RE - 102 - Sessão: 01/07/2014 às 14:00

RELATÓRIO

O Ministério Público Eleitoral interpõe recurso contra a sentença que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo proposta contra PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASZKIEWICZ, vereador diplomado em 19.12.2012, sob o fundamento de não haver prova robusta do alegado abuso de poder.

Em suas razões recursais, o Parquet alega existir prova cabal de que o recorrido realizou as vedadas práticas de boca de urna e transporte de eleitores no dia da eleição. Assevera que os diálogos captados na interceptação telefônica, judicialmente autorizada, evidenciam a contratação de pessoas para realizar boca de urna. Ressalta que o representado indicou 40 (quarenta) pessoas para ocupar cargos em comissão e atuar como estagiários em benefício do candidato à reeleição, e que os gastos da campanha foram financiados através de contraventores do "jogo do bicho". Requer a cassação do mandato do recorrido, que ele seja declarado inelegível por oito anos, a anulação dos seus votos e a recontagem do quociente eleitoral (fls. 349-365).

Apresentadas as contrarrazões (fls. 369-392). Nesta instância, foram os autos remetidos ao Procurador Regional Eleitoral, que opina pelo parcial provimento do recurso, ao argumento de não haver prova suficiente acerca do alegado transporte de eleitores e da captação de recursos por meio de contraventores do "jogo do bicho", tampouco demonstrado o abuso de poder mediante a suposta indicação de 40 pessoas para ocupar cargos em comissão; todavia, entendeu restar demonstrada a ocorrência do abuso de poder econômico pela prática de boca de urna (fls. 396-400).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo. O promotor eleitoral foi intimado da sentença em 31.05.2013 (sexta-feira), e o recurso interposto em 04.06.2013 (terça-feira), ou seja, dentro do tríduo legal.

A inicial está lastreada nos seguintes fatos:

1.1. Nos dias anteriores às eleições, especialmente nos dias 04 e 05/10/2012, veículos com propaganda eleitoral do requerido foram flagrados circulando em comboios nos bairros, especialmente os mais pobres, […] Testemunhas presenciaram três camionetas com propagandas do requerido “fecharam” a entrada do bairro João Goulart, logo após moradores afirmarem que estavam esperando os ranchos que seriam distribuídos.

1.2. No dia da eleição, 07/10/2012, o requerido efetuou a contratação de pessoas para realizar a atividade ilícita de boca de urna, o requerido também contratou pessoas e realizou transporte de eleitores, através de Solange Alves Vieira e Ivanir Vieira Pedroso (Iva). O requerido efetuou o pagamento dessas atividades ilícitas.

1.3. O requerido obteve recursos de contraventores do jogo do bicho – Carlos Emiliano da Rosa ("Carlinhos"), Jorge Luis Brigo ("Brigo") e "Sérgio" -, para financiar a sua campanha eleitoral e as citadas atividades de corrupção eleitoral. […]

1.4. Em entrevista na rádio Sepé Tiarajú, no dia 25/10/2012, no programa Aldeia Global (CD com a gravação inclusa,...), o requerido PEDRO SILVESTRE PERKOSKI WASZKEIWICZ confessou que indicou 40 (quarenta) pessoas para ocuparem cargos em comissão e atuarem como estagiários, no Município de Santo Ângelo. (Grifei.)

A inicial imputa ao candidato eleito o cometimento de diversos ilícitos eleitorais: distribuição de ranchos, contratação de pessoas para realizar boca de urna, transporte de eleitores, financiamento de campanha por contraventores do jogo do bicho sem o registro na prestação de contas do candidato e uso da máquina pública mediante indicação de 40 pessoas para ocupar cargos em comissão. Foi instaurado inquérito policial para apurar as denúncias (fls. 84-224), ocasião em que estava autorizada a interceptação telefônica pela juíza eleitoral (fls. 95-96).

Destaco alguns diálogos oriundos da interceptação telefônica, por esclarecedores.

Dia 07.10.12, às 10h (fls. 113-114, 117, 279):

Pedrão fala com mulher que se identifica por Iva.

Iva diz estar esperando Pedrão e pede para ele conseguir gasolina para buscar “os que vão vota”.

Iva diz estar perto do frigorífico e Pedrão diz estar em frente ao Fórum

Pedrão lhe diz “não temo conseguido isso” e pergunta onde ela está, que vai lhe falar.

