste Estado e distribuídos à sua 4ª Câmara Criminal (fl. 88).

A Procuradoria-Geral de Justiça, por meio da sua Procuradoria de Prefeitos, manifestou-se pela declaração de incompetência da 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, ao entendimento de que este Tribunal Regional Eleitoral possui competência originária para processar e julgar infração penal de natureza eleitoral que envolve prefeito, detentor de foro privilegiado por prerrogativa de função (fls. 113/115).

O parecer ministerial foi acolhido pela 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, que declinou a competência para apreciação do feito à Justiça Eleitoral (fls. 118/120). Com o trânsito em julgado da decisão (fl. 123), os autos vieram a esta Corte e, na sequência, foram remetidos à Procuradoria Regional Eleitoral que, em sua promoção, requereu o arquivamento do presente expediente devido à atipicidade da conduta dos investigados (fls. 125/127).

É o breve relatório.

 

VOTO

Preliminarmente, reconheço a competência deste Tribunal Regional Eleitoral para apreciação dos fatos, uma vez que SÉRGIO MACIEL BERTOLDI se encontra no exercício de mandato eletivo de prefeito no Município de Alvorada, sendo detentor, portanto, de foro privilegiado perante esta Corte, em virtude da prerrogativa da função, nos termos do art. 29, inc. X, da Constituição Federal combinado com art. 84 do Código de Processo Penal, de acordo com a Súmula n. 702 do STF, a seguir transcritos:

Art. 29

O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(…)

X - julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça;

(...)

 

Súmula 702 do STF

A competência do Tribunal de Justiça para julgar prefeitos restringe-se aos crimes de competência da justiça comum estadual; nos demais casos, a competência originária caberá ao respectivo tribunal de segundo grau.

Destaco que, na hipótese dos autos, houve modificação superveniente da competência hierárquico-funcional pela diplomação do investigado em cargo que lhe assegura foro privilegiado, o que não invalida os atos já praticados no processo, tampouco exige a respectiva ratificação, por força do princípio tempus regit actum.

No mérito, o presente termo circunstanciado foi instaurado para apurar a possível prática do crime de desobediência (art. 347 do Código Eleitoral) pelos investigados, a partir de determinação do MM. Juiz Eleitoral da 74ª Zona de Alvorada na sentença prolatada nos autos da Representação n. 51-72.2012.6.21.0074, movida contra os mesmos devido à utilização irregular de carro de som nas eleições municipais de 2012 (fls. 04/67).

Os termos circunstanciados dos Apensos I e II foram instaurados em face dos investigados por idêntico motivo, em cumprimento a ordens judiciais proferidas nos autos da Representação n. 73-33.2012.6.21.0074 e da Petição n. 73-33.2011.6.21.0074, respectivamente.

Analisando a cópia dos autos da Representação n. 51-72.2012.6.21.0074 (fls. 04/67), constato que, como asseverado na promoção da Procuradoria Regional Eleitoral, não há prova de que IRANY TEIXEIRA NASCIMENTO tenha sido pessoalmente notificado para o cumprimento da decisão liminar de fls. 10/11, sob pena de incorrer no crime de desobediência.

Nessa representação, foi expedido o Mandado de Intimação n. 34/12 (fl. 15), o qual não foi recebido por IRANY TEIXEIRA NASCIMENTO, na condição de presidente do PP de Alvorada, mas, sim, pela representante da Coligação PP/PT, Giovana Thiago, segundo o recebimento constante do próprio mandado e da certidão de fl. 16.

Com relação a SÉRGIO MACIEL BERTOLDI, o Mandado de Notificação n. 120/12, expedido nos autos da Representação n. 73.33.2012.6.21.0074 para a apresentação de defesa (fl. 21 do Apenso I), não contém advertência expressa quanto ao crime de desobediência em sendo reiterada a prática da propaganda irregular.

Nos autos da Petição n. 73-33.2011.6.21.0074 (fls. 05/18 do Apenso II), verifica-se, tão somente, que foi expedido ofício-circular aos presidentes dos partidos políticos no Município de Alvorada e realizada reunião sob a presidência do Juiz Eleitoral acerca de temas relativos ao pleito municipal.

