RE - 81057 - Sessão: 17/12/2013 às 14:00

RELATÓRIO

Examina-se recurso de NERI BERTOTTI contra  sentença emanada da 67ª Zona Eleitoral, que julgou procedente  representação do MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL por prática de captação ilícita de sufrágio – art. 41-A da Lei n. 9.504/97. Fundamentalmente, a sentença entendeu configurada a prática mediante a entrega de R$ 1.600,00 (mil e seiscentos reais), bem como através das promessas de entrega de R$ 3.000,00 (três mil reais) e de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) à eleitora Janete Teresinha da Silva Vinciguerra. Por esses fatos, restou cassado o diploma do vereador eleito NERI BERTOTTI, bem como aplicada multa no valor de 3.000 (três mil) UFIRs.

As razões de recurso têm por insubsistentes os fatos que levaram às condenações, pois teriam sido fruto de uma “armação” construída pelo partido de oposição. Aduz que a sentença se apegou demasiadamente aos depoimentos testemunhais, dos quais retira valor probante.

Contrarrazões oportunizadas pelo Ministério Público Eleitoral, foram os autos com vista ao procurador regional eleitoral, que se manifestou pelo desprovimento do recurso.

O recurso eleitoral foi recebido pelo Juízo da 67ª Zona Eleitoral em seu duplo efeito (fl. 245).

É o sucinto relatório.

 

 

 

 

VOTO

Interposto no prazo legal, o recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Ao interpor o recurso eleitoral, pede a parte, insatisfeita com o primeiro juízo sobre a matéria, novo olhar sobre os fatos, sobre a incidência das normas jurídicas e sobre as provas que foram carreadas aos autos. Trata-se, no dizer do então ministro Sepúlveda Pertence, de momento de concretizar a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição, o qual é marcado por duas características principais: a possibilidade de um reexame integral da sentença de primeiro grau e, por outra via, a diversidade e a superioridade hierárquica do órgão revisor (RHC n. 79.785/RJ).

Assim, ao julgador de segundo grau cabe revisar a decisão originária aferindo sua coesão intrínseca e, ao mesmo tempo, cotejá-la com a reflexão que a Corte tem desenvolvido em outros julgados similares.

Como já indicado, após análise probatória, o juízo de 1º grau entendeu ser aplicável o artigo 41-A da Lei Eleitoral:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990. (Grifei.)

Francisco de Assis Sanseverino (Compra de Votos – Análise à Luz dos Princípios Democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274.) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege genericamente a legitimidade das eleições e, especificamente, o direito de votar do eleitor e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Além disso, assevera o autor que, para o enquadramento da conduta na moldura do texto legal do art. 41-A, deve haver a compra ou negociação do voto, com promessas de vantagens específicas, de forma a corromper o eleitor. Já as promessas de campanha eleitoral, embora também dirigidas aos eleitores com a finalidade de obter votos, têm caráter mais genérico.

Ademais, segundo a interpretação do TSE a captação ilícita pressupõe pelo menos três elementos: 1 - a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2 - a existência de uma pessoa física (eleitor); 3 - o resultado a que se propõe o agente (obter o voto).

Ou seja, para a configuração da hipótese do artigo 41-A da Lei nº 9.504/97, é necessária a conjugação dos citados elementos subjetivos e objetivos.

No caso ora em exame, foi atribuída a NERI BERTOTTI a prática de captação ilícita de sufrágio, prevista no art. 41-A da Lei das Eleições. Adoto a descrição fática da decisão originária:

Narrou o representante que em 06 de outubro de 2012, por volta das 20 horas, no Município de Doutor Ricardo, o representado, na condição de candidato a Vereador, entregou à eleitora Janete Teresinha da Silva Vinciguerra, com o fim de obter-lhe o voto, quantia em dinheiro equivalente a R$ 1.600,00 (um mil e seiscentos reais), bem como o cheque n. 560911 de sua titularidade, em branco, prometendo-lhe o pagamento de R$ 3.000,00 (três mil reais) caso fosse eleito e R$ 5.000,00 (cinco mil reais), caso também vencesse a eleição o candidato a Prefeito Evandro Ecker.