Após conversa sobre locais para o encontro, Pedrão diz para Iva passar em frente ao Fórum para conversarem.

Final do diálogo.

Constata-se, portanto, inexistir prova de que Pedrão tenha conseguido a gasolina e que o transporte de eleitores tenha efetivamente ocorrido.

No que diz respeito à boca de urna, seguem os seguintes diálogos travados quando já transcorrida a eleição:

Dia 07.10.12, às 9h24min (fl. 279):

Cleusa Peres liga para Pedrão.

Cleusa diz que é do bairro Sepé, em frente ao IESA.

Diz a ele que os que estão fazendo boca de urna para ele estão na casa dela e pergunta quem vai pagar o lanche deles. Pedro pergunta quem está lá. Cleusa diz que está lá a Elenir de Fátima Ribeiro e que ela estava indo pagar o nome das outras. Pedrão diz que vai ir lanche para todos.

Dia 09.10.12 (fl. 122):

Solange diz: viu, me diz uma coisa, quanto que tu acha que tu vai te que paga o total das boca de urna que eu contratei aí e gente pra leva

Pedrão interrompe e diz: solange, depois eu vo conversá contigo aí

Solange: não mas eu quero te dá uma boa notícia.

Pedrão: não tenho ideia

Solange: não mas eu...

Pedrão: não é que o telefone chorááá

Solange: eu sei que o telefone chora, …

Dia 11.10.12 (fl. 124):

Pedrão fala com Solange e lhe diz é para ligar para o pessoal e avisar que ele vai pagar somente na próxima quarta. Que o “Bringo” não lhe deu “nenhum pila”, o seu Bruno não lhe deu nenhum pila, que segunda irá fazer um consignado para pagar. Pedrão comenta que “deu uns problema com os né”...o cara não me deu nenhum pila né. Solange comenta que “as gurias” estão cobrando. Pedro diz que pagará quarta.

Dia 16.10.12 (fl. 127):

Max recebe ligação de homem perguntando-lhe se Pedrão havia deixado o dinheiro para pagar as “gurias”.

Max responde que deixou dois mil. Homem diz que não era o valor combinado e que “as gurias” da boca de urna querem receber. Homem diz a Max que o valor é três trezentos e noventa.

Mulher pega o telefone e diz a Max que contratou quinze gurias para a boca de urna e que se não receber todo o valor combinado vai mandá-las cobrar o Pedrão diretamente.

Mulher explica a Max que nos locais onde ela colocou as suas “gurias” o candidato teve uma boa votação e que ela havia contratado também duas pessoas para “carregar”, sendo estes “de fora”. Mulher também diz que precisa receber o seu dinheiro. Max chama a mulher pelo nome de Solange. [...]

A juíza eleitoral, ao prolatar a sentença, entendeu que as conversas telefônicas apenas indicam atos preparatórios não passíveis da punição pretendida, ainda que moralmente reprováveis.

Peço vênia para divergir parcialmente desse entendimento. Isso porque as escutas telefônicas revelam que o recorrido concordou em pagar pelos serviços ilícitos: transporte de eleitores e contratação de pessoas para a boca de urna, o que também entendeu a magistrada; porém, a conduta ilícita de boca de urna restou, para este julgador, comprovada.

Os demais ilícitos não restaram evidenciados, como bem apontado pela magistrada sentenciante ao examinar minudentemente as provas. Na mesma esteira, segue o parecer do Procurador Regional Eleitoral.

Transcrevo abaixo excertos da sentença, no que interessa:

No ofício respondido pela pela Câmara de Vereadores (fl. 46/47), consta que dos 15 CCs, somente um foi indicado pelo requerido, não havendo informações sobre indicações de estagiários. No ofício respondido pela Prefeita Municipal de Santo Ângelo (fl. 51/61), não veio a informação sobre quem teria indicado os CCs e estagiários.

Neste ponto, registro que não há vedação ao requerido para a indicação de CCS e estagiários junto ao executivo e legislativo municipais, podendo a ausência de seleção de estagiários configurar mera irregularidade por parte do administrador contratante.

O fato do requerido vangloriar-se como fato em programa de rádio revela apenas a mentalidade comum de que tais cargos podem servir de cabides de emprego, beneficiando alguns em troca de trabalho gratuito em campanha eleitoral. Todavia, não há qualquer impedimento que estagiários e CCs participem gratuitamente de campanha política.

