RE - 76677 - Sessão: 03/06/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso eleitoral interposto por JOÃO MARIA RODRIGUES contra sentença do Juízo da 54ª Zona Eleitoral - Soledade, que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo - AIME, proposta em desfavor de JUAREZ DOS SANTOS KNOPF, CASSIANO SANT ANA OLIVEIRA, JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS, ELMAR ANTUNES AGUIRRE, JUAREZ GUERREIRO ROCHEMBACK e GENEIR TADEU MARQUES RODRIGUES, por entender não caracterizadas as imputações da peça exordial, pela qual se sustentou que 3 (três) mulheres que integraram a lista de candidatos do PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO - PSB de Soledade ao legislativo municipal, o fizeram em fraude à legislação, pois não teriam participado, de fato, da campanha.

Em suas razões (fls. 214-224), o recorrente alega que na instrução da presente AIME restou amplamente configurada a FRAUDE ELEITORAL, ante a utilização de “falsas candidatas” apenas para preencher o mínimo legal exigido pelo art. 10, § 3º da Lei n. 9.504/97 – reserva de gênero –, eis que as candidatas que apresentavam votação “zero” apenas constaram na nominata “formalmente”, burlando a vontade do legislador e viciando a totalidade da nominata do PSB de Soledade. Requer o provimento do recurso, julgando-se procedente a ação.

As contrarrazões vieram com preliminares de mérito (fls. 226-237). Após, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso (fls. 244-247).

É o relatório.

VOTO

Preliminares

Da tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Da ilegitimidade ativa do recorrente

Os recorridos aventam a preliminar de ilegitimidade ativa diante da constatação de que o autor já não era mais candidato no momento em que interpôs a presente ação, o que estaria em desacordo com o art. 22 da Lei Complementar n. 64/90, a qual elenca os legitimados para propor a AIME.

A preliminar não procede.

É pacífico que o candidato, ainda que após a data do pleito, possui capacidade processual para intentar a AIME.

José Jairo Gomes assim posiciona-se sobre o tema:

Não é preciso que o candidato tenha logrado êxito nas urnas. Ainda que derrotado, ostenta legitimidade e interesse em ajuizar a ação em tela. Tampouco é necessário que tenha disputado a mesma eleição do impugnado. Se houvesse essa exigência, além do Ministério Público, somente os suplentes (nas eleições proporcionais) e o segundo colocado (nas eleições majoritárias) teriam interesse jurídico em ingressar com a ação em apreço. Ora, tal restrição é inadmissível, sobretudo porque todos os candidatos têm interesse na lisura do pleito. O que se encontra em jogo é o interesse público atinente à higidez das eleições, o que aconselha a ampliação da legitimidade ativa e não sua redução.” (GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 6. ed. – São Paulo : Atlas, 2011, p. 543-544).

No mesmo sentido é a lição de Rodrigo López Zilio:

O candidato, ainda que não eleito, pode manusear a AIME, até mesmo em face do interesse difuso da coletividade em não reconhecer como representante quem obteve o mandato eivado de irregularidade.” (ZILIO, Rodrigo López. Direito Eleitoral. 3. ed. – Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012, p. 482).

Afasto a prefacial.

Da Preliminar de ilegitimidade passiva dos réus

Os recorridos argumentam serem ilegítimos para compor o polo passivo da demanda. Trazem, também, razões para entender que o PSB de Soledade deveria ter sido chamado ao feito, em litisconsórcio passivo necessário.

Argumentam que quem requer ao Juiz Eleitoral o registro das candidaturas é o partido político, e indicam que o mandato eletivo, conforme jurisprudência do TSE, pertence às agremiações partidárias.

Todavia, não se está a discutir, no presente feito, quaisquer dessas questões.

O objeto da presente ação, bem dito, é a possibilidade de fraude na eleição, pois a AIME visa a desconstituir relação que dá suporte ao mandato eletivo. Nessa linha, há que se concordar que a presença do PSB de Soledade no polo passivo da presente demanda poderia até ser salutar, mas ela não é, de forma alguma, imprescindível.

Não se está a tratar, ainda, de qualquer aspecto do exercício de mandato ou do cargo eletivo em si, o que poderia atrair a necessidade de presença do partido político (casos de infidelidade partidária, por exemplo). Repito: muito embora a ação vise a desconstituir as diplomações realizadas, elas não dizem respeito ao exercício do cargo propriamente dito.

