RE - 37956 - Sessão: 17/12/2013 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de TRÊS RECURSOS ELEITORAIS, interpostos por (1) EMANUEL HASSEN DE JESUS, prefeito de Taquari, e ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO, vice-prefeito de Taquari (fls. 1688/1777), (2) ANDRÉIA PORTZ NUNES, vereadora de Taquari (fls. 1778/1861), e (3) IVO DOS SANTOS LAUTERT, ex-prefeito de Taquari (fls. 1862/1919), contra sentença de PROCEDÊNCIA em AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL por CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO e ABUSO DO PODER POLÍTICO cumulada com REPRESENTAÇÃO POR CONDUTAS VEDADAS, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL.

Na decisão, os candidatos eleitos (EMANUEL, ANDRÉ LUÍS e ANDREIA) tiveram seus diplomas cassados, e TODOS os recorrentes foram multados em 30.000 (trinta mil) UFIR, cada, e tiveram declaradas as respectivas inelegibilidades pelo prazo de 8 (oito) anos, por enquadramento no art. 41-A da Lei n. 9.504/97 e no art. 22, XIV, da Lei Complementar n. 64/90, respectivamente.

A um breve resumo de cada um dos recursos.

1) Do recurso de EMANUEL HASSEN DE JESUS e ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO

Constante nas fls. 1688/1774, as razões de recurso de EMANUEL e ANDRÉ LUÍS trazem as preliminares de a) nulidade do processo, em razão da inobservância de estabelecimento de litisconsórcio passivo necessário; b) nulidade das interceptações telefônicas realizadas, em vista da prerrogativa de foro do então prefeito de Taquari, IVO LAUTERT; c) ilegalidade do aproveitamento das interceptações telefônicas como prova emprestada; d) nulidade da prova, por falta de transcrição das conversas interceptadas; e) nulidade da prova em razão da divulgação, na mídia, das conversas interceptadas.

No mérito, alegam não haver provas suficientes para a construção de um juízo condenatório, e aduzem que as condutas ilícitas eventualmente praticadas pela candidata a vereadora ANDRÉIA PORTZ NUNES não guardam vínculo com a disputa ao pleito aos cargos majoritários das eleições de 2012 em Taquari.

2. Do recurso de ANDRÉIA PORTZ NUNES

A irresignação da recorrente (fls. 1778/1861) se constrói a partir das preliminares de a) ausência de interesse de agir, uma vez que teria havido manejo da representação por conduta vedada após o dia do pleito; b) nulidade das interceptações telefônicas em razão de suposta violação da prerrogativa de foro do então prefeito IVO LAUTERT; c) ilegalidade do aproveitamento das interceptações telefônicas como prova emprestada; d) nulidade da prova, por falta de transcrição das conversas interceptadas.

Quanto ao mérito, aduz que no correr do período eleitoral não manteve qualquer espécie de contato com os representados IVO LAUTERT e EMANUEL HASSEN DE JESUS, e que os contatos telefônicos que manteve com o representado ANDRÉ LUÍS BARCELOS BRITO eram típicos da relação do casal. Finalmente, sustenta que em nenhuma das gravações interceptadas aparece pedindo ou oferecendo vantagens indevidas em troca de votos.

3. Do recurso de IVO DOS SANTOS LAUTERT

Juntado ao processo nas fls. 1862/1919, as razões de recurso de IVO LAUTERT suscitam, inicialmente, as seguintes preliminares: a) ausência de interesse de agir, pois a representação por conduta vedada não poderia ter sido ajuizada após o término do pleito; b) nulidade das interceptações telefônicas em razão da prerrogativa de foro que detinha, pois à época ocupava o cargo de prefeito municipal; c) cerceamento de defesa, em razão do indeferimento de requerimento para a realização de perícia contábil; d) nulidade da prova, por falta de transcrição das conversas interceptadas.

No mérito, sustenta não haver, nos autos, prova que conduza à conclusão de que as condutas por ele praticadas tenham sido ilegais, bem como não haver prova, igualmente, de que tenha praticado qualquer ato ilícito.

As contrarrazões do Ministério Público Eleitoral foram juntadas às fls. 1923/1973. Após, e já na presente instância, seguiram os autos à Procuradoria Regional Eleitoral, a qual exarou parecer pelo desprovimento de todos os recursos (fls. 1977/2017).

É o relatório.

 

VOTO

Inicialmente, devido à extensão das peças processuais (sentença, recursos, pareceres) presentes nestes autos, que por óbvio exigem análise minuciosa para a devida elaboração deste voto e, igualmente, em razão do farto manancial probatório colocado à disposição dos julgadores da demanda, antecipo que serão conjuntamente analisados os três recursos interpostos - tanto no que toca às preliminares aduzidas quanto em relação às questões de mérito levantadas, em estrutura similar àquela apresentada pelo parecer da d. Procuradoria Regional Eleitoral.

Até mesmo porque, conforme será possível verificar, as razões recursais abordam bastante frequentemente as mesmas questões, com fundamentos semelhantes – por vezes, idênticos. Tal estrutura tem como escopo prestigiar a clareza e a objetividade do voto que se inicia.

Preliminares

a) Tempestividade

A sentença foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral do Rio Grande do Sul (DEJERS) em 26/07/2013, sexta-feira, e todos os representados interpuseram recurso no dia 31/07/2013 (fls. 1688, 1778 e 1862), quarta-feira.

E, consideradas as capitulações contidas na decisão de 1º grau, os recursos são, sempre, tempestivos, pois o prazo de 3 (três) dias é previsto tanto no artigo 258 do Código Eleitoral quanto no § 4º do artigo 41-A da Lei das Eleições e no do art. 73, § 13, da Lei n. 9.504/97.

b) Litisconsórcio passivo necessário

Os recorrentes EMANUEL HASSEN DE JESUS e ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO alegam, em seara preliminar, a nulidade do processo decorrente da não formação do litisconsórcio passivo necessário.

Para tanto, aduzem que a representação aponta, além dos representados ANDRÉIA PORTZ NUNES e IVO DOS SANTOS LAUTERT, outros responsáveis pelos ilícitos eleitorais atribuídos aos candidatos do pleito majoritário, os quais, contudo, não integram a presente demanda.