A reprovabilidade da conduta do requerido em suas afirmações junto ao programa de rádio, independente da sua veracidade, cabe ao eleitor.

Com relação à distribuição de ranchos, a representante ministerial concorda que não ficou demonstrado.

Sobre o financiamento da campanha com recursos de contraventores do jogo do bicho, a prova seria a escuta telefônica cujos trechos foram reproduzidos às fls. 311 verso e 312.

Verifico que as conversas se referem a empréstimo de dinheiro. Indica o Ministério Público que as pessoas que participaram da conversa podem estar relacionadas à prática do jogo do bicho. Não há nenhuma certeza disso, nem da efetiva entrega doo dinheiro ao requerido, nem que este dinheiro tenha sido utilizado na campanha eleitoral.

Não obstante a comprovação da boca de urna, necessário identificar a gravidade das circunstâncias para restar caracterizado efetivamente o abuso de poder econômico, à luz do inc. XVI art. 22 da LC 64/90, a qual reproduzo:

Art. 22. [...]

XVI - para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam.

O alcance da expressão “gravidade das circunstâncias” deve ser estabelecido a partir do bem jurídico tutelado pela norma. O abuso de poder econômico busca coibir atos e comportamentos tendentes a desvirtuar a normalidade do pleito; logo, as circunstâncias estarão revestidas de gravidade quando tiverem dimensão suficiente para afetar o equilíbrio legalmente admitido entre os candidatos, ainda que não venham a efetivamente quebrar a normalidade do processo eleitoral.

Nesse sentido é a lição de José Jairo Gomes:

É preciso que o abuso de poder seja hábil a comprometer a normalidade e a legitimidade das eleições, pois são esses os bens jurídicos tutelados pela ação em apreço. Deve ostentar, em suma, a aptidão ou potencialidade de lesar a higidez do processo eleitoral. Por isso mesmo, há mister que as circunstâncias do evento considerado sejam graves (LC n. 64/90, art. 22, XVI), o que não significa devam necessariamente alterar o resultado das eleições.

Nessa perspectiva, ganha relevo a relação de causalidade entre o fato imputado e a falta de higidez, anormalidade ou desequilíbrio do pleito, impondo a presença de liame objetivo entre tais eventos.

(Direito Eleitoral, 8ª ed., 2012, p. 473)

A respeito do dispositivo em comento, transcrevo também a doutrina de Rodrigo López Zilio, que segue a mesma linha de raciocínio:

Nesse giro, para haver ofensa ao bem jurídico tutelado, a jurisprudência do TSE tem entendido necessária prova da potencialidade de o ato abusivo afetar a lisura ou normalidade do pleito. Não é exigida mais, conforme excerto do voto Ministro Sepúlvida Pertence, a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições”.... Em suma, abandonou-se a necessidade de prova do nexo de causalidade aritmética (abuso vs resultado da eleição), sendo suficiente prova da potencialidade de o ato interferir na normalidade do pleito.

(Direito Eleitoral, 3ª ed., 2012, p. 481)

Imprescindível, portanto, perquirir se a conduta praticada se reveste de tamanha gravidade. Pelo quadro probatório emoldurado nos autos, não há como formar juízo seguro quanto ao número de participantes da boca de urna, pois a informação contida na interceptação telefônica, do envolvimento de 15 pessoas, é questionável, já que a informação é proveniente de Solange, contratada para o serviço, tendo ela comentado o número de participantes somente porque o recorrido pretendia lhe pagar quantia menor do que o combinado. Não há qualquer outra prova a respaldar esse número. E o motivo de buscar mensurar tal quantia é o de aferir o alcance da boca de urna junto ao eleitorado.

Nesse cenário, chama atenção o fato de não ter havido qualquer registro policial, tampouco na promotoria local e no cartório eleitoral, o que denota não ter havido grande repercussão.

Reconheço ter ocorrido a conduta ilegal, todavia, ausente a prova de sua robustez, quiçá circunscrita a uma pequena área, havendo dúvida quanto ao impacto causado, se suficiente para romper o equilíbrio entre os concorrente ao pleito, o que afasta a pretensão de cassação do mandato de parlamentar eleito nas urnas.

Trata-se de conduta reprovável, que enseja apuração na esfera penal, mas desprovida de força suficiente na presente AIME.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.