INQ - 2194 - Sessão: 03/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Cuidam os autos de pedido de arquivamento de inquérito policial instaurado para apurar a suposta prática do delito tipificado no art. 299 do Código Eleitoral por LEONIR ALDRIGHI BASCHI, prefeito de Arroio do Padre, a partir de denúncia recebida pelo sistema eletrônico da Procuradoria Regional Eleitoral, do dia 19.08.2012, da qual se extrai que o mandatário […] é um atravessador de verduras daqui do município. Ele compra os produtos aqui e vende lá no CEASA de Pelotas. Agora, para se promover e ganhar votos, ele tá pagando até 10 vezes mais pelo produto (fl. 04).

Diante da ausência de elementos mínimos de prova a autorizar a abertura de inquérito policial, o Procurador Regional Eleitoral requereu o arquivamento do expediente e declínio de competência em relação aos delitos que aponta (fls. 69-71v.).

É o brevíssimo relatório.

 

VOTO

O presente inquérito busca apurar indícios de materialidade e de autoria do crime de corrupção eleitoral tipificado no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze dias-multa.

Trata-se de crime formal, consumando-se com a promessa, doação ou oferecimento de bem, dinheiro ou qualquer outra vantagem com o propósito de obter voto ou conseguir abstenção, não sendo necessário o efetivo aceite para que haja a caracterização do delito.

Examinando-se os autos, não é possível concluir que ocorreu a prática de quaisquer núcleos do referido tipo penal.

O douto Procurador Regional Eleitoral, em manifestação cujo excerto a seguir transcrevo, concluiu pela inutilidade do prosseguimento do presente feito diante da total falta de justa causa para o oferecimento de uma futura denúncia:

Inicialmente, convém destacar que a oitiva de Marilene Gouveia Leitzke (fls. 16-17) constitui a pedra angular das investigações policiais. Colhe-se, a propósito, de suas declarações em sede inquisitorial:

(...) QUE (…) LEONIR BASCHI além de ameaçar eleitores também ameaçou o prefeito de Arroio do Padre, de nome JAIME ALVINO STARKE; (…) QUE participou da campanha eleitoral de JAIME ALVINO STARKE, acompanhando membros dessa coligação em comícios e visitar a eleitores, ocasiões em que ouviu desses próprios eleitores, que estes votariam em LEONIR, pois este último teria afirmado que só compraria produtos daqueles que votassem nele; QUE LEONIR possui um hortifrutigranjeiro chamado BASCHI, localizado próximo a CEASA de Pelotas; (…) QUE LEONIR ficou como técnico de fato do time de futebol de Arroio do Padre, porque o técnico no papel era outra pessoa que assinava os jogos; QUE LEONIR patrocinou o time de futebol pagando diversos itens, entre eles chuteiras para alguns jogadores, isso em período eleitoral; QUE os jogadores do time se negaram a confirmar esses fatos por medo, mas SAMUEL BONOW (telefone 8111-8084) disse que confirmaria os fatos, mesmo tendo medo de LEONIR; QUE tendo sido perguntado se a depoente possui alguma prova das afirmações que ela faz, explica que os eleitores ameaçados tem medo de confirmar as ameaças, além desses também tem os produtores rurais que vendem para LEONIR quase toda semana e temem perder o comprador se o denunciarem; QUE pode citar como eleitores ameaçados JOÃO CARLOS MACKEDONZ, e como produtores rurais outras pessoas cujos nomes não sabe, apenas sabendo indicar as localidades: Santa Coleta e Arroio do Padre I; QUE LEONIR falou na CEASA que pagaria R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) para matar JAIME se esse fosse reeleito, isso foi contado ao próprio JAIME por AFONSO HELWIG, o qual leva hortifrutigranjeiros para vender na CEASA e talvez também no próprio LEONIR, onde poderia ter ouvido isso; QUE AFONSO ainda contou que LEONIR teria dito que já teria pago o valor e dito que o contratado ficasse atento a eleição, além disso que JAIME ainda não teria inaugurado uma última obra, qual seja o cemitério público.

Submetida a versão acima ao exame conjunto com os demais elementos de prova angariados ao caderno investigativo, é de reconhecer-se a ausência de qualquer indicativo da suposta prática de crime eleitoral pelo investigado.

