RE - 46589 - Sessão: 01/04/2014 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL em face da decisão do Juízo da 100ª Zona Eleitoral, que julgou improcedente ação de impugnação de mandato eletivo movida contra SEGER LUIZ MENEGAZ e GILBERTO OLIBONI, candidatos a prefeito e vice nas eleições de 2012, eleitos no Município de Tapejara.

O Ministério Público apresentou recurso (fls. 5.893-5.900), no qual insurge-se contra a sentença (fls. 5.874-5.889), reiterando que os demandados desrespeitaram a regularidade do processo eleitoral, interferindo ilicitamente no pleito. Alega que houve significativa entrega de materiais de construção a famílias “não exatamente carentes”, nas semanas que antecederam o pleito, o que teria configurado abuso de poder político e econômico, com consequente desequilíbrio no resultado das eleições. Reitera que a referida distribuição de materiais de construção não se enquadraria nas exceções legais, eis que o Tribunal de Contas teria apontado irregularidades nas doações. Ao final, requer a procedência do recurso, para que seja reconhecida a prática de abuso de poder pelos demandados, bem como para que sejam desconstituídos seus mandatos, com a convocação de novas eleições no Município de Tapejara.

Após regular instrução, a magistrada de 1º grau concluiu pela improcedência da ação de impugnação de mandato eletivo, ao entendimento de que para cassar um mandato eletivo a prova deve se constituir da robustez necessária para derrubar a vontade do eleitor manifestada nas urnas. A compra de votos, com interferência na liberdade de voto, não restou comprovada nos autos. É pressuposto do Estado Democrático de Direito respeitar a vontade popular manifestada nas urnas, somente podendo inobservá-la quando, por prova robusta e idônea, restar comprovado, sem qualquer sombra de dúvidas, que o candidato abusou do poder econômico, praticou fraude ou corrupção para chegar onde chegou e para obter a votação que obteve. Por fim, não há prova nos autos de que a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, no ano de 2012, não estivesse prevista em programas sociais já autorizados ou em execução orçamentária no exercício anterior, conforme artigo 73, § 10, da Lei n. 9.504/97.

Em contrarrazões, os recorridos SEGER LUIZ MENEGAZ e GILBERTO OLIBONI arguiram a decadência do direito, a falta de condições da ação (interesse e possibilidade jurídica) e, fundamentalmente, pediram seja negado provimento ao recurso do Ministério Público, uma vez que a prova invocada não seria suficiente para a reforma da decisão (fls. 5.907-5.932).

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opinou pelo desprovimento do recurso e consequente manutenção da sentença (fls. 5.939-5.947v.).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recorrente foi intimado da sentença em 17.04.2013, uma quarta-feira (fl. 5.892), e a irresignação foi protocolada em 19/03/2013 (fl. 5.893) - dentro do prazo de três dias previsto no art. 258 do Código Eleitoral. O recurso, portanto, é tempestivo e, presentes os demais requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido.

2. Prefaciais

Decadência

Os apelados postulam o reconhecimento da decadência. Alegam que não teria sido observado o prazo de 15 dias para o ajuizamento da ação, pois entendem que na contagem do prazo não se aplica a disciplina do dispositivo do art. 184 do Código de Processo Civil, em face do direito material de exercício de ação.

Sem razão os recorridos, pois a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral já se firmou no sentido de que o prazo para ajuizamento da AIME, apesar de ser considerado decadencial, prorroga-se para o primeiro dia útil seguinte se o termo final cair em feriado ou dia em que não haja expediente normal na Justiça Eleitoral.

Nesse sentido, destaco decisão da lavra do ministro Arnaldo Versiani:

Ação de impugnação de mandato eletivo. Contagem. Prazo. Recesso forense.

1. O prazo para ajuizamento de ação de impugnação de mandato eletivo é de natureza decadencial, razão pela qual não se interrompe nem se suspende durante o período de recesso forense.

2. No que tange ao termo final do referido prazo, caso haja funcionamento do cartório em regime de plantão, deve-se aplicar o art. 184, § 10, inciso II, do Código de Processo Civil, prorrogando-se o termo final da AIME para o primeiro dia útil subsequente ao término do recesso.

Agravo regimental desprovido. (TSE. Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 7734466, relator Min. Arnaldo Versiani, DJE de 02.08.2010.)