Não assiste razão aos recorrentes.

Em primeiro lugar, a narrativa fática realizada pelo Ministério Público Eleitoral (fls. 02/40) não contém qualquer conduta eleitoralmente típica atribuída diretamente aos indivíduos mencionados pela defesa técnica, no recurso de fls. 1688/1774.

Demais disso, conforme bem referido na sentença, a exigência legal é a formação do litisconsórcio necessário em relação a um agente público envolvido, e não relativamente a todos e quaisquer agentes públicos porventura envolvidos nos fatos. Nessa linha não há, propriamente, a previsão de uma hipótese legal de litisconsórcio necessário – como aquelas decorrentes intrinsecamente de determinada relação jurídica, por exemplo. Ao contrário, a presença concomitante no polo passivo, aqui exigida, é muito mais um produto das circunstâncias havidas, vale dizer, dos fatos em si.

Nessa perspectiva, leia-se o seguinte precedente, também indicado pela Procuradoria Regional Eleitoral no parecer (fl. 1980):

Recurso Eleitoral. Eleições 2008. Representação Eleitoral. Suposta prática de condutas vedadas e de propaganda eleitoral irregular. Preliminares: 1 - Preliminar de nulidade do feito em razão da ausência de citação de litisconsortes necessários (suscitada por ambos os recorrentes). REJEITADA. O fato de uma das condutas vedadas imputada aos recorrentes ter sido praticada no átrio da Câmara Municipal não quer dizer que todos os vereadores presentes tenham que integrar a lide na condição de litisconsortes passivos necessários. O art. 73, § 8º, da Lei nº 9.504/97, apenas aponta aqueles que podem vir a sofrer sanções provenientes da prática de condutas vedadas, não estabelecendo hipótese legal de litisconsórcio. (…).

(TRE/MG - RECURSO ELEITORAL nº 5261, Acórdão de 22/06/2009, Relator(a) RENATO MARTINS PRATES, Publicação: DJEMG – Diário de Justiça Eletrônico-TRE/MG, Data 01/07/2009.) (Original sem grifos.)

Na espécie, portanto, perfeitamente formado o litisconsórcio passivo necessário, pois integrantes da lide tanto o mandatário municipal à época dos fatos quanto a secretária de saúde cuja desincompatibilização do cargo se discute, e os candidatos a prefeito e a vice-prefeito, vale dizer, eleitos no pleito de 2012.

Afasto a preliminar.

c) Prerrogativa de foro do então prefeito municipal

Fato incontroverso, IVO DOS SANTOS LAUTERT ocupava o cargo de prefeito municipal de Taquari, à época dos fatos.

Como recorrente, aduz que a prova colhida na instrução do presente processo seria nula em relação a ele, devido exatamente à prerrogativa de foro de que goza o cargo de prefeito.

Igualmente não se discute que as interceptações telefônicas realizadas, base probatória principal para o juízo condenatório exarado em sentença, foram autorizadas em 1° grau de jurisdição.

Todavia, não há como acolher a tese de mácula na validade de tal instrumento probatório.

A prova colhida, do início ao fim, é absolutamente lícita.

Demonstro.

Conforme certidão (fl. 45), o passo inicial reside no relato de cidadão à Promotoria de Justiça de Taquari, ocorrido em 31 de agosto de 2012, veiculando notícias de que ANDRÉIA PORTZ NUNES, secretária municipal de saúde licenciada para concorrer ao cargo de vereadora, teria permanecido no exercício de fato do cargo, utilizando-o para fins eleitorais. Haveria a entrega de medicamentos e fornecimento de serviços de saúde (exames, consultas, etc.) sem a obediência de ordem de chegada, de forma a favorecer potenciais eleitores.

Na sequência, o transcorrer do inquérito civil (fl. 80) aponta que o Ministério Público Eleitoral intentou esclarecer os fatos efetuando contato com a Secretaria Municipal da Saúde, tendo recebido documentos daquela pasta do Executivo municipal. Com grifos meus, trecho da manifestação do parquet naquele procedimento:

Os documentos enviados pela Secretaria Municipal da Saúde dão conta de um expressivo incremento das atividades prestadas pela aludida pasta nos meses que antecedem esta eleição, para a qual concorre a cargo de vereadora a ex-secretária da saúde de Taquari, Andréia Porn. Apenas a título exemplificativo, visualiza-se que o número de atendimentos odontológicos efetuados pelo dentista Rui Vargas Martins, atinente ao mês de julho/2012 praticamente triplicou de valor em relação ao mês de julho/2011. O mesmo pode se dizer em relação ao valor dispendido com consultas e exames especializados realizados junto ao Hospital Bruno Born, que passou de R$ 3.107,20 em julho/2011 para R$ 13.343,05 em julho de 2012. Assim, smj, há fundada suspeita do uso da máquina administrativa pela ex-secretária municipal de saúde, Andréia Porn, a qual, segundo dados deste expediente, estaria “despachando” normalmente junto à SMS, mesmo desincompatibilizada em razão de concorrer ao pleito municipal. Nesse passo, cogita-se das condutas previstas no art. REPRESENTAÇÃO POR INFRIGÊNCIA DO ART. 41-A DA LEI N.º 9.504/97, bem como da prática do crime eleitoral previsto no art. 299 do Código Eleitoral.”

E daí, o pedido de quebra do sigilo telefônico de ANDRÉIA PORTZ NUNES - deferimento do pedido constante na fl. 275. Conforme bem delineado pelo d. procurador regional eleitoral, a representada, naquela época, “foi o único alvo, porquanto exclusivamente sobre ela pairavam suspeitas”.

E segue o referido parecer, em passagem esclarecedora: “Ao curso da investigação policial, verificada a efetiva participação de IVO DOS SANTOS LAUTERT nos ilícitos eleitorais, o inquérito foi imediatamente encaminhado a essa Corte Eleitoral, que confirmou sua competência originária para o processamento do feito”. (Grifei.)

