RE - 88479 - Sessão: 03/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recursos interpostos por OSMANI DA SILVA BARBOSA (candidato a prefeito), LUIZ CARLOS GAUTO DA SILVA (candidato a vice-prefeito), ANDERSON JOSÉ TOMIELLO HOFFMEISTER (prefeito municipal) e SALEH ASAD ABDALLA JUNIOR (fls. 1.542-1.621, 1.633-1.642, 1.643-1.663 e 1.82-1.713) contra a sentença que julgou procedente a ação de investigação judicial eleitoral ajuizada pelo Ministério Público Eleitoral, considerando comprovada a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder econômico.

A sentença recorrida (fls. 1.458-1.477) consignou estar demonstrada a captação ilícita de sufrágio pela cooptação de liderança política adversária em troca de cargo – evidenciado no apoio público do recorrente Saleh (candidato que desistiu de concorrer ao pleito) aos candidatos a prefeito e vice-prefeito, declarando, inclusive, contar com sua futura posse no cargo de Secretário da Saúde. Ainda, entendeu comprovado que o gabinete da Secretaria de Saúde pediu voto para encaminhamento de cirurgia. Igualmente, reconheceu o uso da máquina pública em atos da administração tendentes à anulação de lei municipal anterior, que embasava a demissão do recorrente Saleh. Destacou que as condutas praticadas com abuso de poder acarretaram a desarticulação da candidatura de uma coligação adversária, desigualando a competição, motivo pelo qual declarou a inelegibilidade dos recorrentes por oito anos e, por reconhecer a captação ilícita de sufrágio, condenou-os ao pagamento de multa no valor de um mil UFIR, individualmente.

Em suas razões recursais (fls. 1.542-1.621), SALEH ASAD ABDALLA JUNIOR insurgiu-se contra a sentença alegando, preliminarmente: a) a ausência de litisconsórcio passivo necessário, b) a decadência do direito substantivo, c) ilicitude da prova consubstanciada na gravação ambiental, d) violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa por falha na gravação de depoimento e) falta de isenção política partidária de testemunhas. No mérito, afirma que prestou apoio espontâneo aos representados, inexistindo captação de seu apoio e voto em troca do oferecimento de cargo. Argumenta que não houve abuso de poder político em qualquer dos atos do Chefe do Executivo, e sua admissão como Secretário Municipal de Saúde deu-se unicamente pelo seu “excelente currículo”. Quanto à captação de sufrágio mediante pedido de votos para agendamento de cirurgia, argui não haver prova robusta. Aduz que as suas testemunhas eram compromissadas e, ainda, que não teve nenhum envolvimento com os atos administrativos tendentes a anular a lei municipal da qual decorreu sua demissão. Requer acolhimento das preliminares e, no mérito, a total improcedência da AIJE.

Em suas razões recursais OSMANI DA SILVA BARBOSA, (fls. 1.634- 1.642) argumenta que a mudança de partido operada pelo recorrente Saleh é direito subjetivo seu, não configurando ilegalidade alguma. Aduz que não houve promessa de cargo para Saleh. Contudo, ainda que houvesse não seria ilegal, visto que o cargo de secretário municipal não é emprego ou função pública, mas atividade política de gestão, com natureza político-constitucional. Argui que não houve abuso de poder político ou econômico. Pede a manifestação deste Tribunal sobre a constitucionalidade da pena de inelegibilidade aplicada. Por fim, requer a improcedência da ação.

LUIZ CARLOS GAUTO DA SILVA, em seu recurso, preliminarmente, argui ilicitude da prova produzida pela gravação ambiental. No mérito, ressalta que as testemunhas ouvidas negaram que o recorrente Luiz Carlos tenha oferecido vantagem ou cargos em troca de votos. Acrescenta que as provas produzidas nos autos não são suficientemente robustas para amparar a condenação. Sustenta que a pena de inelegibilidade é de natureza personalíssima, portanto, ainda que imposta ao prefeito não pode atingir o recorrente Luiz (antes candidato a vice-prefeito). Requer acolhimento da preliminar; no mérito, a absolvição do recorrente e a decretação da insubsistência da pena de inelegibilidade.