No caso em tela, a diplomação ocorreu no dia 1º.12.2012, sendo que o termo final do prazo foi no dia 16.12.2012, quinze dias após, conforme disposto no art. 14, § 10, da Constituição Federal. Como a ação foi proposta no próprio dia 16, não há falar em decadência.

Falta das condições da ação

Postulam os requeridos, com esta prefacial, a extinção do processo sem julgamento de mérito, a teor do que dispõe o art. 267, inc. VI, do Código de Processo Civil. Aduzem que, no caso dos autos, a discussão deveria ficar restrita, exclusivamente, ao abuso do poder econômico, corrupção ou fraude, sendo que o Ministério Público teria ampliado a demanda ao referir-se ao abuso de autoridade. Desta forma, a pretensão restaria inviabilizada, pela impossibilidade jurídica do pedido ou pela falta de interesse processual.

Entendo que a prefacial não merece ser acolhida.

Com efeito, sabe-se que a ação impugnatória visa à impugnação do mandato eletivo do candidato eleito e diplomado que utilizou de meios escusos para o alcance desse mandato.

É o que se extrai do art. 14, § 10, da Constituição Federal:

§ 10. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Assim, a causa de pedir na ação que visa à impugnação do mandato eletivo consubstancia-se na ocorrência de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

Nesse ponto, adoto, como razões de decidir, trecho da bem lançada sentença da magistrada da 100ª Zona Eleitoral, que bem enfrentou a mesma alegação em primeiro grau:

Sobre o ponto, esclarecedores os ensinamentos de Rodrigo López Zilio em sua obra 'Direito Eleitoral' (2ª Edição, Editora Verbo Jurídico), os quais tomo a liberdade de transcrever:

O legislador constituinte prevê, ainda, a possibilidade de manuseio da ação de impugnação de mandato eletivo em caso de “abuso de poder econômico”. Não foi feliz, para dizer o mínimo, a adjetivação do abuso de poder efetuada pelo constituinte. Com efeito, ao estabelecer que o abuso de poder deve ser econômico, para fins de impugnação de mandato eletivo, o legislador deixou margem à diversas interpretações sobre a qual a forma de abuso de poder é possível ser apurada na ação constitucional eleitoral. Para a corrente restritiva, capitaneada na doutrina de TÁVORA NIESS, somente cabe ação de impugnação de mandato eletivo em face de abuso de poder econômico. Pela corrente ampliativa, defendida por ÉDSON RESENDE DE CASTRO e DJALMA PINTO, embora a nomenclatura constitucional, cabe ação de impugnação de mandato eletivo com base em qualquer ato de abuso de poder – seja na forma de abuso de poder político, de autoridade, econômico ou, mesmo, uso indevido dos meios de comunicação social. Existe, ainda, uma corrente intermediária que aduz o cabimento da ação de impugnação de mandato eletivo também em caso de abuso de poder político, mas somente quando este abuso puder ser enquadrado como corrupção ou fraude. Embora certa oscilação da Corte Superior, pendendo ora pela interpretação extensiva ora pela restritiva, atualmente tem prevalecido a corrente intermediária do conceito de abuso de poder para fins de AIME. Com efeito, tem assentado o TSE que “se o abuso de poder político consistir em conduta configuradora de abuso de poder econômico ou corrupção (entendida esse no sentido coloquial e não tecnicamente penal), é possível o manejo dação de impugnação de mandato eletivo” (Recurso Especial Eleitoral nº 28.040 – Rel. Carlos Ayres Brito – j. 22.04.2008).