Ocorre que o tipo penal do art. 347 do Código Eleitoral se aperfeiçoa apenas na sua forma dolosa, traduzida pela vontade livre e consciente de não cumprir ou opor embaraços à execução de diligência, ordem ou instrução legítima e específica da Justiça Eleitoral, emanadas de autoridade competente e que tenham sido dirigidas prévia e pessoalmente ao agente, por meio de notificação que contenha advertência inequívoca quanto à possibilidade de imputação do delito de desobediência em caso de descumprimento.

Essa é a orientação adotada pelo egrégio Tribunal Superior Eleitoral, conforme ementa abaixo colacionada:

RECURSO EM HABEAS CORPUS. PORTARIA EXPEDIDA POR JUÍZ ELEITORAL. AUSÊNCIA. ORDEM DIRETA. TRANCAMENTO DO TERMO CIRCUNSTANCIADO E DE EVENTUAL AÇÃO PENAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. INEXISTÊNCIA. JUSTA CAUSA. FATO ATÍPICO. DESOBEDIÊNCIA ELEITORAL (ARTIGO 347 DO CÓDIGO ELEITORAL). PROVIMENTO PARCIAL. 1. Nos termos do artigo 347 do Código Eleitoral, constitui crime de desobediência eleitoral "recusar alguém cumprimento ou obediência a diligências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor embaraços à sua execução". 2. É firme a orientação desta Corte de que, para configuração do ilícito penal, exige-se o descumprimento de ordem judicial direta e individualizada, o que não ficou evidenciado na espécie. Precedentes. 3. Recurso parcialmente provido para anular o Termo Circunstanciado e determinar o trancamento do procedimento e de eventual ação penal.

(TSE - RHC: 154711 RO, Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Julgamento: 03.09.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 11.10.2013, Página 21.) (Grifei.)

Esta Corte e o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná seguem esse mesmo entendimento, ilustrado nos seguintes precedentes:

EMENTA: HABEAS CORPUS - TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL - ALEGAÇÃO DE ATIPICIDADE DA CONDUTA EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE PROVA DE NOTIFICAÇÃO PESSOAL PARA CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. Para a configuração do crime de desobediência necessário se faz que haja ordem legal, pessoal, direta e legítima emanada da Justiça Eleitoral aos denunciados, sendo imprescindível também que estes tenham tomado ciência inequívoca de seu inteiro teor, pois esta deve conter o tempo, o local e o modo de execução em que deveria se dar o cumprimento da obrigação imposta e, ainda, a advertência de que seu eventual descumprimento implicaria na prática do referido delito. 2. A ausência de prova nos autos acerca da notificação pessoal com todos esses requisitos aos denunciados implica na concessão da ordem, com o trancamento em definitivo da ação penal em epígrafe.

(TRE-PR - HC: 104 PR , Relator: ROBERTO ANTONIO MASSARO, Data de Publicação: DJ - Diário de justiça, Tomo 05/2010, Data 12.01.2010.) (Grifei.)

 

Recurso criminal. Procedência da denúncia por alegada prática do crime previsto no art. 347 do Código Eleitoral (Desobediência e resistência eleitoral). A caracterização do delito em comento exige o desatendimento a ordem judicial direta e individualizada, notificada por agente nomeado especificamente para tal fim. Atipicidade da conduta. Provimento.

(TRE/RS, RC: 40624532 RS , Relator: DR. ÍCARO CARVALHO DE BEM OSÓRIO, Data de Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 015, Data 28.01.2011, Página 1. (Grifei.)

Concluo, portanto, que os fatos narrados nos termos circunstanciados carecem de tipicidade, uma vez que ausentes elementos substanciais à configuração do crime de desobediência descrito no art. 347 do Código Eleitoral.

Por esses fundamentos, VOTO no sentido de determinar o ARQUIVAMENTO dos termos circunstanciados, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal e no art. 11 da Resolução TSE n. 23.222/2010.