Nessa linha, a lição de Zilio (Direito Eleitoral, 2012, p. 482/484):

É legitimado passivo para a AIME o candidato diplomado, ainda que suplente (TSE – Agravo de Instrumento n. 1.130 – Rel. Eduardo de Oliveira – j. 15.12.1998).

(…)

Nas eleições proporcionais, em que a eleição é determinada pelo quociente eleitoral e partidário, o partido pode ingressar na ação como assistente, e não como litisconsorte passivo necessário. A um, porque na AIME não se veicula pedido de nulidade de voto, que é efeito secundário da sentença de procedência. A dois, pela aplicação do art. 175 § 4°, do CE, que determina que quando a declaração de inelegibilidade ou cancelamento do registro for proferida após a realização da eleição – que é, sempre, a hipótese da AIME, cujo ajuizamento não prescinde de diplomação -, os votos serão computados para o partido pelo qual o candidato tiver concorrido.

É de ser afastada a preliminar.

Da preliminar de impossibilidade jurídica do pedido

Conforme os recorridos, a presente AIME seria via inadequada para trazer ao Poder Judiciário o caso dos autos, pois a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo seria espécie processual destinada a apurar e punir eventuais fraudes no dia da eleição. Os recorridos aduzem que o caso dos autos não se encaixaria na hipótese legal – em outras palavras, a fraude não teria ocorrido no dia da eleição e, portanto, incabível a propositura de AIME.

Veja-se, sobre o tema posto, a lição de ZILIO (Direito Eleitoral, 2012, p. 476), grifos meus. O autor tece uma série de considerações, as quais adoto como razões de decidir, haja vista defenderem elas uma forma de preservar, de maneira mais ampla, o bem jurídico tutelado pela AIME:

Tem prevalecido entendimento que a fraude a ser apurada em AIME diz respeito ao processo de votação. No entanto, essa restrição conceitual induz a uma ineficácia na proteção ao bem jurídico tutelado (legitimidade e normalidade do pleito). Com efeito, a fraude, para fins de AIME, abrange toda e qualquer fase relacionada ao processo eleitoral, desde que tenha como resultado a interferência na manifestação de vontade do eleitorado, com reflexos na apuração dos votos. Portanto, a fraude deve incidir sobre a eleição em si, e não sobre determinados votos isolados. Não importa exatamente o momento do processo eleitoral em que ocorreu a fraude, sendo fundamental apurar se o ilícito cometido apresentou reflexos na votação ou apuração dos votos – justamente porque a consequência do ilícito se sobrepõe ao momento em que foi praticado. Neste norte, o TSE decidiu que “a fraude eleitoral a ser apurada na ação de impugnação de mandato eletivo não se deve restringir àquela sucedida no exato momento da votação ou da apuração dos votos, podendo-se configurar, também, por qualquer artifício ou ardil que induza ao eleitor em erro, com a possibilidade de influenciar sua vontade no momento do voto, favorecendo candidato ou prejudicando seu adversário” (Agravo de Instrumento n. 4661 -Rel. Fernando Neves – j. 15.06.2004).

Afasto também esta preliminar.

Da preliminar de interposição da AIME fora do prazo legal

Desejam os recorridos que o prazo de contagem para a interposição da AIME fosse contado da emenda à inicial, que redirecionou a ação apenas aos vereadores eleitos e diplomados, e não de seu ajuizamento originário, que admitem ter sido tempestivo. A emenda a inicial seria intempestiva.

Ocorre que a emenda à inicial não desconstrói o ajuizamento; trata-se, de fato, de uma emenda. Os prazos legais para interposição da AIME visam, sobremodo, a garantir estabilização social, no caso, do panorama político eleitoral de Soledade.

Além, a emenda não modificou substancialmente a demanda. Nessa linha, não houve “exercício parcial de ação”, como desejam fazer crer os recorridos, mas sim apenas um arremate, uma pequena correção, aliás restritiva em relação aos participantes do polo passivo da presente ação.

Afasto, também, a presente prefacial.

Da preliminar de juntada intempestiva dos documentos.

Entendem os recorridos ter havido desobediência à ordem processual, eis que juntados documentos na fase de memoriais.

E, de fato, a parte recorrente juntou documentos, além das manifestações que pretendia ressalvar.

Contudo, observo que sobreveio sentença que não se manifestou sobre os documentos juntados após a instrução. Não se observa qualquer prejuízo, no ponto, aos recorridos. Adianto que no presente voto os documentos também não serão considerados.

Afasto também esta preliminar, pela inexistência de prejuízo aos recorridos, de modo que restam afastadas todas as preliminares.

