RE - 487 - Sessão: 05/06/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por ELSON BENEDITO SOUZA DE SOUZA, concorrente ao cargo de vereador no Município de Pelotas, contra sentença do Juízo da 34ª Zona Eleitoral, que julgou desaprovadas as contas referentes às eleições municipais de 2012, tendo em vista a presença de diversas irregularidades insanáveis, quais sejam: a) demonstrativos e relatórios incompletos (relativamente ao Relatório de Despesas Efetuadas e às informações bancárias na Ficha de Qualificação; b) arrecadação de recursos sem a emissão de recibos eleitorais; c) utilização de recursos estimáveis em dinheiro provenientes de terceiros sem documentação fiscal ou recibo válido e assinado; d) inconsistências no confronto entre as doações declaradas na prestação de contas do candidato e as declaradas pelos doadores na origem; e) divergências entre dados dos doadores e fornecedores declaradas na prestação de contas do candidato e as informações constantes na base da Receita Federal; f) despesas efetuadas após a eleição; e g) inconsistências entre as receitas e despesas financeiras declaradas nos demonstrativos das prestações de contas e extratos eletrônicos, dentre outras (fls. 56-57).

Em suas razões recursais, o recorrente argumenta que as irregularidades identificadas decorrem basicamente de erros contábeis e desconhecimento da legislação pertinente, bem como não indicam má-fé ou abuso de poder político ou econômico por parte do candidato. Alega ainda, que a campanha eleitoral utilizou valor irrisório de recursos financeiros, razão pela qual requer a aprovação das contas com ressalvas (fls. 61-63).

Foram apresentadas contrarrazões à fl. 67.

Nesta instância, a Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo conhecimento e desprovimento do recurso, visto subsistirem irregularidades que comprometem a confiabilidade e a consistência dos registros contábeis, devendo ser mantida a decisão que desaprovou as contas (fls. 71-73).

É o breve relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O candidato foi intimado em 23.07.2013, e a irresignação interposta em 26.07.2013, ou seja, dentro dos três dias previstos pelo artigo 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

No mérito, não prospera a irresignação.

A desaprovação das contas pelo juízo monocrático decorreu da identificação de inúmeras irregularidades que remanesceram mesmo após o cumprimento de diligências pela parte, e que comprometem a confiabilidade das contas.

A alegação do recorrente, no sentido de que desconhecia a legislação eleitoral e as normas de contabilidade para organizar e apresentar suas contas, não pode ser aceita como justificativa capaz de atenuar, ou mesmo de isentá-lo, da responsabilidade em prestá-las correta e adequadamente. De acordo com o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42) ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.

Passo à análise individuada das falhas que ensejaram a desaprovação.

Demonstrativos e relatórios incompletos (relatório de despesas efetuadas e informações bancárias na ficha de qualificação):

Inicialmente, da análise dos autos foi identificada ausência, na Ficha de Qualificação de fl. 02, de informações sobre a conta bancária eleitoral do candidato. Tenho que a falha apontada, por si só, não inviabiliza o exame das contas, uma vez que foram juntados extratos bancários da conta utilizada, às fls. 23-28, que contêm as informações necessárias ao caso.

Por outro lado, também apontou a análise técnica que o Relatório de Despesas Efetuadas de fl. 21 está incompleto, já que não contempla a discriminação de todas as despesas realizadas pelo candidato no curso da campanha.

Parece evidente que foi anexada ao processo somente a parte final do relatório em questão e o candidato, mesmo intimado a apresentar as peças faltantes, o deixou de fazer.

O art. 40 da Resolução TSE n. 23.376/2012 relaciona os documentos obrigatórios a serem apresentados pelo candidato na prestação de contas:

Art. 40

A prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deverá ser instruída com os seguintes documentos:

[…]

VII – demonstrativo de despesas efetuadas;

Ocorre que a apresentação do relatório referido é indispensável à análise das contas eleitorais, porque sem ele não há como se identificar os gastos efetivos do candidato no período de campanha e, por conseguinte, não há como proceder a análise das contas.