Em suas razões recursais, ANDERSON JOSÉ TOMIELLO HOFFMEISTER enfatiza que o fato de não ter concorrido à reeleição demonstra ausência de disposição à prática de abuso de poder político. Quanto aos atos de prestar informações em ADI proposta pelo Partido Progressista, nomear Secretário da Saúde e encaminhar projeto de lei à Câmara de Vereadores para destinar recursos à saúde – aos quais se imputa a ilegalidade de abuso de poder – afirma serem atos administrativos estritamente regulares, decorrentes da função por ele desempenhada à frente do Executivo da cidade. No que se refere à aludida captação ilícita de sufrágio, aponta que não houve oportunidade de defesa e, ademais, que a prova produzida está restrita a um único depoimento isolado, que pretende confirmar gravação que não havia sido juntada na peça inicial. Por fim, diz que os fatos hostilizados não são graves, sequer abusivos. Requer seja julgada improcedente a ação proposta.

Com as contrarrazões (fls. 1.715-1.730), nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pelo desprovimento do recurso interposto (fls. 1.737-1.746).

É o relatório.

 

VOTO

Preliminares

1. Tempestividade:

Os recursos são tempestivos, pois interpostos dentro do tríduo legal estabelecido no artigo 258 do Código Eleitoral. A decisão dos embargos de declaração opostos contra a sentença ora recorrida foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral no dia 14.06.13, sexta-feira, e o recorrente Saleh apresentou a irresignação no mesmo dia; os recursos eleitorais interpostos por Osmani, Luiz Carlos e Anderson datam de 19.06.13, quarta-feira.

2. A ausência de litisconsórcio passivo necessário:

O recorrente Saleh Abdalla Júnior suscita preliminar de nulidade do processo, porque o chefe de gabinete da Secretaria da Saúde, Armando Nunes Menezes Júnior, que teria comprado o voto de eleitora em benefício de Osmani, não foi citado para integrar a lide na condição de litisconsorte passivo necessário. Não prospera a preliminar, pois a jurisprudência não exige a formação de litisconsórcio entre o beneficiário da conduta abusiva e os responsáveis pelo ilícito, como se extrai da seguinte ementa:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AIJE. PARTIDO POLÍTICO. BENEFICIÁRIO DA CONDUTA ABUSIVA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. INEXISTÊNCIA. SÚMULA Nº 182/STJ. INOVAÇÃO DE TESE RECURSAL. INADMISSIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. DESPROVIMENTO.

1. É pacífico o entendimento jurisprudencial desta Corte no sentido de que o partido político não detém a condição de litisconsorte passivo necessário nos processos nos quais esteja em jogo a perda de diploma ou de mandato pela prática de ilícito eleitoral.

2. A AIJE não exige a formação de litisconsórcio passivo necessário entre o beneficiado e aqueles que contribuíram para a realização da conduta abusiva. Precedentes.

3. Para que o agravo obtenha êxito, é necessário que os fundamentos da decisão agravada sejam especificamente infirmados, sob pena de subsistirem suas conclusões.

4. O agravo regimental não comporta inovação de teses recursais, ante a preclusão consumativa, devendo a matéria impugnada constar anteriormente do recurso especial.

5. Agravo regimental a que se nega provimento.

(TSE, Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 130734, Acórdão de 02.03.2011, Relator Min. MARCELO HENRIQUES RIBEIRO DE OLIVEIRA, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 25.4.2011, Página 51.)

O que exigem os tribunais é a formação de litisconsórcio necessário entre o beneficiário e o agente público, se houver imputação da prática de conduta vedada, tipificada no artigo 73 da Lei n. 9.504/97, hipótese distinta da verificada nos autos, em que os recorrentes foram condenados pela prática de captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico.

3. Ilicitude da prova consubstanciada na gravação ambiental:

Saleh Abdalla Júnior e Luiz Carlos da Silva suscitam a nulidade da gravação ambiental realizada pela eleitora Maria Lúcia Duarte, pois efetivada sem o consentimento do seu interlocutor.

Esta Corte já decidiu, com base em decisão proferida em regime de repercussão geral pelo Supremo Tribunal Federal, que a gravação ambiental realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro é plenamente lícita, de acordo com a ementa que segue:

Recurso. Condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio. Alegada oferta à eleitora de inclusão em programa habitacional em troca de apoio, em ofensa aos art. 41-A e art. 73, inc. IV, ambos da Lei n. 9.504/97. Eleições 2012.

Improcedência da representação no juízo originário.