No presente juízo de revisão da sentença, tenho que andou bem o julgador de origem. Coincido, assim, com o posicionamento exarado pelo procurador regional eleitoral em seu parecer escrito, constante nos autos (fl. 263v.), e que adoto expressamente como fundamentos de decisão, com grifos meus. E o faço porque, ao examinar o acervo probatório, concluo que os fatos foram suficientemente provados e completaram o suporte fático para aplicação da norma:

No caso em tela, o caderno processual contém lastro probatório apto a comprovar que o representado praticou diretamente o ilícito eleitoral ao oferecer vantagens pecuniárias em troca de votos.

O juízo singular considerou que os fatos estão devidamente comprovados nos autos, entendimento ao qual me alinho, uma vez que a prova testemunhal produzida demonstra efetivamente que o representado Neri Bertotti ofereceu dinheiro e promessa de vantagem (representada pelo cheque em branco entregue à eleitora) a fim de obter votos para si e para seu candidato a Prefeito Municipal.

A confirmar os fatos, a testemunha Janete Teresinha da Silva Vinciguerra reafirmou em juízo (termos de audiência e mídia às fls. 132/141) os fatos narrados ao Ministério Público (fl. 19), não havendo contradição em seus relatos. Afirmou nas duas oportunidades que o representado foi diversas vezes à sua casa e que ofereceu a quantia em dinheiro e um cheque em branco e, troca de votos.

Ainda, confessou ter aceito a proposta e ter participado de gravação para incriminar os adversários políticos do representado, quais sejam, os candidatos do partido ao qual a mesma é filiada. Ou seja, a testemunha confessou em juízo a prática de ilícito eleitoral e não apenas evidenciou a ausência de fidelidade para com o partido ao qual é filiada, mas a lealdade que teve para com o próprio representado, o que confere credibilidade ao seu testemunho.

De outra parte, a defesa não logrou demonstrar que os fatos em questão tratavam-se de “uma “armação” arquitetada pelo partido da oposição (PMDB), em conluio com a Sra. JANETE TERESINHA VINCIGUERRA e o partido opositor, ao qual a eleitora é filiada.

Note-se, como igualmente salientado no referido parecer, que o Tribunal Superior Eleitoral tem admitido a prova exclusivamente testemunhal para a comprovação da captação ilícita de sufrágio, não obstante com a (saudável) ressalva de que o juízo condenatório há de ter sido construído de forma consistente sobre os depoimentos colhidos:

MANDATO – CASSAÇÃO – COMPRA DE VOTOS – PROVA TESTEMUNHAL. A prova testemunhal suficiente à conclusão sobre a compra de votos – artigo 41-A da Lei n. 9.504/97 – há de ser estreme de dúvidas. (TSE. Recurso Especial Eleitoral nº 3827706, Relator Min. MARCO AURÉLIO MENDES DE FARIAS MELLO, DJE de 07/11/2011.)

A prova basilar é o testemunho da eleitora Janete Teresinha da Silva Vinciguerra, o qual encontra amparo no restante do acervo probatório. Veja-se que o cheque assinado em branco, recebido das mãos do vereador eleito, e representado, NERI BERTOTTI, consta dos autos às fls. 08 (cópia autenticada) e 20 (original). Quanto à alegação do representado, de que o cheque em questão estaria com Volmir Gomes e que este o teria repassado à eleitora, embora tenha sido confirmado que havia negociação entre eles, este último negou que recebia cheques em branco, bem como que tenha repasso o referido cheque à eleitora Janete Teresinha. Aliás, nenhuma prova há nos autos que comprove esse repasse do cheque. Nenhuma relação foi comprovada entre Volmir e Janete, ou qualquer conluio entre eles ou entre outros adversários políticos do representado para justificar uma acusação injusta. Ao contrário, a prova da conduta ilícita está perfeitamente reunida nos autos, sendo que são as alegações do representado que se mostram desprovidas de prova ou irrelevantes para desconstituir a acusação lançada pelo Ministério Público.