Arrecadação de recursos sem emissão de recibos eleitorais:

Não bastasse a ausência dos documentos mencionados acima, é de ressaltar ter havido total omissão do recorrente quanto à emissão e apresentação dos recibos eleitorais. Conforme a exigência do art. 4º da supracitada resolução, toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, só poderá ser efetivada mediante a emissão do recibo eleitoral.

Assinalo que os recibos eleitorais têm o escopo de legitimar a arrecadação de recursos para a campanha e, por meio deles, se viabiliza a verificação da regularidade das contas apresentadas.

Tais documentos, devidamente preenchidos e assinados, respaldam os dados declarados nos demonstrativos. Indispensável, pois, sua emissão, uso e juntada. É precipuamente esse o ponto que macula de modo irreversível a prestação das contas.

A ausência dos recibos, por fragilizar de forma inarredável a credibilidade e idoneidade das contas, enseja a sua desaprovação, conforme já decidiu a jurisprudência desta Casa:

Recurso. Prestação de contas. Candidato a vereador. Eleições 2008. Desaprovação no juízo originário. Existência de dívidas de campanha não quitadas, arrecadação de recursos sem a emissão dos respectivos recibos eleitorais e pagamento de despesas com recursos sem o devido trânsito pela conta bancária específica.

Persistência de falhas que impossibilitam o controle efetivo da origem e da aplicação dos recursos de campanha, comprometendo a regularidade e idoneidade da movimentação financeira.

Provimento negado.

(Recurso Eleitoral n. 6.623, Acórdão de 16.07.2013, Relator Dr. Jorge Alberto Zugno, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 130, Data 18.07.2013, Página 2.) (Grifei.)

Ademais, os recursos financeiros obtidos sem a correspondente emissão de recibo eleitoral representam mais de 60% das receitas arrecadadas, o que leva à reprovação das contas.

Utilização de recursos estimáveis em dinheiro provenientes de terceiros sem documentação fiscal ou recibo válido e assinado:

O art. 41 da Res. 23.376/2013 dispõe:

Art. 41. A receita estimada, oriunda de doação/cessão ao candidato, ao comitê financeiro e ao partido político de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, deverá ser comprovada com a apresentação dos seguintes documentos:

I – documento fiscal emitido pela pessoa jurídica doadora e termo de doação por ele firmado;
II – documentos fiscais emitidos em nome do doador ou termo de doação por ele firmado, quando se tratar de doação feita por pessoa física;
III – termo de cessão, ou documento equivalente, quando se tratar de bens pertencentes ao cedente, pessoa física ou jurídica, cedidos temporariamente ao candidato, comitê financeiro ou partido político. (Grifei.)

Verifica-se, na fl. 06 dos autos, que o candidato informou o recebimento de doação de receita estimada em dinheiro no valor total de R$ 932,00, relativa a impressos de material publicitário, mas não juntou qualquer comprovante ou documento fiscal.

O Relatório Final de Exame destacou, também, que os recibos eleitorais das respectivas receitas estimadas juntados às fls. 29-30 dos autos não foram gerados pelo Sistema de Prestação de Contas Eleitorais e que não foram sequer assinados.

Sem a apresentação dos documentos fiscais das receitas estimadas em dinheiro arrecadadas durante a campanha eleitoral, a prestação de contas carece de credibilidade, porque incompleta aos olhos da lei, sendo de rigor, nestes casos, a sua desaprovação. Neste sentido o entendimento dos Tribunais:

EMENTA. RECURSO ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2008. CANDIDATO A VEREADOR. AUSÊNCIA DE TERMO DE CESSÃO E RECIBO ELEITORAL DE VEÍCULO PRÓPRIO. DESTINAÇÃO EQUIVOCADA DAS SOBRAS DE CAMPANHA. IRREGULARIDADES SANÁVEIS. AUSÊNCIA DE EMISSÃO DE RECIBO ELEITORAL E FALTA DE NOTAS FISCAIS COMPROBATÓRIAS REFERENTES A RECEITAS ESTIMADAS PERCEBIDAS DO COMITÊ FINANCEIRO. IRREGULARIDADES INSANÁVEIS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE INAPLICÁVEL. RECURSO NÃO PROVIDO.