Mérito

Antes de adentrar no mérito propriamente dito, cumpre proceder a um breve histórico acerca da legislação eleitoral sobre a reserva de gênero:

O art. 10, § 3º, da Lei n. 9.504/97, após redação dada pela Lei 12.034/09, dispôs o seguinte:

Art. 10. Cada partido poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, Câmara Legislativa, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais, até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher.

§ 3º - Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

O texto anterior estabelecia:

§ 3º - Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido político ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.

Por meio da redação anterior, firmou-se o entendimento de que a dicção legal assegurava “o direito de reservar determinado percentual da vagas para ambos os sexos, porém, em momento algum, estabelece que se trata de uma obrigatoriedade” (TRE/RS, Classe 15, n. 382000, Rel. Dr. Érgio Roque Menine. Julg. 16.8.2000), de forma que se impunha apenas o não preenchimento das vagas destinadas a determinado gênero, com candidatura de outro, ainda que inexistentes candidatos.

Com a atual redação, a compulsoriedade é manifesta, pois a lei determina que o partido/coligação “preencherá”, não restando lacuna para o entendimento de que basta a simples reserva.

Chamado a interpretar a alteração legislativa, o TSE foi firme em fixar entendimento de que a norma é cogente e obrigatória, conforme pode ser constatado pelas seguintes ementas:

Recurso Especial Eleitoral nº 78432 - /PA, Relator: Min. Arnaldo Versiani Julgamento: 12.08.2010

Ementa: Candidatos para as eleições proporcionais. Preenchimento de vagas de acordo com os percentuais mínimo e máximo de cada sexo.

1. O § 3º do art. 10 da Lei nº 9.504/97, na redação dada pela Lei nº 12.034/2009, passou a dispor que, "do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo", substituindo, portanto, a locução anterior "deverá reservar" por "preencherá", a demonstrar o atual caráter imperativo do preceito quanto à observância obrigatória dos percentuais mínimo e máximo de cada sexo.

2. O cálculo dos percentuais deverá considerar o número de candidatos efetivamente lançados pelo partido ou coligação, não se levando em conta os limites estabelecidos no art. 10, caput e § 1º, da Lei nº 9.504/97.

3. Não atendidos os respectivos percentuais, cumpre determinar o retorno dos autos ao Tribunal Regional Eleitoral, a fim de que, após a devida intimação do partido, se proceda ao ajuste e regularização na forma da lei. Recurso especial provido. (grifei)

Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 84672 – PA, Relator: Min. Marcelo Ribeiro Julgamento: 09.09.2010.

Ementa: AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2010. REGISTRO DE CANDIDATOS. DRAP. DEPUTADO ESTADUAL. PERCENTUAIS PARA CANDIDATURA DE CADA SEXO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 10, § 3º, DA LEI DAS ELEIÇÕES. CARÁTER IMPERATIVO DO PRECEITO. DESPROVIDO. 1. Esta Corte Superior, diante da nova redação do art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, decidiu pela obrigatoriedade do atendimento aos percentuais ali previstos, os quais têm por base de cálculo o número de candidatos efetivamente lançados pelos partidos e coligações.

2. Agravo regimental desprovido. (Grifei.)

Tal alteração legislativa, levada a efeito pela Lei n. 12.034/09, objetivou a inclusão da mulher na participação do processo eleitoral. Tratou-se de implementar a igualdade material de gêneros prevista constitucionalmente.

Feitas essas considerações, tenho que o caso sob análise cinge-se a verificar se há amparo legal à pretensão recursal do autor, consistente na alegação de que o PSB de Soledade teria cometido fraude nas eleições municipais de 2012.

Mais especificamente, se está a julgar a eventual ocorrência do uso de “laranjas” para atingir o mínimo legal de postulantes da classe feminina ao legislativo municipal – a agremiação teria inscrito três candidatas mulheres apenas com o fim de preencher o número mínimo de vagas destinadas a cada gênero, estabelecido no art. 10, § 3°, da Lei 9.504/97. Para embasar suas alegações, o representante assevera que a fraude estaria configurada pelo fato de as candidatas não terem obtido nenhum voto na eleição, bem como pela constatação de que haveria propaganda eleitoral de outro candidato a vereador na casa de uma delas.

Em primeiro grau, a intenção do autor foi afastada sob o fundamento de que o conjunto probatório mostrou-se insuficiente a ensejar um juízo de procedência da ação.

Pois bem.