Matéria preliminar rejeitada. É lícita a gravação ambiental realizada sem o conhecimento de um dos interlocutores quando ausente motivo que justifique uma especial proteção da intimidade.

Acervo probatório frágil a amparar juízo condenatório. A gravação ambiental juntada aos autos, embora legal, é imprestável como meio de prova, haja vista a qualidade do som, praticamente inaudível. Tampouco a imagem e o áudio permitem a efetiva identificação dos interlocutores.

Manutenção da sentença prolatada.

Provimento negado.

(TRE/RS, Rel. Dr. Leonardo Tricot Saldanha, julg. em 27.6.2013.)

Na hipótese, não há qualquer situação que mereça especial proteção da intimidade dos interlocutores, tratando-se de conversa havida entre um dos representados e a testemunha Maria Duarte. Como era lícito à eleitora testemunhar a respeito dessa conversa, nada impede que apresente a gravação realizada. Dessa forma, de acordo com os julgados desta Casa, em consonância com o entendimento firmado pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, deve ser afastada a nulidade suscitada.

4. Violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa:

Saleh Abdalla Júnior suscita nulidade do processo por violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o juízo de primeiro grau, por equívoco, deixou de registrar duas questões de ordem levantadas pelos advogados na audiência e registrou nos autos somente a redução a termo do testemunho de Maria Lúcia Duarte, o que é incapaz de reproduzir todas as expressões e circunstâncias de seu depoimento.

Não merece prosperar a nulidade suscitada, pois não se vislumbra qualquer prejuízo à parte.

Inicialmente, a parte reclama que foi impossibilitada de ter ciência das questões de ordem suscitadas pelos advogados em audiência. Questões dessa natureza dizem respeito a matérias formais, procedimentais, e não à questão de fundo. Assim, não pode o recorrente, sem identificar uma irregularidade específica no andamento do processo, pretender a sua nulidade porque não teve acesso às questões suscitadas por outros procuradores. Ademais, caso se tratasse de uma questão de ordem relevante ou que eventualmente não foi resolvida pelo magistrado, competia ao advogado protestar para que constasse na ata da audiência o seu registro, o que não ocorreu. Não o fazendo, só se pode presumir que as questões suscitadas foram sanadas no decorrer da audiência.

Insurge-se o recorrente, também, contra a falta de registro audiovisual do testemunho de Maria Lúcia Duarte, o qual somente foi reduzido a termo pelo magistrado. Novamente não se vislumbra prejuízo à parte recorrente, que deixa de pontuar uma irregularidade específica, apenas levantando considerações genéricas sobre possíveis abusos do magistrado ou distorções na reprodução do depoimento da testemunha. As partes estiveram regularmente acompanhadas de advogados na audiência, que puderam exercer papel essencial no controle da atuação do juiz, não havendo qualquer registro de ilegalidade pelo magistrado. Ademais, a redução a termo do testemunho foi assinada pelas partes e procuradores, não havendo indício algum de ilegalidade ou distorções de seu testemunho.

Fica afastada, portanto, esta preliminar.

6. Falta de isenção política partidária de testemunhas

O eventual comprometimento político das testemunhas arroladas pelo Ministério Público diz respeito à qualidade e confiança que merecem receber as provas produzidas, matéria a ser enfrentada na análise do mérito da ação.

Ficam, assim, afastadas as preliminares suscitadas.

 

Mérito

No mérito, restou demonstrado que, no pleito de 2012, Osmani e Luiz Carlos candidataram-se ao cargo de prefeito pela Coligação Frente Sou Mais Tramandaí. Também Saleh Asad Abdalla Júnior apresentou pedido de registro de candidatura como vice-prefeito de Aline Becker de Aguiar.

A partir de agosto de 2012 esse quadro foi alterado.

Saleh Abdalla Júnior teve seu registro de candidatura impugnado com fundamento na inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, 'o', da Lei Complementar n. 64/90, porque fora demitido do serviço público.

A partir desse evento Saleh Abdalla renunciou à sua candidatura e passou a apoiar a eleição de Osmani e Luiz Carlos. Ato contínuo, Saleh assumiu a Secretaria da Saúde já em 2012, durante a gestão de José Tomiello Hoffmaister, prefeito que apoiava a candidatura de Osmani e Luiz Carlos. Para tanto, o Partido Progressista – agremiação de José Tomiello e Luiz Carlos – ingressou com uma ADI contra a Lei municipal n. 3.192/2011, que vedava a assunção de pessoas inelegíveis ao cargo de secretário municipal, alegando vício de iniciativa, com a finalidade de viabilizar a nomeação de Saleh Abdalla para a Secretaria da Saúde, intenção essa que foi expressamente reconhecida nos autos da referida ADI.

