RE - 53655 - Sessão: 05/06/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por LISANDRA SANDRI, candidata ao cargo de vereadora no Município de Carazinho, RS, contra sentença do Juízo da 15ª Zona Eleitoral (fls. 57-58) que desaprovou as contas referentes às eleições municipais de 2012, tendo em vista as irregularidades apontadas no relatório final de exame das fls. 53-54v.: a) informação constante em recibo eleitoral divergente do lançamento do Demonstrativo de Recursos Arrecadados; b) despesas pagas em espécie sem registro na tela de fundo de caixa; c) divergências entre a movimentação financeira detalhada no extrato eletrônico e os gastos declarados pela candidata; d) despesas realizadas com combustíveis sem o correspondente registro de locações, cessões de veículos ou despesa com transporte e deslocamento; e) utilização irregular de recursos estimáveis em dinheiro provenientes de terceiros.

A candidata recorreu da decisão (fl. 60), argumentando em suas razões recursais (fls. 61-65) que as despesas de combustíveis decorreram da utilização de dois veículos cedidos para a realização da campanha, conforme pretende comprovar com os termos de cessão juntados às fls. 94 e 97.

Aduz, ainda, a recorrente, que os recursos estimáveis em dinheiro arrolados no Demonstrativo de Recursos Arrecadados constituíam, na verdade, doações em espécie, que foram utilizados posteriormente pela candidata para adquirir os materiais discriminados nas notas fiscais acostadas às fls. 103-105 e que as demais irregularidades apontadas são decorrentes de meros erros formais. Acostou nova documentação, incluindo prestação de contas retificadora (fls. 67-106).

Conclui pugnando pela reforma da sentença recorrida, para o fim de aprovar as contas ou, alternativamente, sua aprovação com ressalvas.

Com vista dos autos, o órgão do Ministério Público Eleitoral em atuação junto à 15ª Zona, reiterou o parecer da fl. 56-56v.

Nessa instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso, devendo ser mantida a desaprovação das contas, visto que subsistiram as irregularidades apontadas pelo parecer técnico (fls. 113-116).

É o breve relatório.

 

VOTO

PRELIMINAR

Tempestividade

O recurso é tempestivo. A recorrente foi intimada da decisão de 1º grau em 08-08-2013 (fl. 58, v.), e o recurso interposto em 12-08-2013 (fl. 60), ou seja, dentro dos três dias previstos pelo artigo 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

MÉRITO

Convém ressaltar que a candidata apresentou novos documentos em sede recursal. De acordo com o caput do art. 266 do CE e na linha da reiterada jurisprudência desta Corte, entendo não haver óbice ao conhecimento e análise da documentação.

Feitas essas considerações, passo à análise efetiva das contas.

Primeiramente, ressalto que a divergência entre o lançamento constante no Demonstrativo de Recursos Arrecadados e a movimentação bancária, assim como o lançamento indevido de despesa com material publicitário, caracterizaram erros de natureza formal e foram devidamente corrigidos na prestação retificadora.

Todavia, outras irregularidades são verificadas, as quais retiram a confiabilidade e transparência que devem caracterizar a prestação de contas da campanha eleitoral.

A primeira delas refere-se à não apresentação, pela prestadora, dos extratos definitivos da conta bancária de campanha, circunstância que inviabiliza verificação eficaz acerca da regularidade das contas, prejudicando sua confiabilidade, e contraria o artigo 40, XI e § 8º, da Resolução TSE n. 23.376, que assim dispõe:

Art. 40. A prestação de contas, ainda que não haja movimentação de recursos financeiros ou estimáveis em dinheiro, deverá ser instruída com os seguintes documentos:

(...)

XI – extratos da conta bancária aberta em nome do candidato, do comitê financeiro ou do partido político, nos termos exigidos pelo inciso III do art. 2º desta resolução, demonstrando a movimentação financeira ou a sua ausência;

(...)

§ 8º Os extratos bancários deverão ser entregues em sua forma definitiva, contemplando todo o período de campanha, vedada a apresentação de extratos sem validade legal, adulterados, parciais, ou que omitam qualquer movimentação financeira. (Grifei.)

Compulsando os autos, constata-se que a unidade técnica de exame baseou a análise da movimentação bancária no extrato eletrônico extraído do sistema de prestação de contas da própria Justiça Eleitoral (fl. 50). Essa informação, porém, não supre a ausência dos extratos definitivos exigidos pela legislação reguladora da matéria, não se mostrando confiável para indicar, de forma segura, a integral movimentação financeira e, com isso, viabilizar a análise das contas.

Assim, entendo que a inexistência de extratos bancários constitui falha insanável que compromete a regularidade das contas e enseja a sua desaprovação, pois impede a fiscalização segura e confiável das operações realizadas na campanha eleitoral.

Além disso, da análise dos Relatórios de Despesas Efetuadas acostados às fls. 12/15 e 76/80, constata-se que, contrariando o que estabelece a legislação reguladora da matéria, a recorrente pagou em moeda todas as despesas de campanha, sem que tenha sido constituído fundo de caixa. Ressalta-se, por oportuno, que algumas despesas excedem o limite de R$ 300,00 (trezentos reais) fixado pela norma legal.

A Resolução TSE nº 23.376/2012 estabelece no seu art. 30 a obrigatoriedade do uso de cheques nominais ou transferência bancária para as operações financeiras da campanha, excepcionando despesas de pequeno valor, as quais poderiam ser pagas em dinheiro, conforme segue:

Art. 30 São gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados ( Lei nº 9.504/97, art. 26):

(...)