A AIME, prevista no art. 14, § 10, da Constituição Federal, tem por objetivo a desconstituição do mandato eletivo, e prevê as seguintes hipóteses de cabimento: fraude, corrupção ou abuso do poder econômico.

No que se refere à hipótese de fraude, a jurisprudência do TSE tem entendido que a fraude apta a ensejar o ajuizamento da referida ação é aquela ocorrida no processo eleitoral, e que gere reflexos na votação, com potencialidade de interferir no resultado do pleito (TSE - Ac. n. 3.009, de 9.10.2001, Rel. Min. Fernando Neves).

Não é o que vejo consolidado no caso sob análise.

Penso que o fato de as candidatas não terem obtido votos, ou de uma delas ter propaganda de outro candidato afixada em sua residência, não caracteriza por si só a fraude ao processo eleitoral.

Em primeiro lugar, são vários os candidatos com baixíssimo número de adesões, e desse fato não se pode concluir, por dedução, sem prévia e exaustiva investigação, por irregularidade.

Mormente se da conclusão sobressair algum tipo de sanção.

A título de exemplo, destaco, dentre as diversas situações que encontrei, o resultado das eleições de 2012 nos municípios de Alpestre e Pelotas. Em Alpestre, cidade com 6.449 eleitores, houve seis candidatos com adesões inferiores a dez votos, dois com votação zerada, sendo um deles homem. No município de Pelotas, com eleitorado formado por 250.790 pessoas, houve trinta e quatro candidatos com resultados inferiores a dez votos, sendo onze com votação zerada, dentre os quais três indivíduos do sexo masculino. São, portanto, diversas as situações que guardam semelhança com o caso dos autos, não se podendo concluir, todavia, pela configuração de fraude ou burla à lei eleitoral.

Ainda, o fato de haver propaganda política de outro candidato na casa de uma das candidatas tidas como “laranja”, não pode ser considerado como fator determinante para a conclusão pela fraude. Ora, em temas como política, religião e esporte, é bastante comum que pessoas da mesma família, habitando o mesmo lar, tenham posições diversas – e aliás é salutar que assim seja. Repito, a circunstância não pode ser determinante, mesmo somada ao resultado de “voto zero” das urnas.

Ademais, não encontro na legislação qualquer sanção para o virtual descumprimento da louvável política afirmativa em discussão. Assim, não há amparo em dispositivo legal para a cassação dos diplomas de todos os demais candidatos do partido acionado, tal como postula o recorrente, sob pena de responsabilização objetiva não prevista em lei.

Note-se que as quotas de gênero estão efetivamente inseridas no debate constitucional das políticas afirmativas. Mas o que aqui se discute é tão somente o desdobramento de tal política na seara eleitoral a qual resta, talvez, sujeita à incompletude, porquanto, ainda que tal fraude houvesse sido detectada, seria destituída de desdobramentos no balanço eleitoral. Não teria retirado qualquer paridade de armas, ou legitimidade dos eleitos. Alinho-me, portanto, ao que o TSE decidiu recentemente em Recurso Especial com origem no Rio Grande do Sul:

Representação. Eleição proporcional. Percentuais legais por sexo. Alegação. Descumprimento posterior. Renúncia de candidatas do sexo feminino.

1. Os percentuais de gênero previstos no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.504/97 devem ser observados tanto no momento do registro da candidatura, quanto em eventual preenchimento de vagas remanescentes ou na substituição de candidatos, conforme previsto no § 6º do art. 20 da Res.-TSE nº 23.373.

2. Se, no momento da formalização das renúncias por candidatas, já tinha sido ultrapassado o prazo para substituição das candidaturas, previsto no art. 13, § 3º, da Lei nº 9.504/97, não pode o partido ser penalizado, considerando, em especial, que não havia possibilidade jurídica de serem apresentadas substitutas, de modo a readequar os percentuais legais de gênero.

Recurso especial não provido.

(Recurso Especial Eleitoral nº 21498, Acórdão de 23/05/2013, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 117, Data 24/6/2013, Página 56 )

Colho do voto exarado pelo ministro Henrique Alves da Silva, acolhido por unanimidade por seus pares, parte de seu raciocínio:

No presente caso, considerado pelo acórdão regional que a recorrida respeitou os limites legais de gênero no momento inicial dos registros de candidatura, não vejo como sustentar a alegada infração ao art. 10, § 3 0, da Lei n° 9.504/95, uma vez que as vagas foram efetivamente preenchidas.