Ora, a fixação da competência para a autorização de interceptação telefônica deve ser feita com suporte nos fatos investigados, pois do contrário inviabilizar-se-ia a priori qualquer investigação. Isso porque, logicamente, não é possível prever quem será interceptado nos diálogos que o suspeito inicial travará. Não é possível saber quem serão os interlocutores do que se pode denominar “investigado primitivo” – em tese poderá ser qualquer pessoa, inclusive alguém que detenha cargo com prerrogativa de foro perante o Supremo Tribunal Federal, a título de exemplo.

Daí, tenho por caracterizado, conforme indicado no parecer do d. procurador regional eleitoral, o fenômeno que “a jurisprudência designa por encontro ou descoberta fortuita de provas ou da serendipidade”.

O termo “serendipidade” tem uso nas situações em que uma descoberta é feita por acaso. Trata-se de um anglicanismo derivado do termo serendipity (conforme o Dicionário Houaiss) e referente ao antigo nome da ilha do Ceilão (atual Sri Lanka), Serendip. A palavra foi cunhada em 1754 pelo escritor inglês Horace Walpole, na obra Os Três Príncipes de Serendip, os quais faziam descobertas que não procuravam.

E assim ocorre, em muitos casos, com as interceptações telefônicas autorizadas judicialmente. No decorrer da investigação, podem surgir outros fatos juridicamente relevantes, envolvendo outras pessoas além daquela investigada. A questão central da serendipidade/encontro fortuito diz, dessarte, com a licitude desse meio probatório.

E duas importantes circunstâncias marcam o encontro fortuito de provas: primeira, a de que tudo ocorre pela impossibilidade natural de, na hora da realização da interceptação telefônica, distinguir-se aprioristicamente o que se trata do objeto da investigação daquilo que dele desborda. É o fator do aleatório, que uma vez ocorrido pode trazer novos fatos a serem investigados. Essa aleatoriedade, se estiver solitária, realmente não deve ser bem recebida no contexto probatório de uma demanda judicial formada sob o pálio do devido processo legal.

Todavia, há a segunda circunstância: aquela que, após realizada a descoberta aleatória, garante sejam assegurados ao novo suspeito todas as garantias e os meios para o exercício de sua defesa.

Portanto, atendida a segunda circunstância, a primeira delas perde a sua aleatoriedade; recebe a influência do devido processo legal, e passa a valer como meio de prova hábil, lícito e útil ao processo judicial.

Transcrevo, nessa linha, as seguintes ementas de julgados, com grifos meus:

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. PRORROGAÇÃO DO MONITORAMENTO. VIABILIDADE. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. IDENTIFICAÇÃO DE TERCEIRO RELACIONADO COM O OBJETO DA INVESTIGAÇÃO.

POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE ILICITUDE DAS PROVAS. FENÔMENO DA SERENDIPIDADE. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. DESNECESSIDADE DE DESCRIÇÃO DO DOLO DO AGENTE. PRECEDENTE. RECURSO DESPROVIDO.

(...) 3. O deferimento de interceptação de comunicações telefônicas deve ser acompanhado de descrição da situação objeto da investigação, inclusive, salvo impossibilidade, com a indicação e a qualificação do investigado, nos moldes do parágrafo único do art. 2.º da Lei n.º 9.296/96. 4. A descoberta de fatos novos advindos do monitoramento judicialmente autorizado pode resultar na identificação de pessoas inicialmente não relacionadas no pedido da medida probatória, mas que possuem estreita ligação com o objeto da investigação. Tal circunstância não invalida a utilização das provas colhidas contra esses terceiros (Fenômeno da Serendipidade). Precedentes. (...) 6. Recurso ordinário desprovido. (RHC 201001405121, LAURITA VAZ, STJ - QUINTA TURMA, DJE DATA:13/12/2012.) (Grifei.)

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA AFASTADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. PROVA EMPRESTADA COLHIDA EM SEDE DE INQUÉRITO POLICIAL. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA POSTERGADOS. PRINCÍPIOS OBSERVADOS NA PRESENTE AÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO MEDIANTE DOAÇÃO DE COMBUSTÍVEL PARA ELEITORES OBJETIVANDO O VOTO. NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO PARA OBTER VOTO DE ELEITORA E RESPECTIVA FAMÍLIA. PROMESSA DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PARA OBTER VOTOS DA FAMÍLIA DE UMA CRIANÇA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO.

(…)

2. Embora as comunicações telefônicas sejam protegidas pelo sigilo, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, é possível sua quebra pela autoridade judicial.

3. A quebra do sigilo telefônico é lícita quando atendidos os requisitos do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, e do art. 2º, da Lei 9.296/96, quais sejam: determinação judicial; indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; fato investigado seja punido com pena de reclusão.

4. A competência para determinar a quebra de sigilo telefônico deve ter por parâmetro os fatos apresentados. Se, posteriormente, com a gravação das conversas verifica-se a existência de fatos modificativos da competência, tal circunstância, em princípio, não tem o condão de invalidar a prova já produzida.

5. A prova emprestada pode ser utilizada na seara eleitoral, desde que não represente ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Como a prova foi oriunda de inquérito policial, cujo contraditório e a ampla defesa são diferidos, não houve prejuízo para acusados.

6. Na presente ação os princípios do contraditório e da ampla defesa foram plenamente observados, cabendo aos Representados/Recorridos requerer, tempestivamente, a produção de provas, o que não foi feito.

7. No mérito, ficou comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio por meio da distribuição gratuita e indiscriminada de combustível para eleitores; nomeação de eleitora para cargo público com a finalidade de obtenção de seu voto e da respectiva família; e pela promessa de realização de cirurgia em uma criança para obter o voto de seus familiares.

8. A prova robusta da instalação de uma organização para a prática de captação ilícita de sufrágio, fatos não contestados pelos Representados/Recorridos, deve ser aplicada a devida sanção legal.

9. Recurso provido.

(TRE/GO - RECURSO ELEITORAL nº 79745, Acórdão nº 13882 de 27/06/2013, Relator(a) DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Tomo 126, Data 03/07/2013, Páginas 2/3.)