Não bastasse o fato de Marilene Leitzke ter participado ativamente da campanha eleitoral de Jaime Starke, circunstância esta que, ao menos em tese, desqualifica suas declarações, os eleitores por ela apontados como alvos das ameaças de LEONIR BASCHI, ouvidos, não confirmaram tal versão. Isso é o que se depreende, a título de exemplo, das declarações de João Carlos Mackedanz, expressamente referido no depoimento de Marilene Leitzke, de onde se extrai:

(...) QUE conhece MARILENE GOUVEIA LEITKE, sendo amigo dela e frequentando ocasionalmente festas de aniversário, mesmo porque são vizinhos e se falam rotineiramente; QUE não é parente de MARILENE; QUE conhece LEONIR BASCHI, com o qual tem um bom relacionamento, não sendo parente dele; (…) QUE com relação ao afirmado por MARILENE as folhas 16/17 de que o declarante teria sido ameaçado por LEONIR, nega, informando que na verdade LEONIR apenas lhe pediu para ajudar, “dando um voto para ele”, se fosse possível; QUE LEONIR somente lhe pediu voto uma vez, bem como um pouco antes das eleições visitou o declarante junto com o vice; QUE os adversários políticos, JAIME STARKE e NORBERTO LEITZKE, também visitaram o declarante próximo às eleições; QUE LEONIR nunca ameaçou o declarante (...) (fl. 23).

Como se vê, os depoimentos de Alfonso Hellwig (fl. 38) e de Roger Neuschrank (fl. 14), produtor rural da região, estão orientados no mesmo sentido.

A propósito das declarações deste último, embora declinado à autoridade policial o conhecimento acerca da suposta realização de doações de tábuas de madeira por LEONIR a moradores da região em troca de votos, Roger Neuschrank sequer soube nominar quem teria lhe confidenciado esse fato; limitou-se, tão somente, a prestar informações vagas quanto às características pessoais de tal indivíduo e seu possível paradeiro que, a princípio, se mostraram insuficientes para se determinar nova diligência.

Por seu turno, em relação à alegação de supostas doações de chuteiras por LEONIR BASCHI a jogadores do time de futebol do Esporte Clube Arroio do Padre durante o período eleitoral, anote-se que tal circunstância, se comprovada, quando muito, caracterizaria eventual abuso de poder econômico, previsto no art. 22 da Lei Complementar n.º 64/90; não é, todavia, o que os elementos de prova encerrados nos autos indicam.

Segundo consta, o investigado realmente figura como treinador do time de futebol da cidade de Arroio do Padre. Contudo, LEONIR BASCHI em nenhum momento se serviu dessa condição para tratar de assuntos eleitorais, como se observa das declarações de Ederson Leitzke (fl. 33), que no essencial se transcreve:

(...) QUE é presidente do time de futebol de campo do Arroio do Padre; QUE LEONIR BASCHI é treinador do referido time desde o ano passado; QUE LEONIR nunca usou essa posição para fins eleitorais, inclusive ficou combinado desde o começo que não se falaria de política no vestiário, nem no campo; QUE LEONIR sempre respeitou essa combinação, nunca sequer mencionando sua candidatura; QUE com relação às chuteiras que teriam sido doadas aos jogadores TIAGO MULLER SCHULTZ (ou SHULTZ MULLER), MARCIO STOCH, MAICON KESTNER, EVERTON DINAEL BONOW e EDERSON SAMUEL BONOW, esclarece que pelo que ficou sabendo TIAGO comprou as chuteiras na loja Hercílio de Peotas, tendo pago mil e duzentos reais; QUE TIAGO teria comprado e dado para os demais jogadores citados, porque os cinco jogam juntos há muito tempo e também jogam em um time de futebol de salão, sete e de campo; QUE pelo que ouviu os jogadores teriam pedido isso para TIAGO, o qual teria mais condições econômicas para adquirir as chuteiras; QUE não é parente de MARILENE GOUVEIA LEITZKE, a qual apenas tem relacionamento com o depoente por conta de uma propaganda que está fixada no muro do campo do time de futebol; QUE a propaganda é do marido de MARILENE, VILSON LEITZKE, artesão; QUE inclusive MARILENE só pagou cem reais da propaganda e quando foram cobrar os outros cento e cinquenta reais que seriam pagos por RUINEI LEOPOLDO LERN, MARILENE negou a dívida; QUE MARILENE trabalhava como uma espécie de secretária de RUINEI, o qual era vereador ano passado e não se reelegeu.