[...]

3. É obrigatória a emissão de recibos eleitorais para as receitas estimáveis em dinheiro oriundas de terceiros, não sendo possível a substituição dos recibos eleitorais por recibos de pagamento de autônomos, eis que estes últimos não preenchem todas as exigências da legislação eleitoral.

4. O recebimento de doações estimáveis em dinheiro traz ínsita a obrigação de sua comprovação fiscal e de apresentação de notas explicativas com descrição, quantidade, valor unitário e avaliação pelos preços praticados no mercado, com indicação da origem da avaliação, nos termos dos artigos 30, § 1º e 31, parágrafo único, ambos da Resolução nº 22.715/08, do Tribunal Superior Eleitoral.

5. Não se aplica o princípio da razoabilidade, quando a conduta do candidato afronta a legislação eleitoral e impede que o Poder Judiciário realize a necessária fiscalização da prestação de contas de campanha eleitoral.

(Recurso Eleitoral n. 7.902, Acórdão de 05.08.2009, Relator Dr. Munir Abegge, Publicação: DJ - Diário de Justiça do Paraná, Tomo 130, Data 13.08.2009, Página 2. )

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS - ELEIÇÕES 2010 - CANDIDATO A DEPUTADO ESTADUAL - RECEITAS ESTIMADAS DESACOMPANHADAS DE NOTAS EXPLICATIVAS - RECEITA ARRECADADA SEM DOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS - ARRECADAÇÃO DE RECURSOS ANTES DA OBTENÇÃO DOS RECIBOS ELEITORAIS - EMISSÃO DE ÚNICO RECIBO PARA MAIS DE UMA ARRECADAÇÃO - RECIBOS SEM VALOR PROBATÓRIO - IRREGULARIDADES INSANÁVEIS - DESAPROVAÇÃO.

Torna-se imperativo a rejeição das contas quando as irregularidades, por si só, ou no seu conjunto, comprometem a sua lisura e confiabilidade.

Inteligência do art. 39, III, da Resolução-TSE nº 23.217/2010.

Desaprovação das contas eleitorais.

(Prestação de Contas n. 621.312, Acórdão de 11.10.2011, Relator Dr. Jailsom Leandro de Sousa, Publicação: DJE- Diário de Justiça Eletrônico do RN, Data 14.10.2011, Página 2-3. ) (Grifei.)

Inconsistências no confronto entre as doações declaradas na prestação de contas do candidato e as declaradas pelos doadores na origem:

Da mesma forma, a alegada doação estimada em dinheiro recebida pelo candidato não pode ser comprovada, uma vez que o doador não declarou na sua prestação de contas a doação correspondente (fl. 50).

Conforme analisado no item anterior, não foram acostados aos autos os documentos formais exigidos pela legislação eleitoral, restando assim, inviabilizada a análise da regularidade das declarações feitas através do demonstrativo e não firmadas por recibos válidos.

Divergências entre dados dos doadores e fornecedores declarados na prestação de contas do candidato e as informações constantes na base da Receita Federal:

As divergências apontadas entre os dados dos doadores e fornecedores constantes na prestação de contas e as informações existentes na base da Receita Federal poderiam ser superadas pela constatação de meras falhas de digitação, ou falta de parte dos nomes dos envolvidos, não fosse a dificuldade na análise das contas pelas suas incongruências e informações incompletas.

Impossível a verificação, por exemplo, de divergência em nome de fornecedor constante como “som” na prestação de contas e como “Cristiano das Neves Borges” na base da Receita Federal, no valor de R$ 350,00, quando o candidato sequer discriminou a despesa na prestação de contas e muito menos apresentou qualquer documentação fiscal da mesma (fl. 50).

Saliento ainda, que o recorrente, quando questionado, não preocupou-se em esclarecer as questões suscitadas pelo examinador técnico, impedindo mais uma vez a aferição de regularidade do balanço contábil.