Sem embargo da judiciosidade do entendimento defendido pelo TSE, conclui-se que a melhor exegese da norma constitucional aponta para o acolhimento da concepção ampla de abuso de poder para fins de manuseio da ação constitucional-eleitoral. A um, porque todo e qualquer abuso de poder (gênero) importa na ruptura da legalidade do processo eleitoral e necessita repressão. A dois, porque, embora a nomenclatura utilizada no § 10 do art. 14 da Constituição Federal, é evidente que o legislador constituinte estatuiu a sua preocupação em assegurar a “normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do abuso do poder econômico” e, também, em evitar a interferência do “abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta” (art. 14, §9º) e, em uma interpretação sistemática dos §9º e 10º do art. 14, conclui-se que o objetivo é de proteção constitucional contra toda e qualquer forma de abuso, com o fim de evitar a indevida interferência na normalidade do pleito. A três, porque o próprio Código eleitoral já previa, desde antanho, preocupação com toda e qualquer interferência indevida na liberdade de voto ocorrida na esfera eleitoral, estabelecendo cominação de nulidade (art.222) e de coibição e punição dos abusos (art. 237). A quatro, porque o art. 22 da LC nº 64/90 prevê, expressamente, a necessidade de combate a todas as formas de abuso, entre as quais o abuso do poder econômico, político e o uso indevido dos meios de comunicação social como espécies do gênero abuso de poder. A cinco, porque é entendimento sedimentado na doutrina que o abuso de poder genérico – que é combatido na investigação judicial eleitoral, no recurso contra diplomação e na ação de impugnação ao mandato eletivo – atinge todas as subespécies de abuso, até mesmo como forma de dar consecução ao objetivo do legislador.

Ao meu ver, a corrente intermediária é a que melhor reflete a intenção do legislador constituinte. Tem-se como escopo constitucional o combate ao abuso do poder econômico. Quando o abuso de poder político tiver viés econômico ou configurar-se conduta corrupta, cabível é o ajuizamento da ação de impugnação ao mandato eletivo – AIME.

Pois bem.

No caso dos autos, o Ministério Público, em sua inicial, aduz que os requeridos não obstante tenham logrado êxito na eleição de 2012, obtendo o voto da maioria dos eleitores, desrespeitaram a regularidade do processo eleitoral, na medida em que praticaram condutas eivadas de abuso político, de expressivo resultado na ordenação de despesas do município e com relevância patrimonial – direta e por via reflexa – a significativo número de eleitores, ferindo a normalidade do pleito ao consubstanciarem interferência na vontade – ilicitamente obtida – daqueles.

Portanto, evidente que a causa de pedir da presente ação de impugnação de mandato eletivo revela abuso de poder político com dimensão econômica, sendo pertinente o manejo da AIME.

Rejeitadas todas as prefaciais, passo à análise do mérito.

3. Mérito

Examinei com acuidade os pormenores deste processo, e entendo que não há reparo algum a ser feito à bem lançada sentença proferida pela juíza eleitoral de Tapejara.

Destaco da referida decisão, o seguinte trecho (fls. 5878/5878v.):

Necessário delimitar os tópicos da petição inicial.

O Ministério Público Eleitoral expôs que: 1) houve denúncia junto à Procuradoria Regional Eleitoral, em 30.08.2012, informando que a Prefeitura Municipal de Tapejara tem entregado diariamente materiais de construção através da empresa Scariot Materiais de Construção, e tubos e britas através da Secretaria Municipal de Obras para favorecer o atual prefeito candidato a reeleição; 2) a Coligação Tapejara para todos denunciou que inúmeras residências possuíam materiais de construção depositados, os quais teriam sido distribuídos pelo Poder Público Municipal de Tapejara, sendo que em todas as residências existiam também placas, bandeiras ou alguma forma de propaganda eleitoral do Prefeito e então candidato Seger; 3) dados do Tribunal de Contas informam que somente nos últimos quatro bimestres anteriores às eleições as despesas com material de construção junto à Empresa Scariot dobraram em relação ao ano anterior, sem que houvesse qualquer evento climático que justificasse esse aumento de despesa. No ano de 2011 constavam empenhados a Celso Paulo Scariot o valor de R$ 72.386,07, enquanto entre janeiro e setembro de 2012 tal rubrica alcançava R$ 219.801,82, das quais já liquidados R$ 164.588,34; 4) foram ouvidas testemunhas no Ministério Público, quais sejam Jonas Mesavila, Sonia Regina da Silva Nunes, Gessi da Rosa Araújo, Alessandra Marsílio, Rosana Pelissoni e Jair Vargas da Silva; 5) o projeto 1033 – programa de melhorias que autoriza a distribuição dos materiais apresentou irregularidades verificadas pelo Tribunal de Contas “as quais não primaram pela transparência na aplicação dos recursos, prevalecendo o arbítrio do Administrador na distribuição dos citados recursos, e consequentemente, privilégio a certos munícipes”. Ainda que em parte o programa tenha sido ajustada após a auditoria do TCE, o certo é que nesse programa – pela larga discricionariedade administrativa nas concessões dos benefícios – se instalou a oportunidade do abuso político no pleito eleitoral. De um modo geral, segundo o Ministério Público Eleitoral, as famílias beneficiadas não são pessoas em situação de vulnerabilidade, basta ver que a expressiva maioria reside em casa de alvenaria em bom estado, muitas com recente pintura, algumas até com dois pavimentos ; 6) foram ouvidos na Promotoria de Justiça Lucas Elias Vieira e Eloísa Teresinha Monteiro da Silva, os quais confirmaram a entrega de materiais de construção; 7) o aumento significativo de beneficiários do programa habitacional no ano eleitoral é demonstrado em listagem apresentada pela Secretaria Municipal da Habitação, observando-se que do ano de 2011 (185 contemplados) houve um aumento superior a 35% apenas nos três primeiros trimestres do ano (258 contemplados), dos quais 65% foram contemplados nos últimos três meses anteriores ao pleito.