Após informações advindas do município, foi concedida liminar suspendendo os efeitos da referida lei, a qual veio a ser confirmada na decisão final da ADI, julgada parcialmente procedente, para reconhecer a inconstitucionalidade do diploma legal no tocante à nomeação de pessoal pelo Chefe do Poder Executivo, em acórdão que restou assim ementado:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO PÚBLICO NÃO ESPECIFICADO. LEI DA FICHA LIMPA MUNICIPAL. RESTRIÇÃO À NOMEAÇÃO DE SERVIDORES NO ÂMBITO DO LEGISLATIVO E DO EXECUTIVO. LEI DE INICIATIVA DE VEREADOR. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL QUANTO À DISCIPLINA DO PODER EXECUTIVO. 1.As regras previstas na Constituição Federal acerca do processo legislativo, inclusive no que diz respeito à iniciativa e limites ao poder de emenda parlamentar, são de observância obrigatória pelos demais entes federados. 2.Há inconstitucionalidade formal quando os projetos de lei que disponham sobre servidores públicos do Executivo, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria não forem iniciados pelo Prefeito Municipal. Aplicação, por simetria, do artigo 61, II, "c" da Constituição Federal e do artigo 60, II, "b" da Constituição do Estado Rio Grande do Sul. 3.A sanção da lei pelo Chefe do Executivo não tem o condão de suprir o vício de iniciativa ou convalidar nulidade absoluta decorrente da ilegitimidade daquele que propõe determinada regra. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. 4.Inexiste conflito entre as normas que disciplinam o processo legislativo e aquelas que cuidam da moralidade da Administração, a fim de ser necessário recorrer a critérios de ponderação. 5.Assim, embora, por imperativo constitucional, seja fundamental a busca da probidade pela Administração, não se pode, sobre este pretexto, desrespeitar outras normas de igual hierarquia, fundamentais ao regular e adequado funcionamento do Estado Democrático de Direito, com a manutenção da harmonia e da independência entre os Poderes. Julgada parcialmente procedente a ação direta de inconstitucionalidade, por maioria.

(Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70050430065, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 27.01.2014.)

Além de Saleh Abdalla, Cristiano Rambo e Rosana Ferreira também renunciaram às suas candidaturas e, em menos de um mês, assumiram cargos em comissão na Prefeitura de Tramandaí.

Tais fatos levaram o juízo de primeiro grau a entender configurados a captação ilícita de sufrágio e o abuso de poder político.

Em que pese os respeitáveis fundamentos expostos pelo juízo de primeiro grau, entendo que a situação dos autos não caracteriza os ilícitos acima nominados.

Inicialmente, os testemunhos de Eloi Sessim e Aline Becker esclarecem que antes do período eleitoral já foi tentada uma aliança entre os candidatos Osmani e Saleh Abdalla, a qual restou frustrada porque o ato de demissão de Saleh Abdalla não poderia ser anulado. Este último representado, então, optou por se lançar candidato, e tentar reverter judicialmente a sua demissão. Somente após perceber que não conseguiria modificar a sua situação, decidiu renunciar à candidatura e apoiar os demais representados. Os aludidos testemunhos foram bem descritos na sentença:

Segundo Eloi Sessim, presidente do PTB e Aline Becker de Aguiar, candidata a prefeita, cujo vice era Abdalla, pela coligação inicial, antes do período eleitoral houve uma aproximação com o PP e PDT, que pretendiam uma coalizão. Na reunião foram discutidas questões técnicas quanto à possibilidade de Abdalla concorrer, na medida em que tinha uma condição impeditiva, qual seja, uma demissão de serviço público – foi demitido do cargo de médico do município, em razão de abandono de emprego. Aline Becker afirmou que foi usada por Abdalla que queria “anulação do processo administrativo” com uma portaria do então prefeito Anderson, cancelando a demissão (fl. 953). Eloi Sessim disse que o apoio foi descartado pela negativa de Anderson em anular esse ato, por saber que poderia responder pessoalmente. Em razão disso, Abdalla aceitou ser candidato a vice de Aline e começou a tentar reverter sua situação impeditiva na justiça. Quando percebeu que não seria possível, judicialmente, renunciou a candidatura, e começou a pedir votos para a outra coligação.