Finalmente, a questão da validade da prova fortuita já foi enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal. E a predominância de posicionamentos é, inegavelmente, pela validade dessa espécie de colheita probatória, sendo que a Corte Suprema confere maior importância à preservação das garantias ao exercício do direito de defesa do acusado do que propriamente ao fato de a prova ter sido recolhida em interceptação telefônica cujo objetivo inicial era diverso do alcançado. Veja-se trecho de voto do ministro Gilmar Mendes, igualmente transcrito no parecer do MPE, com grifos meus:

As provas produzidas pelo Juízo Federal de Governador Valadares são fruto do exercício regular de atividade jurisdicional e, em absoluto, destinavam-se a investigar atuação de agente com prerrogativa de foro. Tanto isso é verdade, que o então relator, ministro Cezar Peluso, assumiu a relatoria da investigação no estado em que se encontrava e determinou outras medidas cautelares, as quais foram prontamente executadas.

O argumento de que provas colhidas fortuitamente, em meio a uma investigação legalmente autorizada, devem ser abandonadas quando se referem a alguém com prerrogativa de foro não encontra guarida nem no direito positivo infraconstitucional nem em uma lúcida interpretação do princípio constitucional da privacidade e das regras que versam sobre jurisdição e competência.

Não há nada que autorize o raciocínio de que a investigação denominada OPERAÇÃO JOÃO DE BARRO começou com a espúria intenção de investigar detentor de prerrogativa de foro, tramitando em primeiro grau. Muito ao revés, tão logo surgiu indício mínimo de participação de Deputado Federal, o feito veio a este Tribunal e foi distribuído para a relatoria do Ministro Cezar Peluso.

Em 19 de agosto de 2008, o Departamento de Polícia Federal instaurou, mediante Portaria, inquérito perante esta Corte e, em 22 de agosto daquele ano, todo material colhido na investigação que, de uma forma ou de outra, referia-se ao parlamentar foi juntado a estes autos e a seguir encaminhado ao Procurador-Geral da República.

As captações ambientais, ou aquelas fruto de escuta em terminais específicos, nas quais foram obtidas referências ao Deputado Federal JOÃO LÚCIO MAGALHÃES BIFANO, não decorreram de escutas em telefones por ele utilizados nem em locais de sua propriedade, ou ainda em prédio de exercício – público ou privado – de sua atividade parlamentar.

O que ocorreu foi a captação de diálogos no mínimo comprometedores, dos quais utiliza o Ministério Público Federal para impingir ao acusado as práticas delituosas que enumera na denúncia. Não há qualquer nulidade na utilização de prova emprestada, seja ela fruto do que se apurou no feito em tramitação na Vara Federal de governador Valadares, seja fruto de medidas cautelares determinadas por esta Corte, mediante relatoria do Ministro Cezar Peluso.

Afasto, portanto, a preliminar.

d) Ilicitude da prova

EMANUEL HASSEN DE JESUS, ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO e ANDRÉIA PORTZ NUNES entendem como ilícita a prova recolhida mediante interceptação telefônica, mesmo que autorizada judicialmente. Posicionam-se no sentido de que as escutas se voltavam, inicialmente, para fins de investigação (policial) de crime eleitoral e, portanto, processo distinto do ora analisado - o que configuraria utilização indevida de prova.

Para o enfrentamento da questão, invoco trecho do parecer do d. procurador regional eleitoral (fl. 1983):

A interceptação foi deferida e produzida em conformidade à lei, sendo disponibilizada a respectiva mídia aos representados no feito, para o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.

Outrossim, como bem referido pelo Ministério Público Eleitoral em suas contrarrazões (fl. 1953), inexistindo direitos absolutos na Constituição, a garantia constitucional à intimidade e à privacidade, mesmo que revestida da dimensão de direitos fundamentais do indivíduo em nosso ordenamento, deve ser relativizada quando em confronto com o interesse público na apuração dos fatos desse jaez, mormente diante de possível prática de ato ilícito que deturpa a magnitude do processo eleitoral, atentando forte e diretamente contra a legitimidade dos diplomas obtidos no pleito.

Ademais, trata-se de questão pacificada jurisprudencialmente. O empréstimo de prova cujo conteúdo sejam dados recolhidos mediante interceptação telefônica devidamente autorizada é amplamente aceito. A jurisprudência a seguir citada corrobora a tese de que é possível a utilização, como prova emprestada em processo, de dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, desde que esta tenha sido judicialmente autorizada para a produção de prova; não representando ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, ainda que as partes não sejam as mesmas, contanto que, no caso, o interesse público seja maior que a preservação da intimidade e seja obedecido o devido processo legal.

Nessa linha, colaciono sequência de julgados:

RECURSO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA PRODUZIDA EM INQUÉRITO POLICIAL. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. PROCESSO CÍVEL ELEITORAL. UTILIZAÇÃO. IMPEDIMENTO. AUSÊNCIA. DISTRIBUIÇÃO DE MATERIAL DE CONSTRUÇÃO E SEU RESPECTIVO TRANSPORTE. FINALIDADE ELEITORAL. COMPROVAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. SENTENÇA MANTIDA. IMPROVIMENTO DO RECURSO.

(...)

2 - "(...) O Supremo Tribunal Federal firmou posição no sentido de que é possível a utilização, como prova emprestada em processo administrativo disciplinar, de dados obtidos em interceptação de comunicações telefônicas, desde que esta tenha sido judicialmente autorizada para a produção de prova em investigação criminal ou em instrução processual penal, nos termos da L. 9.296/96 (STF, Inq-QO-QO 2424 / RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal Pleno, j. 20.06.2007, DJ 24.08.2007). "(TRF4, AC 200670020039388, Rel. Juiz Valdemar Capeletti, DJ – 04/08/2008.)