Despesas efetuadas após a eleição:

O Relatório de Despesas Efetuadas apontou dois pagamentos após a data da eleição, em afronta ao artigo 29 da Resolução citada, verbis:

Art. 29. Os candidatos, partidos políticos e comitês financeiros poderão arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

§ 1º. É permitida a arrecadação de recursos após o prazo fixado no caput exclusivamente para a quitação de despesas já contraídas e não pagas até o dia da eleição, as quais deverão estar integralmente quitadas até a data da entrega da prestação de contas à Justiça Eleitoral.

[...]

§ 5º. As despesas já contraídas e não pagas até a data a que se refere o caput deverão ser comprovadas por documento fiscal idôneo ou por outro permitido pela legislação tributária, emitido na data da realização da despesa.

No que alude à aquisição de despesas após a data das eleições, verifica-se, a partir do Demonstrativo de fl. 11, a ocorrência de gastos em 23 e 24.10.12, os quais referem-se, respectivamente, à tarifa bancária e despesas com pessoal.

Nota-se que o recorrente deixou de sustentar justificativa para a divergência ocorrida, alegando apenas que o valor de R$ 21,50 é oriundo de tarifa de devolução de cheque e o valor de R$ 53,50 é relativo à despesa com pessoal contratada anteriormente à data da eleição, mas que teve o cheque descontado na agência bancária somente após pleito (fl. 45v.).

Cumpre registrar que, em tese, não há irregularidade no pagamento de dívidas após a eleição. O que ocorre no caso sob exame é que mais uma vez não é possível comprovar o alegado pelo candidato, principalmente no que se refere à despesa com pessoal registrada. Embora a lei autorize o adimplemento posterior de dívidas contraídas até a data da eleição, não há documentação fiscal ou complementar que ateste a veracidade das informações.

Inconsistências entre as receitas e despesas financeiras declaradas nos demonstrativos das prestações de contas e extratos eletrônicos:

A sentença aponta a identificação de inconsistências entre o montante de débitos e receitas constantes do extrato eletrônico e as informações prestadas pelo candidato.

De fato, esta divergência foi assinalada pelo examinador das contas nos itens 12 e 13 do relatório final de exame (fls. 48-52).

Ao comparar as informações do relatório final com as constantes nos extratos fornecidos pelo candidato (fls. 23 a 28), conclui-se que a diferença de fato existe, sendo possível deduzir que tais valores têm origem no estorno de cheques devolvidos por insuficiência de fundos, os quais constam no extrato eletrônico como receita, não sendo esclarecido pela recorrente como os cheques devolvidos foram quitados.

Ao mesmo tempo, na linha do que foi apontado no aludido relatório técnico, não há qualquer informação sobre essas questões nos demonstrativos apresentados pelo candidato.

Há, dessa forma, inconsistência na prestação de contas que não foi esclarecida pelo candidato, nem no momento oportuno (antes da decisão), nem em fase recursal.

A correspondência no confronto dos extratos bancários com os relatórios juntados ao processo de prestação de contas, além da declaração de todas as despesas efetuadas, são requisitos indispensáveis à demonstração da higidez das contas.

O descompasso entre dados (extratos bancários e demonstrativos) e a ausência de informações completas quanto às despesas realizadas, verificados no caso concreto, retiram das contas a esperada confiabilidade, segurança e transparência, necessárias para a sua aprovação.

As regras estabelecidas na legislação eleitoral, especialmente no que concerne às arrecadações e aos gastos de campanha, buscam imprimir transparência às contas dos candidatos e partidos. No caso concreto, as irregulares verificadas são de natureza grave e comprometem a possibilidade de verificação segura das operações financeiras, não autorizando a aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para o fim de aprovar as contas, como pretende o recorrente.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença que desaprovou as contas de ELSON BENEDITO SOUZA DE SOUZA, candidato ao cargo de vereador no Município de Pelotas pelo Partido dos Trabalhadores, relativas às eleições municipais de 2012, com fundamento no art. 30, inc. III, da Lei n. 9.504/97 c/c o art. 51, inc. III, da Resolução TSE n. 23.376/2012.