Passo, então, a análise dos fatos, tal como referidos na peça inicial.

A decisão de primeiro grau destaca (fl. 5879):

ALTEMIR ABIDO, ouvido apenas como informante, declarou que tinha informações, por ser construtor, que havia poucas entregas de materiais de construção antes do período eleitoral, e depois se intensificou a entrega. Soube que aparecia material de construção na frente de algumas casas e logo em seguida, no outro dia, aparecia a propaganda dos candidatos representados na frente da residência. Disse que tal prática começou a ficar saliente e chamou a atenção. Relatou que na conversa diária mantida na empresa Scariot Materiais de Construção soube que muito material de construção começou a ser entregue na época do período eleitoral. Que a informação foi repassada por Gilmar Damiani e pelo pessoal da entrega. A informação obtida é que o material já havia sido comprado pelo Município mas ainda não havia sido entregue, e começou a ser no período eleitoral. Soube que o Conselho de Habitação ou não era convidado para decidir sobre os repasses ou não se reunia. A entrega do material é feita com uma nota, tipo orçamento, sendo que a nota fiscal não é retirada no momento da entrega. A informação obtida pelo depoente é de que as despesas foram feitas pela Secretaria da Habitação e seria entregue como auxílio a pessoas carentes. Que o fato foi comunicado exclusivamente ao Ministério Público e não foi deliberado pela Câmara de Vereadores. Obteve informações, dos funcionários da Secretaria de Habitação, de que havia muito material depositado na Secretaria, e que seriam entregues com o veículo da Secretaria, uma camionete amarela. Que foi uma pessoa chamada de “Bogoni” quem lhe passou a informação. Que o estoque da Prefeitura fica na Secretaria de Obras, em um pavilhão de 10 x 15m. De janeiro a julho de 2012 houve redução de compra na empresa Scariot, e que após teria aumentado substancialmente a entrega de material. Em 2011 o Município comprava mercadorias das empresas Colussi e Scariot, assim como em 2012. A Cooperativa Habitacional não participou das reuniões do Conselho de Habitação, pois não foi convocada. O pavilhão da Secretaria de Habitação fica dentro do pátio da Secretaria de Obras.

Quanto à periodicidade das reuniões do Conselho de Habitação do município, as atas juntadas demonstram que as reuniões eram realizadas com frequência. As atas acostadas às fls. 801/820 demonstram que o conselho se reuniu em 13 de fevereiro de 2012, 19 de março de 2012, 20 de abril de 2012, 02 de maio de 2012, 24 de maio de 2012, 29 de maio de 2012, 14 de junho de 2012, 27 de junho de 2012, 07 de agosto de 2012, 24 de agosto de 2012, 05 de setembro de 2012, 23 de outubro de 2012 e 07 de novembro de 2012. Assim, há comprovação da periodicidade das reuniões, as quais tinham por escopo decidir, com base em critérios estabelecidos em lei municipal, quem tinha direito ao recebimento dos materiais de construção.

A alegação do Ministério Público Eleitoral, de que as ações do conselho da habitação estavam direcionadas a comportamento eleitoreiro, não foi foi comprovada. E cabia ao Ministério Público comprovar que as decisões tomadas pelo conselho não observaram o quórum mínimo necessário, no que também não logrou êxito.