Isso porque o dispositivo em comento, como já dito, tem o escopo de permitir o acesso às candidaturas de acordo com os limites previstos para cada sexo. Tal garantia deve ser respeitada tanto no preenchimento das vagas inicialmente requeridas quanto no das remanescentes.

Porém, depois que os partidos políticos e coligações escolhem seus candidatos e os apresentam à Justiça Eleitoral, o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa é atingido. E as agremiações, ressalvada a hipótese de expulsão dos quadros partidários, não detêm o poder de cancelar as candidaturas registradas.

(…)

Em suma, o objetivo da política pública de incentivo à participação igualitária de candidaturas foi respeitado pela coligação no momento próprio. O ato de renúncia é unilateral, pessoal e independe da vontade das agremiações; E, por fim, quando ocorreram as desistências das candidaturas, não havia possibilidade jurídica de serem apresentadas substitutas.

No mesmo sentido, destaco ementa do bem lançado voto da lavra do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, membro efetivo desta Corte:

Recurso. Conduta vedada. Reserva legal de gênero. Art. 10, § 3º, da Lei n. 9504/97. Vereador. Eleições 2012.

Representação julgada improcedente no juízo de origem.

Obrigatoriedade manifesta em alteração legislativa efetivada pela Lei n. 12.034/09, objetivando a inclusão feminina na participação do processo eleitoral.

Respeitados, in casu, os limites legais de gênero quando do momento do registro de candidatura. Atingido o bem jurídico tutelado pela ação afirmativa.

O fato de as candidatas não terem propaganda divulgada ou terem alcançado pequena quantidade de votos, por si só não caracteriza burla ou fraude à norma de regência. A essência da regra de política pública se limita ao momento do registro da candidatura, sendo impossível controlar fatos que lhe são posteriores ou sujeitos a variações não controláveis por esta Justiça Especializada.

Provimento negado.

(TRE/RS, RE 417-43, Rel. Luis Felipe Paim Fernandes, Sessão de 07/11/2013).

Ainda, por oportuno, transcrevo excerto das razões do referido voto exarado no RE 417-43, haja vista a similitude com o caso ora analisado:

É cediço que, quando do registro de candidatura, as candidatas submeteram seus nomes. Pelo conjunto probatório coligido aos autos transparece que não desenvolveram atos de campanha. Entretanto, a configuração de ilicitude não decorre de dedução ou presunção. Sabe-se que muitos candidatos desistem, efetivamente, de suas posições. A submissão de candidatura é também ato unilateral fundado na declaração de vontade humana. Não há qualquer regra que impeça a reversão dessa declaração ou que imponha o status de candidato do início ao fim do pleito eleitoral. O critério da legalidade, oriundo de matriz constitucional, poderia suprimir a liberdade inerente aos pleiteantes aos mandatos eletivos, mas não o faz, e onde a Constituição silencia, não pode o intérprete restringir.

Sabe-se, ainda, que o embate político busca, muitas vezes, a satisfação de seus apetites na própria Justiça Eleitoral. Dessa maneira, é frequente que os pedidos não se revoltem quanto a efetivas ilegalidades, mas apenas quanto à situações políticas desfavoráveis. A efetiva realização de justiça determinaria que todas as candidaturas, de todos os partidos, fossem auditadas após o pleito, para verificar quais, em realidade, cumpriram a reserva de gênero, sob pena de se respaldar pedido de quem também não tenha observado a regra a qual quer emprestar maior amplitude.

Aliás, qual a essência da regra discutida? Penso que ela se limita ao registro, sendo impossível apurar fatos que lhe são posteriores e estão sujeitos à inúmeras variações não controláveis por essa Justiça Especializada.

(...)

Sublinho a importância vital da participação de cada gênero na comunidade política. Mulheres e homens devem possuir reais chances de realizar-se e desenvolver-se politicamente. Tal missão está confiada aos partidos políticos e a diversas instâncias da sociedade civil, senhora dos seus próprios destinos e das conformações que desejar adotar.”

Portanto, por entender que as razões trazidas pelo autor não constituem prova suficientemente sólida da ocorrência de fraude ao processo eleitoral, a qual teria a capacidade de ensejar a cassação do mandato dos eleitos, é de ser mantida a decisão que julgou improcedente a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo ora em exame. Muito embora as circunstâncias havidas não sejam as desejáveis para a concretização de tão importante política afirmativa, fato é que não se pode concluir, por dedução e com base em circunstâncias, pela ocorrência de fraude.

Diante de todo o exposto, VOTO para afastar as preliminares e, no mérito, pelo desprovimento do recurso.