Amplamente comprovado, igualmente, que a eleitora e o representado eram vizinhos, e mantinham, senão uma relação de amizade, uma relação de conveniência, a qual foi confirmada por ambos, em juízo. Ao que parece, tal relação sofreu um rompimento, no momento em que o “acordo” entre os dois não teria sido cumprido. Refere a eleitora que “disse ter se sentido pressionada quando o representado falou que o acordo não seria cumprido, que não iria preencher o cheque. Relatou que o representado mandou que tentasse cobrar o cheque e disse que ela devia procurar seus direitos, mas advertiu que poderia se ferrar. Explicou que o cheque não foi preenchido ou assinado na sua frente e nem retirado do talão, sendo que o representado veio com a folha do cheque pronto e o entregou. Referiu que utilizou o dinheiro recebido para pagar contas, sendo que ele lhe foi entregue em notas de cinquenta reais. Narrou que o representado esteve em sua casa para entregar o cheque na véspera da eleição, entre 20h e 20h30min. Assim, observo que a testemunha confirmou em Juízo o que já havia declarado perante o Ministério Público (fl. 19), sendo coerente seu depoimento, ausente de contradições” (fls. 216v. E 217).

A corroborar seu testemunho, as gravações trazidas aos autos pelo próprio representado, e que foram reproduzidas para Janete Teresinha da Silva Vinciguerra. Em juízo a mesma referiu: “em relação a gravação que foi reproduzida neste ato a declarante reconhece sua voz, lembra do dia em que foi feita, e afirma que foi realizada após o resultado da eleição. Que sua filha também estava presente no dia, e que reconhece também a voz dela na gravação” (fl. 19v.). As gravações comprovam a relação que existia entre Janete Terezinha e o representado NERI BERTOTTI (fls. 101 a 124).

Quanto ao suposto álibi invocado pelo representado, há de ser tomado em conta com reservas. Com efeito, alega o representado que na véspera da eleição esteve na casa de Elói dos Santos das 19h40min até às 20h30min, ocasião na qual foi jantar na residência de Nelson Giacobbo, onde ficou até às 21h. Janete alega que o representado esteve em sua casa nesse dia entre 20h e 20h30min, aproximadamente. Primeiramente, deve ser observado que Janete, o representado e Nelson são todos vizinhos, ou seja, não levaria mais do que alguns minutos para o representado passar na casa de Janete antes de ir para o jantar na residência de Nelson, o que, certamente, não seria necessariamente percebido pelos demais vizinhos da localidade.

Assim, os fatos da representação restam comprovados, sendo que a defesa não logrou, já antes da sentença, afastar as imputações cominadas, ao contrário: aduz ter havido “armação” contra si, quando na realidade as circunstâncias extraíveis dos autos indicam exatamente o contrário - uma tentativa de incriminar os adversários políticos do recorrente na cidade de Doutor Ricardo, mediante oferecimento de dinheiro para a realização de gravação.

Veja-se trecho da minuciosa sentença (fl. 218):

Outrossim, ela explica que o dinheiro e o cheque foram entregues não só em troca de voto, mas também para que fosse feita uma gravação incriminando adversários políticos do representado, sendo que após a eleição o representado não honrou com o pagamento do cheque e disse a ela que deveria tentar executá-lo, advertindo, contudo, que poderia não ter sucesso nessa tentativa.

O recorrente não logrou, nesta sede recursal, alterar o entendimento esposado na sentença, pois apegou-se, em suas razões, muito mais aos aspectos relativos às datas de emissão do cheque que teria emitido, do que propriamente a negar a prática da captação ilícita de sufrágio que lhe foi imputada. Tal captação resta configurada.