Além disso, a Lei Municipal n. 3242/2009 (fls. 575/578) dispôs, em seu art. 1º, sobre a alteração da Lei Municipal n. 2213, a qual estabelece que "independe de aprovação do Conselho Municipal da Habitação a concessão de auxílios para reformas de moradias, de valor não superior a duas vezes o salário mínimo nacional, desde que o beneficiado esteja cadastrado no cadastro único da assistência social do Município".

Portanto, se o valor concedido a título de auxílios não fosse superior a duas vezes o salário mínimo nacional e o beneficiado estivesse registrado no cadastro único da assistência social do município, ele poderia ser concedido mesmo sem a oitiva do conselho da habitação. Bastaria que o requerente se enquadrasse nos critérios previstos no art. 7º da Lei Municipal n. 2213.

Quanto aos dados que o Ministério Público Eleitoral traz aos autos, oriundos do Tribunal de Contas, a informar que somente nos últimos quatro bimestres anteriores às eleições as despesas com material de construção junto à empresa Scariot dobraram em relação ao ano anterior, sem que houvesse qualquer evento climático que justificasse esse aumento de despesa, há que se levar em conta que a média de gastos informada na inicial é equivocada, pois apenas considerou os gastos nos anos de 2011 e 2012 com a empresa Scariot Materiais de Construção. Acontece que a empresa Scariot não foi a ganhadora da licitação para os serviços de auxílio a melhorias habitacionais, tendo sido a empresa Colussi Materiais de Construção a licitada. Dessa forma, a média deveria ter observado os gastos de 2011 também com relação a empresa Colussi, como bem ponderou a decisão de primeiro grau.

Ademais, restou comprovado nos autos que o município adquiriu materiais de construção de outras empresas também, como consta no demonstrativo do Tribunal de Contas do Estado (R$ 33.200,50 à Poletto & Andrade Materiais de Construção; R$ 17.390,00 à Madeireira Marcon Ltda - entre outras).

A questão foi muito bem resumida pelo juízo sentenciante: “Como disse, comparando os pagamentos às duas empresas em 2011 e 2012, tem-se o aumento de R$ 48.840,71. No entanto, comparando os pagamentos totais da Secretaria da Habitação, tem-se o aumento de R$ 12.064,21 comparando 2012 com 2011. A questão relevante, então, é analisar se esses aumentos de gastos da Secretaria da Habitação no ano eleitoral configurou-se abuso do poder político com viés econômico”.

Assim como o juízo de primeiro grau, analisando todo o conjunto probatório, entendo que não ocorreu o abuso de poder.

Sabe-se que o abuso do poder econômico constitui-se quando há a utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos financeiros ou patrimoniais buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando, assim, a normalidade e a legitimidade das eleições. Já o abuso do poder político ocorre nas situações em que o detentor do poder vale-se de sua posição para agir de modo a influenciar o eleitor, em detrimento da liberdade de voto. Caracteriza-se, dessa forma, como ato de autoridade exercido em detrimento do voto.

O conjunto probatório demonstra que todo valor gasto pela secretaria da habitação com as pessoas nominadas na inicial baseou-se em lei municipal e em pareceres emitidos pela assistência social, com aprovação do Conselho da Habitação nos casos em que a lei assim exige.

Desse modo, considerando que há lei municipal autorizando a concessão dos benefícios, não há como concluir que houve abuso do poder político com viés econômico.

Nesse sentido reproduzo o depoimento da assistente social do município:

FABIANE ALBARELLO, devidamente compromissada em juízo, relatou que é assistente social do Município de Tapejara, exercendo cargo de confiança na Secretaria da Habitação. Que em tal secretaria há cadastro socioeconômico para análise dos benefícios postulados. Posteriormente, o cadastro é encaminhado ao Secretário que determina as vistorias e os relatórios sobre a situação dos requerentes. Não há prazo para conclusão do cadastro, tendo em vista o número de pedidos, a demanda sempre foi muito grande. Não soube informar o período das entregas e o número de famílias beneficiadas por mês. Que o parecer é feito por escrito, com a conclusão sobre a viabilidade dos pedidos formulados. Que as técnicas da Assistência Social não acompanham as entregas dos materiais, e que isso era feito por um fiscal. O programa de auxílios está previsto na Lei de Habitação, a qual prevê que se o benefício for de até dois salários mínimos o Secretário não precisa levar à apreciação do Conselho Municipal de Habitação.