Os autos evidenciam as circunstâncias da aproximação de Saleh a Osmani e Luiz Carlos. Não houve uma procura posterior ao registro de candidatura com a finalidade única de eliminar um concorrente. Ao contrário, ainda antes do período eleitoral, Osmani e Luiz Carlos tentaram compor uma aliança com Saleh Abdalla, o qual preferiu arriscar a sua candidatura. Após perceber que não obteria êxito, voltou a procurar Osmani e Luiz Carlos para reatar o projeto de aliança política que havia recusado anteriormente.

Em segundo lugar, não houve a oferta aleatória de um cargo ao ex-candidato Saleh Abdalla, mas a oferta da Secretaria da Saúde, pasta que Saleh já havia ocupado anteriormente, possuindo certo prestígio nesta área perante a comunidade local. Esta circunstância evidencia a natureza de aliança política do ato impugnado. Não houve a pura oferta de um cargo, mas Saleh foi colocado em uma secretaria importante, na qual exerceu suas atividades em outras gestões com algum destaque. Não fosse assim, Saleh Abdalla não figuraria nas propagandas eleitorais de Osmani e Luiz Carlos anunciando que seria nomeado Secretário da Saúde se os dois últimos candidatos fossem eleitos. Ao que parece, não houve apenas a oferta do cargo de secretário municipal no ano de 2012, mas a formação de uma aliança política, para agregar força à candidatura de Osmani e Luiz Carlos.

De fato, cabe indagar se alianças oportunistas representam a melhor política. No caso dos autos, pelo que se extrai da prova produzida, houve uma tentativa de aproximação prévia entre os candidatos Osmani, Luiz Carlos e Saleh Abdalla. Este último, entretanto, preferiu tentar lançar-se candidato. Diante da evidência de que teria sua candidatura indeferida, buscou reatar a antiga aliança. O cenário mostra a construção de uma aliança política, formada, é verdade, não com base em convicções ideológicas ou programas de governo sólidos, mas em escolhas de conveniência. Tal comportamento, entretanto, não ofende a legislação eleitoral, ficando a cargo dos eleitores avaliarem a qualidade dos candidatos que agem dessa forma.

O juízo sentenciante invocou, ainda, precedentes jurisprudenciais no sentido de que a cooptação de lideranças políticas em troca de cargos se amoldaria ao tipo do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, mencionando o RCED n. 671, do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, cuja ementa está assim redigida:

GOVERNADOR. CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO E ABUSO DO PODER POLÍTICO E ECONÔMICO. POTENCIALIDADE DA CONDUTA. INFLUÊNCIA NO RESULTADO DAS ELEIÇÕES. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. É DESNECESSÁRIO QUE TENHA INFLUÊNCIA NO RESULTADO DO PLEITO. NÃO APLICAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 224 DO CÓDIGO ELEITORAL. ELEIÇÕES DISPUTADAS EM SEGUNDO TURNO. CASSAÇÃO DOS DIPLOMAS DO GOVERNADOR E DE SEU VICE. PRELIMINARES: NECESSIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA, INEXISTÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR, AUSÊNCIA DE TIPICIDADE DAS CONDUTAS, PRODUÇÃO DE PROVAS APÓS ALEGAÇÕES FINAIS, PEDIDO DE OITIVA DE TESTEMUNHA, PERÍCIA E DEGRAVAÇÃO DE MÍDIA DVD, DESENTRANHAMENTO DE DOCUMENTOS. RECURSO PROVIDO.

[...]

11. Cooptação de apoio de liderança política. Oferecimento de cargo no governo e entrega de dinheiro para compra de votos. Caracterização de captação de sufrágio.

[...]

(TSE, Recurso Contra Expedição de Diploma n. 671, Acórdão de 03.03.2009, Relator Min. Eros Roberto Grau, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 59, Data 03.03.2009, Página 35.)

Também esta Corte, no julgamento do RE 1051-75, de relatoria do Dr. Jorge Alberto Zugno, reconheceu a prática de abuso de poder econômico pela cooptação de liderança política para que desistisse de sua candidatura, em acórdão que restou assim ementado:

Recurso. Captação ilícita de sufrágio. Art. 41-A da Lei n. 9.504/1997. Compra de apoio político. Eleições 2012.