3 - "(...) Sendo lícita e idônea, a interceptação telefônica poderá ser utilizada como prova emprestada para dirimir controvérsias na esfera civil e administrativa. No expressivo dizer do Ministro Cezar Peluso no "âmbito normativo do uso processual dos resultados documentais da interceptação, o mesmo interesse público na repressão de ato criminoso grave que, por sua magnitude, prevalece sobre a garantia da inviolabilidade pessoal, justificando a quebra que a limita, reaparece, com gravidade só reduzida pela natureza não criminal do ilícito administrativo e das respectivas sanções, como legitimamente desse uso na esfera não criminal, segundo avaliação e percepção de sua evidente supremacia no confronto com o direito individual à intimidade" (STF, Inq. 2.424 QO-QO, DJ 24.08.2007). (...)" (TRE-SC, RD 2237030, Rel. Juiz Sérgio Torres Paladino, DJ - 16/08/2010, pág. 6/7.)

4 - Na espécie, a partir do conjunto fático-probatório dos autos, notadamente do resultado da interceptação telefônica obtida, verificou-se o especial fim de captação de votos, por parte da Sra. Joana Maria Pedrosa Machado, mediante o fornecimento de benesses variadas aos eleitores do Município de Crato, de sorte a caracterizar também a prática de abuso de poder econômico. 5 - Sentença mantida. 6 - Improvimento do Recurso. (TRE/CE – RECURSO ELEITORAL nº 958715407, Acórdão nº 958715407 de 06/04/2011, Relator(a) CID MARCONI GURGEL DE SOUZA, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 69, Data 15/04/2011, Página 7/8. ) (Original sem grifos.)

 

RECURSO ELEITORAL. PRELIMINARES. NULIDADE PROCESSUAL POR AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DO PARTIDO POLITICO. IMPOSSIBILIDADE JURIDICA DO PEDIDO.

SENTENÇA EXTRA-PETITA. REJEIÇÃO. EXISTÊNCIA DE PROVAS SUFICIENTES A MANTER A DECISÃO RECORRIDA. VALIDADE DOS ELEMENTOS PROBATÓRIOS JUNGIDOS AOS AUTOS. EFEITO VINCULANTE DO JULGAMENTO REALIZADO NA ADI N. 4578. INELEGIBILIDADE PARA OS PLEITOS FUTUROS. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. (...) 4) Inobstante a interceptação telefônica ter sido autorizada em desfavor de pessoas distintas dos ora recorrentes, a teoria do encontro ou descoberta fortuita de provas é plenamente agasalhada pela jurisprudência pátria, notadamente em sede de prova emprestada; (…). (TRE/GO - RECURSO ELEITORAL nº 935631402, Acórdão nº 13238 de 20/09/2012, Relator(a) WILSON SAFATLE FAIAD, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 202, Tomo 1, Data 27/09/2012, Página 3 .) (Original sem grifos.)

 

Mandado de Segurança. Pedido liminar deferido. Suspensão de audiência. AIJE. Interceptação telefônica. Autorização em processo de natureza penal. Prova emprestada. Possibilidade de uso. Denegação da segurança. Denega-se a segurança tendo em vista a possibilidade de ser utilizada em AIJE prova emprestada, mesmo que se trate de gravações telefônicas procedidas com autorização judicial para fins de instrução de processo penal. TRE/BA - MANDADO DE SEGURANCA nº 5295, Acórdão nº 677 de 09/07/2013, Relator(a) JOSÉ WANDERLEY OLIVEIRA GOMES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Data 19/07/2013.)

 

RECURSO ELEITORAL. REPRESENTAÇÃO ELEITORAL. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA AFASTADA. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA AUTORIZADA PELA JUSTIÇA COMUM ESTADUAL. PROVA EMPRESTADA COLHIDA EM SEDE DE INQUÉRITO POLICIAL. PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA POSTERGADOS. PRINCÍPIOS OBSERVADOS NA PRESENTE AÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO MEDIANTE DOAÇÃO DE COMBUSTÍVEL PARA ELEITORES OBJETIVANDO O VOTO. NOMEAÇÃO EM CARGO PÚBLICO PARA OBTER VOTO DE ELEITORA E RESPECTIVA FAMÍLIA. PROMESSA DE REALIZAÇÃO DE CIRURGIA PARA OBTER VOTOS DA FAMÍLIA DE UMA CRIANÇA. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO CONFIGURADA. RECURSO PROVIDO. 1. Para que haja litispendência exige-se a identidade entre todos os elementos da ação, isto é, mesmas partes, mesma causa de pedir e mesmo pedido. Embora exista identidade de partes e pedido, sendo a causa distinta, não há que se falar em litispendência. 2. Embora as comunicações telefônicas sejam protegidas pelo sigilo, nos termos do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, é possível sua quebra pela autoridade judicial. 3. A quebra do sigilo telefônico é lícita quando atendidos os requisitos do artigo 5º, XII, da Constituição Federal, e do art. 2º, da Lei 9.296/96, quais sejam: determinação judicial; indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal; fato investigado seja punido com pena de reclusão. 4. A competência para determinar a quebra de sigilo telefônico deve ter por parâmetro os fatos apresentados. Se, posteriormente, com a gravação das conversas verifica- a existência de fatos modificativos da competência, tal circunstância, em princípio, não tem o condão de invalidar a prova já produzida. 5. A prova emprestada pode ser utilizada na seara eleitoral, desde que não represente ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa. Como a prova foi oriunda de inquérito policial, cujo contraditório e a ampla defesa são diferidos, não houve prejuízo para acusados. 6. Na presente ação os princípios do contraditório e da ampla defesa foram plenamente observados, cabendo aos Representados/Recorridos requerer, tempestivamente, a produção de provas, o que não foi feito. 7. No mérito, ficou comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio por meio da distribuição gratuita e indiscriminada de combustível para eleitores; nomeação de eleitora para cargo público com a finalidade de obtenção de seu voto e da respectiva família; e pela promessa de realização de cirurgia em uma criança para obter o voto de seus familiares. 8. A prova robusta da instalação de uma organização para a prática de captação ilícita de sufrágio, fatos não contestados pelos Representados/Recorridos, deve ser aplicada a devida sanção legal. 9. Recurso provido. (TRE/GO - RECURSO ELEITORAL nº 79745, Acórdão nº 13882 de 27/06/2013, Relator(a) DORACI LAMAR ROSA DA SILVA ANDRADE, Publicação: DJ - Diário de justiça, Volume 1, Tomo 126, Data 03/07/2013, Página 2/3. )

 

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. PRELIMINAR DE CARÊNCIA DE AÇÃO POR FALTA DE INTERESSE PROCESSUAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO ENTRELAÇADO COM ABUSO DE PODER ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO EM TESE. REJEIÇÃO. PRELIMINAR DE INÉPCIA DA INICIAL POR AUSÊNCIA DE CAUSA DE PEDIR. PROVA EMPRESTADA DE OUTRO EXPEDIENTE COM PARTES DIVERSAS. ADMISSIBILIDADE EM VISTA DA SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO E RESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. REJEIÇÃO. MÉRITO. FRAGILIDADE PROBANTE. NÃO CONFIGURAÇÃO DOS ATOS DA IMPUGNADA NAS CONDUTAS DO TIPO DA AIME. IMPROCEDÊNCIA.