Também muito esclarecedor o depoimento de LUCIANO VARGAS GAI, gerente da Caixa Federal da cidade e membro integrante do conselho da habitação. Informou que o conselho se reúne mensalmente e que deliberam sobre a concessão de benefícios e recursos para aquisição de materiais de construção, quando o valor é acima de dois salários mínimos. Disse que em 2012 as reuniões ocorreram com regularidade, uma vez por mês, e que a cada encontro eram analisados, via de regra, cinco casos. Esclareceu que não notou aumento de demanda no período próximo às eleições, acrescentando que a prefeitura envia um dossiê com a análise da família para que o conselho da habitação aprecie o deferimento do benefício. Afirmou que nunca sofreu influência de qualquer agente público para o deferimento dos benefícios.

Outros depoimentos, como o de IRAPUAN JORGE TEIXEIRA, secretário da habitação, GEISSON BRUSSO, arquiteto concursado do Município de Tapejara, JULIANO ODILE COLUSSI, sócio proprietário da empresa Colussi, que atua no ramo de venda de material de construção, e JUSSARA SALETE DE MELO, membro do conselho de habitação do município, também deixaram registrado que a entrega dos materiais de construção teria ocorrido dentro de parâmetros legais, estabelecidos previamente.

Conclui-se que esquema de entrega de material de construção em troca de votos, conforme descrito na peça inicial, a partir do que foi declarado por SÉRGIO LUIZ DA COSTA GOMES e por VALDECIR CARNEIRO, que supostamente teriam participado de fatos ilícitos, não teve comprovação em nenhum outro elemento de prova. Ademais, conforme referido na sentença (fl. 5878v.):

Os documentos das fls. 5725/5728 deixados por Valdecir Carneiro junto à Promotoria de Justiça tratam-se de pedidos de materiais. (...) Juliano Colussi, sócio proprietário da empresa Colussi e vendedor na loja, declarou em juízo, devidamente compromissado em dizer a verdade, que “olhou as notas entregues por Valdecir Carneiro no Ministério Público mas não lembrou especificamente, esclarecendo que Valdecir Carneiro costumava comprar em nome de seus clientes. Que não houve mercadorias compradas ou reservadas por Valdecir e pagas pelos requeridos ou Irapuan. Que o depoente é quem sempre atende Valdecir e inclusive 'acredita' que as notas entregues no Ministério Público ainda estejam em aberto".

Cabe ressaltar, ainda, que as irregularidades apontadas em 2011 pelo Tribunal de Contas do Estado foram justificadas e regularizadas, sendo que em 2012 os benefícios (...) foram concedidos após análise da Assistência Social, orçamento e, quando necessário, aprovação do Conselho da Habitação, de modo que tal apontamento não pode fundamentar a presente ação. (...)

(...)

Segundo Rodrigo López Zilio, o bem jurídico tutelado pela ação de impugnação de mandato eletivo é a normalidade e legitimidade das eleições (art. 14, § 9º, da Constituição Federal), além do interesse público da lisura eleitoral (art. 23 da LC nº 64/90).

E tal bem jurídico não restou maculado. Conforme se depreende da análise dos autos, as provas produzidas são insuficientes para comprovação dos fatos alegados na inicial.

Isso porque não há prova de que a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, no ano de 2012, não estivesse prevista em programas sociais já autorizados ou em execução orçamentária no exercício anterior, conforme requer o art. 73, § 10, da Lei n. 9504/97. Pelo contrário, de todos os testemunhos, depoimentos e demais provas da instrução, conclui-se que a distribuição dos materiais de construção foi concedida mediante regular procedimento, conforme lei municipal autorizativa. Ademais, as falhas apontadas em 2011 pelo Tribunal de Contas do Estado foram justificadas e regularizadas, sendo que em 2012 os benefícios foram concedidos após análise da assistência social do município.

Assim, não existindo prova suficiente da perpetração das condutas imputadas aos recorridos, não merece qualquer reforma a sentença de improcedência ora atacada.

Tem-se, ainda, por prequestionados todos os dispositivos mencionados e correlatos à matéria, dispensando-se o manejo atípico de outras vias para alcançar tal efeito.

Diante do exposto, VOTO pelo não acolhimento das preliminares arguidas nas contrarrazões e, no mérito, pelo desprovimento do recurso, ao efeito de manter integralmente a sentença, por seus próprios fundamentos.