Improcedência da ação no juízo originário.

Contexto fático não enquadrado na hipótese de captação ilícita de votos, mas como abuso de poder econômico, consoante o disposto no art. 22, inc. XVI, da Lei Complementar n. 64/90.

Utilização de recursos econômicos para subjugar força política adversa. Plenamente demonstrada a gravidade das circunstâncias, a engendrar a normalidade e a legitimidade do pleito, através da prática abusiva nas proximidades da eleição, bem como pelo contingente de votos potencialmente corrompidos.

Reconhecido o ilícito, impõe-se a cassação dos diplomas conferidos à chapa majoritária e a declaração de inelegibilidade.

Determinada a realização de novas eleições majoritárias no município, nos termos do art. 224 do Código Eleitoral.

Provimento. (Julg. em 05.9.2013.)

Não obstante, os dois precedentes referidos trazem situações fáticas diferentes da verificada nos presentes autos. Nas duas hipóteses acima mencionadas houve a entrega de dinheiro ao concorrente para que desistisse de sua candidatura, evidenciando o intuito de comprar o apoio do adversário.

No caso presente, não houve a oferta de valores para que o candidato opositor desistisse de sua candidatura, mas a retomada de um acerto para compor a futura administração após um dos candidatos perceber que teria seu registro indeferido. As circunstâncias dos autos não evidenciam a presença do especial fim de agir para captar ilicitamente o voto de Saleh Abdalla, pois houve a tentativa anterior de efetivar uma aliança política, o candidato tinha um motivo relevante para desistir de sua candidatura, e assumiu o cargo de Secretário da Saúde no Município, integrando a administração defendida por Osmani e Luiz Carlos, ao invés de receber dinheiro para desistir de sua campanha. As circunstâncias apuradas demonstram, a toda evidência, a formação de uma aliança política, e não a cooptação de adversários políticos.

No tocante à renúncia das candidaturas de Cristiano Rambo e Rosana Ferreira, também não se pode afirmar que tenha havido captação ilícita de sufrágio ou abuso de poder político. Pode-se extrair dos autos apenas dois dados objetivos: Cristiano e Rosana renunciaram às suas candidaturas e, dentro de um mês, assumiram cargos em comissão na prefeitura.

Assim como sucedeu com Saleh Abdalla, as renúncias podem ter ocorrido pelos mais diversos motivos e a assunção dos cargos na prefeitura podem ter decorrido de uma articulação política prévia. O fato é que não se sabe como nem porque houve a renúncia e em que circunstâncias os cargos em comissão foram oferecidos aos candidatos renunciantes. Verifica-se uma dúvida relevante quanto aos motivos da assunção aos cargos públicos, motivo pelo qual, tais fatos não podem justificar o juízo de procedência da ação.

Por fim, o juiz entendeu comprovada a captação ilícita de sufrágio envolvendo a eleitora Maria Lúcia Duarte. Segundo o seu testemunho, Armando Nunes Menezes Júnior, chefe de gabinete da Secretaria da Saúde, teria pedido para a eleitora Maria Lúcia que votasse em Osmani para conseguir uma cirurgia (fl. 958). Após o alegado pedido de votos, a eleitora dirigiu-se novamente à Secretaria da Saúde com a intenção de gravar a conversa com Júnior:

Maria Lúcia – o senhor leu? O que eu falei? Que eu falei, o que o senhor disse pra mim, que se eu votasse no Osmani, o senhor ia conseguir pra mim...

Interlocutor – não eu nunca vou dizer isto pra ti, conseguir, tu perguntou: “isto aqui tá difícil?” e eu te falei que pra mim ficar aqui os quatro anos o Osmani tem que ganhar, foi só isto que eu disse...aí tu foi lá...

A figura da captação ilícita de sufrágio exige, para a responsabilização do candidato, a prova de que tenha participado do ilícito ou, ao menos, com ele consentido, conforme pacífica jurisprudência:

Recurso contra expedição de diploma. Captação ilícita de sufrágio.

Para a configuração da conduta prevista no art. 41-A da Lei das Eleições, é necessária a existência de provas que demonstrem a ciência ou anuência, pelo candidato, da prática ilícita, o que não ocorreu na espécie.

Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Contra Expedição de Diploma n. 894909, Acórdão de 18.09.2012, Relator Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Data 23.10.2012, Página 6-7)

 

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97. CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO PRÉVIO. DEMONSTRAÇÃO.

MULTA PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO PROVIMENTO.

[...]

2. A caracterização da captação ilícita de sufrágio pressupõe a ocorrência simultânea dos seguintes requisitos: a) prática de uma das condutas previstas no art. 41-A da Lei 9.504/97; b) fim específico de obter o voto do eleitor; c) participação ou anuência do candidato beneficiário na prática do ato.

[...]

7. Agravo regimental não provido.

(TSE, Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 815659, Acórdão de 01.12.2011, Relatora Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 026, Data 06.02.2012, Página 28.)

Na hipótese dos autos há apenas o testemunho de Maria Lúcia Duarte e a gravação ambiental. Não existem outras circunstâncias que possam ligar a prática do ilícito aos candidatos a prefeito e vice. Há notícia de uma única ocorrência – a qual pode ter sido fato isolado – praticada pelo chefe de gabinete do secretário da saúde. Sequer há notícias de que o agente participava da campanha dos candidatos representados. Seria possível imaginar que o secretário pudesse ter algum envolvimento no ilícito, pois o agente é pessoa de sua confiança, mas estender o conhecimento de tal ilícito para os candidatos Osmani e Luiz Carlos, que nem ocupavam cargo na prefeitura na época da alegada captação ilícita de sufrágio, requer um exercício de presunção, indevido para um juízo condenatório.

Assim, pelos elementos contidos nos autos não é possível afirmar que os candidatos Osmani e Luiz Carlos participaram do ilícito ou com ele anuíram, não sendo possível, por isso, o seu sancionamento. A jurisprudência reconhece a necessidade de improcedência da representação quando ausente provas do mínimo envolvimento do candidato beneficiado no ilícito:

RECURSO ORDINÁRIO. ELEIÇÕES 2010. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. DEPUTADO ESTADUAL. TRANSPORTE GRATUITO DE ELEITORES. FRAGILIDADE DAS PROVAS. ANUÊNCIA NÃO COMPROVADA. DOAÇÃO. FINALIDADE ELEITORAL. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO. DESPROVIMENTO.

1. Diante das contradições verificadas entre a prova colhida em sede inquisitorial e as obtidas na via judicial, o acervo probatório coligido aos autos não se mostra apto a embasar condenação prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

2. No caso concreto, o conjunto probatório dos autos é insuficiente para comprovar que a candidata praticou ou anuiu com a prática do ilícito descrito no art. 41-A da Lei nº 9.504/97.

3. Consoante já decidiu esta Corte, para a responsabilização do candidato, não basta a mera presunção da anuência ou do conhecimento do fato.

4. Não há elementos nos autos a indicar a finalidade eleitoral da doação, ficando evidenciado apenas que o oferecimento do bem em questão decorreu da relação de amizade existente entre o candidato e o beneficiado.

5. Recurso desprovido.

(TSE, Recurso Ordinário n. 140067, Acórdão de 13.03.2014, Relator Min. JOSÉ ANTÔNIO DIAS TOFFOLI, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 61, Data 31.3.2014, Página 93.)

Dessa forma, as circunstâncias dos autos evidenciam que a renúncia de Saleh Abdalla se deu porque o candidato se conformou com o inevitável indeferimento de seu registro, e que a sua assunção ao cargo de Secretário da Saúde ocorreu em razão da retomada de acordo político frustrado anteriormente. Tais circunstâncias, aliadas à ausência da entrega de dinheiro a Abdalla, demonstram que a alteração do quadro político no município não ocorreu por captação ilícita de sufrágio ou cooptação indevida de liderança política.

Da mesma forma, o fato objetivo da renúncia de Cristiano e Rosana, e de suas nomeações para cargos em comissão na prefeitura, sem maiores detalhes, não permite concluir, com a segurança necessária, que tenha havido ofertas abusivas ou cooptação indevida de apoio político.

Por derradeiro, não existem indícios da participação dos candidatos representados na alegada captação ilícita de sufrágio da eleitora Maria Lúcia Duarte, restando a improcedência da ação também neste ponto.

Diante do exposto, afastada a matéria preliminar, VOTO pelo provimento dos recursos, para o efeito julgar improcedente a ação.