Nesse mesmo norte caminharam as declarações de Ederson Samuel Bonow (fl. 25), Everton Dinael Bonow (fl. 32), Maicon Roschildt Kerstner (fl. 34), Márcio André Storch (fl. 41) e Valdomiro Leitzke (fl. 44). Aliás, leia-se o que Márcio André Storch declinou à autoridade policial:

(...) QUE, joga futebol pelo time de nome “SÓ VAI”; QUE o time é amador; QUE sabe quem é LEONIR BASCHI, o qual foi treinador do time de futebol de Arroio do Padre nos anos de 2011 e 2012; QUE no ano passado LEONIR não se envolveu muito com o time, pois estava se candidatando a prefeito do município; QUE LEONIR nunca pediu votos, nem fez campanha eleitoral no time de futebol; QUE o depoente vota em Pelotas; QUE se recorda das chuteiras compradas por TIAGO, jogador do referido time de futebol, sendo que o combinado era que cada um pagaria a sua, não sabendo se os outros pagaram ou não, mas o depoente pagou R$ 200,00 a TIAGO pela chuteira; QUE, salvo engano, TIAGO não vota em ARROIO DO PADRE, mas sim em Canguçu, portanto nem faria sentido haver solicitação de troca de votos pelas chuteiras nestes casos; QUE ninguém lhe pediu para votar em LEONIR em troca da chuteira, mesmo porque o depoente não vota em Arroio do Padre.

Assim, diante a ausência de outras provas hábeis a demonstrar a prática do suposto crime eleitoral noticiado, a Procuradoria Regional Eleitoral requer o arquivamento do presente Inquérito Policial relativamente ao delito previsto no art. 299 do Código Eleitoral, ressalvados os termos do art. 18 do CPP e da Súmula n.º 524 do STF.

De outro giro, considerando que os depoimentos de Roger Neuschrank (fls. 14-15), Elgomar Peter (fl. 24) e Ismar Nornberg (fl. 37), salvo melhor juízo, encerram indícios da eventual prática do crime de ameaça e/ou constrangimento ilegal (CP, arts. 146 e 147), dentre possíveis outros, pelo atual Prefeito de Municipal de Arroio do Padre/RS, e que a competência para seu processo e julgamento repousa sobre a Justiça Estadual comum, deve esta Corte, quanto a eles, declinar a competência ao TJ/RS. (Grifei.)

Verifico, portanto, não haver indícios de materialidade e de autoria do crime de corrupção eleitoral, pois, conforme exposto na manifestação ministerial, não existem elementos de informação mínimos capazes de consubstanciar eventual denúncia.

Assim, o arquivamento do inquérito é medida que se impõe, pois sem esses elementos não há justa causa para a propositura da ação penal. Não obstante, diante da presença de indícios da prática do crime de ameaça e/ou constrangimento ilegal, tipificados nos arts. 146 e 147 do CP, dentre outros delitos que possam ser apurados, impõe-se o declínio da competência ao Tribunal de Justiça do Estado, competente para processar e julgar Leonir Aldrighi Baschi nos crimes de jurisdição comum, visto que é o atual prefeito de Arroio do Padre e, portanto, detentor de prerrogativa de foro.

Diante do exposto, VOTO no sentido de:

Acolher a promoção ministerial para determinar o arquivamento do inquérito em relação ao investigado LEONIR ANDRIGHI BASCHI, com a ressalva do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal e no art. 11 da Resolução TSE n. 23.222/2010;

Declinar da competência do apuratório ao Tribunal de Justiça do Estado em relação aos indícios do cometimento dos crimes comuns por parte de LEONIR ANDRIGHI BASCHI, prefeito de Arroio do Padre, remetendo-se os autos àquela Corte, de modo que o órgão ministerial lá oficiante adote as providências que entender cabíveis.