1 - Em tese, o abuso de poder político entrelaçado com o abuso de poder econômico pode ser objeto da AIME. Precedentes. Preliminar de carência de ação rejeitada. 2 - É possível a obtenção de prova emprestada de outro expediente, ainda que as partes não sejam as mesmas, contanto que, no caso, o interesse público seja maior que a preservação da intimidade e seja obedecido o devido processo legal. Precedente do STF. Preliminar de inépcia da inicial rejeitada. 3 - Não há prova suficiente de que a candidata tenha praticado alguma conduta do tipo da AIME. 4 - Representação improcedente. (TRE/PA - Ação de Impugnação de Mandato Eletivo nº 895, Acórdão nº 24364 de 27/10/2011, Relator(a) VERA ARAÚJO DE SOUZA, Revisor(a) ANDRÉ RAMY PEREIRA BASSALO, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 203, Data 11/11/2011.)

Afasto, também, esta preliminar.

e) Ausência de degravação

Foi suscitada a nulidade das gravações das interceptações telefônicas como meio de prova, uma vez que não foi juntada, aos autos, a transcrição integral dos diálogos travados; ou seja, pretende-se nula a prova autorizada judicialmente porquanto não transposta para o papel toda e qualquer palavra proferida nas ligações telefônicas interceptadas - por mais dispensável que tais palavras sejam à instrução do presente processo.

Sobre o conceito de prova nula, cito a doutrina de PACELLI e FISCHER (2013, p. 1013), autores que trataram do tema na seara em que ele é nitidamente mais caro, o processo penal:

Uma importante advertência inicial: a essência fundamental da matéria atinente às nulidades relaciona-se com a necessidade de que o juiz, na aplicação das leis (desde que conformadas estas também com os comandos maiores da Constituição), consiga manter a igualdade entre as partes envolvidas com a questão debatida em juízo e respeite o devido processo legal.

A interpretação dos tópicos que tratam de nulidades está centrada no denominado (para alguns um sistema, dentro do qual estariam outros princípios) da instrumentalidade das formas, que, ao menos para nós, nada mais é do que a consagração da já conhecida parametrização trazida pelo princípio pas de nullité sans grief, o qual, por sua vez, é o comando fulcral do artigo de abertura do presente tópico. Em síntese, não há de se declarar nulidade de determinados atos se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação e para a defesa.

Daí, para a correta solução da preliminar posta, há que se perquirir qual ato judicial objetivamente teria preservado aos representados o devido processo legal e a ampla defesa, neste item da demanda. Ou seja, os recorrentes devem ter recebido acesso facilitado à íntegra do conteúdo das interceptações telefônicas, sob pena de nulidade.

Tal acesso restou absolutamente garantido.

Isso porque foram disponibilizadas cópias das mídias (fl. 1196), o que garante o exercício do direito constitucional de defesa, de forma absolutamente ampla, e atende ao devido processo legal, nos seus vieses formal e material.

Ressalto que a questão não substancia novo desafio a este Tribunal Regional Eleitoral. Transcrevo trecho de julgado no qual a questão foi analisada em seus pormenores. Trata-se do RCED n. 1-66, de relatoria do Dr. Luis Felipe Paim Fernandes, julgado em 06/06/2013:

(...)

c) Preliminar de ausência de transcrição das escutas telefônicas. O emprego de provas emprestadas nos feitos de natureza cível já foi objeto de reflexão de várias cortes da justiça brasileira. Trata-se de procedimento não só legítimo, como também recomendável, haja vista que nos processos de natureza penal as oportunidades de defesa são mais amplas e a verdade que se objetiva é a real. Por ilustrativo, sublinho trecho de ementa colacionada pelo douto procurador regional eleitoral:

(…) 1. A utilização de prova emprestada legalmente produzida em outro processo de natureza criminal não ofende os princípios constitucionais do processo. 2. O amplo acesso à totalidade dos áudios captados realiza o princípio da ampla defesa. De posse da totalidade das escutas, o investigado não possui direito subjetivo à transcrição, pela Justiça, de todas as conversas interceptadas. Não há ofensa ao principio da ampla defesa. Precedentes desta Corte (Inq. 2774, Relator Gilmar Mendes, julgado em 28/04/2011)

Em suma, a prova emprestada submete-se a duplo contraditório – o do processo originário e o do processo recepcionador. O irrestrito acesso às gravações telefônicas e a total possibilidade de impugnar as transcrições porventura incorretas, além de promover as suas próprias compilações, afasta qualquer prejuízo ou cerceamento de defesa.

O Supremo Tribunal Federal já enfrentou, igualmente, a questão – ressalto que as razões de recurso inclusive abordaram tal aspecto. Nessa linha, entendo que os recentes julgamentos referidos nos recursos – o Inquérito 2.774 e a Ação Penal 508, trazem sobretudo debates bem perfilhados, os quais demonstram a reflexão construída sobre o tema na Corte Suprema, mas que não tem o condão, como querem fazer supor os recorrentes, de levar à conclusão de que a única via de preservação da ampla defesa e do contraditório seria a transcrição na íntegra de todo o conteúdo das ligações telefônicas interceptadas, sob pena de nulidade.