§ 1º Os gastos eleitorais de natureza financeira só poderão ser efetuados por meio de cheque nominal ou transferência bancária, ressalvadas as despesas de pequeno valor previstas nos §§ 2º e 3º.

§ 2º Para o pagamento de despesas de pequeno valor, poderão o candidato, o comitê financeiro e o partido político constituir reserva individual rotativa em dinheiro (Fundo de Caixa), por todo o período da campanha eleitoral, observado o trânsito prévio desses recursos na conta bancária específica, devendo ser mantida a documentação correspondente para fins de fiscalização, e respeitados os seguintes critérios:

(...)

b) nos Municípios com mais de 40.000 (quarenta mil) até 100.000 (cem mil) eleitores o montante da reserva deverá ser de até R$ 10.000,00 (dez mil reais);

(...)

§ 3º Consideram-se de pequeno valor as despesas individuais que não ultrapassem o limite de R$ 300,00 (trezentos reais). (grifei)

Dessa forma, considerando a não observação dos preceitos do dispositivo acima transcrito, não podem os gastos sob análise ser incluídos na excepcionalidade estabelecida na disposição normativa.

Ainda, o extrato eletrônico da fl. 50 revela que foram realizados saques em dinheiro em valores divergentes daqueles constantes das peças “Relatório de Despesas Efetuadas” (fls.12/15e76/80), indicando que houve movimentação irregular de recursos durante a campanha da recorrente.

Outro ponto que requer atenção diz respeito às despesas com combustíveis. Analisando-se os demonstrativos contábeis concernentes à primeira prestação de contas apresentada pela candidata, verifica-se o registro de despesas com combustíveis, no valor de R$ 333,65 (trezentos e trinta e três reais e sessenta e cinco centavos), sem, contudo, qualquer informação quanto à existência de cessão ou doação de veículos. Após, juntamente com suas razões de recurso, a recorrente trouxe prestação de contas retificadora, na qual o valor da referida despesa foi alterado para R$ 805,96 (oitocentos e cinco reais e noventa e seis centavos). Alega a prestadora que os referidos gastos decorreram da utilização de dois veículos doados para a campanha, um deles próprio. Acostou termos de cessão e documentos de registro dos veículos (fls. 94 e 96/98).

Contudo, em nenhuma das prestações apresentadas houve a contabilização dos referidos recursos estimados. Além disso, observa-se que houve total omissão quanto à emissão dos correspondentes recibos eleitorais. Conforme exigência do art. 2º, IV, da Res. TSE nº 23.376/12, toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, só poderá ser efetivada mediante a emissão do correspondente recibo eleitoral.

Art. 2º A arrecadação de recursos de qualquer natureza e a realização de gastos de campanha por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros deverão observar os seguintes requisitos:
I - requerimento do registro de candidatura ou do comitê financeiro;
II - inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ);
III - comprovação da abertura de conta bancária específica destinada a registrar a movimentação financeira de campanha;
IV - emissão de recibos eleitorais.

(Grifei).

Nesse sentido, transcrevo jurisprudência do TSE:

Prestação de contas. Recibo eleitoral.

1. Conforme reiterada jurisprudência desta Corte, a ausência de recibos eleitorais na prestação de contas compromete a regularidade destas e, portanto, enseja a sua desaprovação.

2. Para rever a conclusão da Corte de origem - de que foi realizada doação sem a devida emissão de recibo eleitoral, tendo em vista que este somente foi expedido após a análise das contas -, seria necessário o reexame de fatos e provas, vedado em sede de recurso especial, a teor da Súmula nº 279 do Supremo Tribunal Federal.

3. Agravo regimental não provido.

(Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 646952, Acórdão de 18/09/2012, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 196, Data 09/10/2012, Página 19 )

De consignar, ainda, que apenas os bens integrantes do patrimônio do candidato antes do pedido de registro de candidatura podem ser objeto de doação para a própria campanha. É o que estabelece o caput do art. 23 da Res. TSE nº 23.376/12, verbis:

Art. 23 São considerados bens estimáveis em dinheiro fornecidos pelo próprio candidato apenas aqueles integrantes do seu patrimônio em período anterior ao pedido de registro da candidatura. 

Tal condição não foi comprovada pela prestadora, uma vez que o Comprovante de Registro e Licenciamento juntado à fl. 98 corresponde ao exercício 2013, tendo sido expedido em 26 de fevereiro daquele ano, não havendo nos autos qualquer outro documento que permita concluir-se que o veículo em questão já integrasse o patrimônio da prestadora à época do registro de sua candidatura.

Por derradeiro, veja-se que os gastos com combustíveis são significativos posto que representam mais de 25% do total das despesas efetuadas.

Quanto ao apontamento de utilização irregular de recursos estimáveis em dinheiro, pouco resta a referir, uma vez que a própria recorrente declara em suas razões de recurso que, apesar de terem sido lançados como bens/serviços estimáveis em dinheiro, na verdade, os valores em questão foram recebidos em espécie.

Todas essas irregularidades, somadas, prejudicam a confiabilidade das contas. As regras estabelecidas na legislação eleitoral, especialmente no que concerne às arrecadações e gastos de campanha, buscam imprimir transparência às contas dos candidatos e partidos. No caso concreto, as irregulares verificadas (utilização irregular de recursos em espécie, ausência dos extratos bancários definitivos e de parte dos recibos eleitorais e não contabilização de receitas) são de natureza grave e comprometem a possibilidade de verificação segura, pela Justiça Eleitoral, das operações financeiras.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso interposto, mantendo a sentença de 1º grau, no sentido de desaprovar as contas de LISANDRA SANDRI, relativas às eleições municipais de 2012, com fulcro no art. 30, III, da Lei nº 9.504/97.