Portanto, é da estrita análise do caderno probatório que se extrai a conclusão pela manutenção da sentença. Os fatos alegados na inicial restaram, ao longo da instrução, suficientemente demonstrados. O teor das gravações juntadas aos autos, o testemunho em sede policial e mesmo em juízo, deixam transparente a ocorrência das condutas.

Tenho, por esses fundamentos e pelas provas dos autos, como bem caracterizada a prática de captação ilícita de sufrágio por parte de NERI BERTOTTI. Não se trata, como alegou a defesa, de decisão baseada em presunções. As provas são claras, e suficientes.

Cumpre, assim, registrar que o reconhecimento, no plano dos fatos, da captação ilícita de sufrágio não objetiva corrigir a política brasileira, suprir a escolha dos eleitores ou arrogar-se em bastião moral da sociedade. Trata-se, antes, de missão muito menos ambiciosa: dar restrito cumprimento ao que o Congresso Nacional, em nome da nação, requereu ao Judiciário brasileiro no que concerne às condições e requisitos mínimos para o exercício do mandato eletivo.

Portanto, concluo que há de ser integralmente mantida a sentença, negando provimento ao recurso.

Por fim, expostas as razões de decidir suficientes para a conclusão da decisão, é desnecessária a análise individualizada de todos os argumentos tecidos pelas partes, que ficam logicamente afastados pela fundamentação em sentido contrário.

Nesse sentido é a jurisprudência, conforme ementa que segue:

[…] No tocante à alegada ofensa ao art. 535, incisos I e II, do CPC, os recorrentes, a pretexto de alegar omissão no aresto recorrido, acabaram pleiteando a reforma da decisão, no que se refere à atribuição do onus probandi do estado de pobreza dos recorrentes.

Os embargos de declaração não servem para a reapreciação do mérito da demanda, já que o ordenamento pátrio destina-lhes fim específico: integração de decisum judicial em que tenha ocorrido uma das situações previstas no art. 535 do CPC. Não é necessário que o magistrado se oponha a cada um dos argumentos expendidos pelo recorrente, bastando que tenha solucionado de forma integral a querela, rejeitando logicamente as teses contrárias (STJ, REsp 1211838/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 02/12/2010, DJe 10/12/2010).

Tem-se, ainda, desde já, por prequestionados todos os dispositivos mencionados e correlatos à matéria, dispensando-se o manejo atípico de outras vias para alcançar tal efeito, sujeitando-se eventual reclamo, acaso não adequadamente fundamentado, ao caráter meramente protelatório.

À vista de todas as considerações, reconheço a nulidade da votação obtida por NERI BERTOTTI, devendo ser procedido o recálculo dos quocientes eleitoral e partidário, nos termos dos arts. 106 e 107 do Código Eleitoral, bem como determinado ao juízo eleitoral de origem que adote as providências necessárias ao imediato afastamento do representado do cargo de vereador.

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso para:

a) manter a sentença que cassou o diploma do vereador eleito NERI BERTOTTI, bem como aplicou multa no valor de R$ 5.320,50, nos termos do art. 41-A da Lei n. 9.504/97;

b) determinar a exclusão do nome do vereador NERI BERTOTTI da lista oficial de resultados das eleições proporcionais de 2012 no Município de Doutor Ricardo, em decorrência da anulação de seus votos, procedendo-se ao recálculo dos quocientes eleitoral e partidário;

c) determinar ao Juízo da 67ª Zona Eleitoral que adote providências necessárias ao imediato afastamento do representado do cargo de vereador do Município de Doutor Ricardo, revogando-se o efeito suspensivo que fora concedido por ocasião do recebimento do recurso.

Comunique-se, para o devido cumprimento, o inteiro teor desta decisão ao Juízo da 67ª Zona Eleitoral (Encantado), após o julgamento de eventuais embargos de declaração interpostos.

É o voto.