Como bem indicado pelo d. procurador regional eleitoral (fls. 1985v./1986):

(…) examinando o inteiro teor do julgamento do Agravo Regimental interposto pelo Ministério Público nos autos da Ação Penal 508, verifica-se um longo debate acerca do tema da degravação, com ênfase para a viabilidade de reexame da questão naquela fase processual. O Ministro Dias Toffoli entende que àquele Colegiado não seria autorizado cassar a decisão do Relator da ação penal originária, que determinou a degravação. Por sua vez, o Min. Joaquim Barbosa mencionou a possibilidade de manter a decisão do Relator sem proclamar nenhuma nulidade em relação à degravação ou não das conversas interceptadas (página 23 do acórdão). Já a Min. Rosa Weber e o Min. Luiz Fux apontaram para a preclusão do tema naquele feito.

Daí se conclui que a tese sustentada pelos recorrentes EMANUEL HASSEN DE JESUS, ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO, ANDREIA PORTZ NUNES, IVO DOS SANTOS LAUTERT não foi exatamente o objeto do julgamento em tela e, portanto, não se pode dizer esteja consolidada na jurisprudência, máxime porque os precedentes do Supremo Tribunal Federal, como referido pelo Min. Gilmar Mendes no Inq. 2774, cuja ementa foi acima colacionada, não acolhem essa tese.

Ademais, trata-se de debate que diz respeito ao processo penal, em que a questionada prova daria supedâneo a uma condenação a pena privativa de liberdade, pela prática dos delitos previstos nos arts. 288, 317 e 319 do Código Penal e art. 90 da Lei de Licitações.

E a leitura das peças do presente processo permite verificar a inexistência de qualquer prejuízo à defesa. A uma, as longas transcrições havidas na petição inicial, na sentença e no parecer da PRE – adianto que no presente voto igualmente haverá – extraíram daquela íntegra de áudio (disponibilizada a todas as partes integrantes da demanda) o que realmente importa na construção das decisões judiciais.

Ora, a mídia de áudio permitiu às defesas tanto conferir os diálogos transcritos nas citadas peças, quanto delas extrair aquilo que lhes importasse.

E tanto tal circunstância está clara que os recorrentes em momento algum argumentam contra o conteúdo das transcrições – se rebelam, a mais não poder, contra a possibilidade de indevidas interpretações desse mesmo conteúdo -, pretendendo na realidade a reavaliação das provas colhidas, e não propriamente a nulidade.

O que se teve no presente processo, enfim, foi a disponibilização integral das interceptações havidas, de forma que com a mera audição da mídia ofertada há a possibilidade de exercício da ampla defesa, com as garantias inerentes ao devido processo legal.

Por tais razões, afasto a preliminar.

f) Interesse de agir

Os recorrentes ANDRÉIA PORTZ NUNES e IVO DOS SANTOS LAUTERT trazem, como já realizado por ocasião da apresentação da defesa, preliminar que sustenta ausência de interesse de agir de parte do Ministério Público Eleitoral.

O cerne do argumento é que a representação por prática de conduta vedada seria permitida somente até a data das eleições - na espécie, 07/10/2012. Colacionam julgado do Tribunal Superior Eleitoral a corroborar a tese – a qual, aliás, transita pelo instituto da decadência e, portanto, mereceria tratamento de mérito.

Todavia, a questão será aqui tratada conforme suscitada, até mesmo porque a data final para o ajuizamento de representação como a da espécie é, sem sombra de dúvida, o dia da diplomação dos representados. Tal exegese decorre de expressa previsão legal.

O art. 73, § 12, da Lei n. 9.504/97, com redação dada pela Lei n.º 12.034/09, é claro ao dispor:

§ 12. A representação contra a não observância do disposto neste artigo observará o rito do art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, e poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

(Grifei.)

Da doutrina, pode ser colhida a lição de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral. 3ª ed – Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2012. p. 509) nesse sentido (grifos meus):

Atualmente, porém, a questão se encontra pacificada por força do disposto no art. 73, § 12, da Lei nº 9.504/97, com redação dada pela Lei nº 12.034/09, o qual estatuiu que a representação por conduta vedada poderá ser ajuizada até a data da diplomação.

E a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral assim também tem entendido, como a ementa de julgado abaixo transcrita bem demonstra:

Representação. Conduta vedada. Litisconsórcio passivo necessário. O agente público, tido como responsável pela prática da conduta vedada, é litisconsorte passivo necessário em representação proposta contra os eventuais beneficiários.

Não requerida a citação de litisconsorte passivo necessário até a data da diplomação - data final para a propositura de representação por conduta vedada -, deve o processo ser julgado extinto, em virtude da decadência. Recursos ordinários do Governador e do Vice-Governador providos e recurso do PSDB julgado prejudicado. (Recurso Ordinário nº 169677, Acórdão de 29/11/2011, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, Publicação: DJE - Diário da Justiça Eletrônico, Tomo 026, Data 06/02/2012, Página 29.)

Saliento que a diplomação dos representados ocorreu no dia 18/12/2012 e a representação foi ajuizada na mesma data, horas antes da cerimônia (mais precisamente às 16h27min do dia 18/12/2012 - vide fl. 02).

Ou seja, obedecidos tanto o prazo decadencial relativo à representação por conduta vedada, quanto para o ajuizamento de ação de investigação judicial eleitoral, eis que para esta (AIJE) o termo final também se dá na data da diplomação, conforme há muito orienta o Tribunal Superior Eleitoral:

AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL. PRAZO PARA A PROPOSITURA. AÇÃO PROPOSTA APÓS A DIPLOMAÇÃO DO CANDIDATO ELEITO. DECADÊNCIA CONSUMADA. EXTINÇÃO DO PROCESSO.

A ação de investigação judicial do art. 22 da Lei Complementar no 64/90 pode ser ajuizada até a data da diplomação.

Proposta a ação de investigação judicial após a diplomação dos eleitos, o processo deve ser extinto, em razão da decadência.

(RP - REPRESENTAÇÃO nº 628 – brasília/DF, Acórdão nº 628 de 17/12/2002, Relator Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA - Diário de Justiça, Volume 1, Data 21/03/2003, Página 144.) (Grifei.)

Não há falar, dessa forma, em decadência. Afasto a preliminar.

g) Ilegalidade da prova por desvio de finalidade

EMANUEL HASSEN DE JESUS e ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO entendem ter havido desvio de finalidade das provas derivadas da interceptação telefônica, pois trechos das conversas teriam sido divulgadas em meios de comunicação social.

Entendem, por tal motivo, ser a prova nula.

De fato, há documentação (fls. 1775/1777) que comprova os fatos de que a tanto a RBSTV quanto o jornal O FATO NOVO veicularam trechos das conversas. Ambas as divulgações ocorreram em 21 de dezembro de 2012. Tal dado é importante porque, não acobertado por sigilo de qualquer ordem, a representação já havia sido ajuizada – protocolo em 18 de dezembro de 2012 (fl. 2).

Daí, o que se percebe, ao contrário do afirmado pelos recorrentes, é o livre exercício do jornalismo, assegurado constitucionalmente. Se devidas ou indevidas, justas ou injustas as divulgações, são questões que merecem searas próprias de tratamento, as quais não são certamente a presente demanda. E, mesmo após resolvidas as questões de eventuais prejuízos à imagem dos recorrentes, é certo que as divulgações não têm o condão de macular a licitude das interceptações. Não se vislumbra qualquer prejuízo à realização de defesa, qualquer mácula ao contraditório.

Cito, do parecer da PRE, o seguinte trecho, por todo esclarecedor (fl. 1987v.):

Além disso, e com a devida vênia, exorbita a interpretação que confere a tais divulgações a dimensão penal do art. 10 da Lei n.º 9.296/96, avistando nos fatos a realização de interceptação com objetivos não autorizados em lei. A toda evidência, o só ajuizamento de AIJE para cassação dos mandatários recém-eleitos e com a imputação de tais práticas já é de per si causador de comoção pública, gerando compreensível abalo na comunidade, a qual tem o direito à informação a respeito, inclusive ao conhecimento das razões de fato que moveram o órgão agente, em hipótese não acobertada pelo sigilo, não se aplicando à espécie o § 11 do art. 14 da Constituição Federal.

Impróprio, de conseguinte, concluir-se pelo desvio de finalidade a conferir nota de ilicitude à prova meramente a partir da divulgação pública de diminutos trechos das falas interceptadas, no evidente propósito de garantir-se à comunidade envolvida um mínimo de acesso à informação sobre fato da maior relevância jurídica e política.

Portanto, afasto a preliminar.

 

h) Nulidade em razão do indeferimento de diligência

Por seu turno, IVO DOS SANTOS LAUTERT suscita preliminar, aduzindo que o indeferimento de perícia contábil teria acarretado cerceamento de sua defesa. Pleitou realização de perícia contábil, na qual a intenção seria demonstrar que os atos administrativos praticados como prefeito de Taquari foram revestidos de lisura.

Transcrevo a fundamentação do juízo de 1° grau, ao decidir pela não realização da diligência requerida (fl. 1656):

A singeleza da análise da documentação acostada faz prescindir de prova técnica especializada. Ademais, poderia o representado, caso entendesse errônea a interpretação dada pelo Ministério Público Eleitoral aos documentos examinados, apontar quais seriam exatamente os pontos equivocados e qual seria a correta interpretação. Não o fez, preferindo postular medida meramente protelatória.

O pedido, de fato e claramente, teve intuito protelatório. Trata-se de requerimento genérico, relativo a uma questão periférica e que, com certeza, demandaria razoável período de tempo para sua realização, pois visa a periciar contabilmente todas as contas da Prefeitura Municipal de Taquari, ao longo de um mandato eletivo.

Afasto, também, esta preliminar.

Rejeito, portanto, todas as prefaciais arguidas pelos recorrentes EMANUEL HASSEN DE JESUS, ANDRÉ LUIS BARCELLOS BRITO, ANDREIA PORTZ NUNES e IVO DOS SANTOS LAUTERT.

Mérito

Trata-se de ação de investigação judicial eleitoral – AIJE, cumulada com representação por conduta vedada em face de IVO DOS SANTOS LAUTERT, ANDRÉIA PORTZ NUNES, ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO E EMANUEL HASSEN DE JESUS.

As práticas atribuídas aos recorrentes englobam as seguintes espécies de ilícitos eleitorais:

(1) condutas vedadas a agentes políticos;

(2) abuso de poder econômico e de autoridade;

(3) captação ilícita de sufrágio.

A sentença condenou os recorrentes pela prática de captação ilícita de sufrágio (art. 41-A da Lei das Eleições) e por abuso de poder político-econômico (art. 22, XIV da Lei Complementar n. 64/1990), não enquadrando as condutas na prática de condutas vedadas (art. 73 da Lei n. 9.504/97)

A uma brevíssima análise de cada um dos três temas, em tese.

1. Condutas vedadas a agentes políticos

A Lei n. 9.504/97 traz capítulo específico sobre as condutas vedadas aos agentes públicos durante a campanha eleitoral, na formulação trazida nos arts. 73 a 78, trazendo a inicial fatos que se enquadrariam no art. 73, incisos I, II, IV, e § 10, a seguir transcritos:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;

II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;

(...)

IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

(…)

§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa.

O doutrinador Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, p. 502/503) traz lição sobre as condutas vedadas:

As condutas vedadas – na esteira de entendimento da doutrina e jurisprudência – constituem-se como espécie do gênero abuso de poder e surgiram como um antídoto à reeleição, a qual foi instituída através da EC nº 16/97. Em verdade, pode-se conceituar os atos de conduta vedada como espécies de abuso de poder político que se manifestam através do desvirtuamento dos recursos materiais (incisos I, II, IV e §10º do art. 73 da LE), humanos (incisos III e V do art. 73 da LE), financeiros (inciso VI, a, VII e VIII do art. 73 da LE) e de comunicação (inciso VI, b e c do art. 73 da LE) da Administração Pública (lato sensu). (...)

O bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Neste giro, exigir prova da potencialidade da conduta na lisura do pleito equivale a um amplo esvaziamento da norma preconizada, porquanto imporia, ao representante, duplo ônus: a prova da adequação do ilícito à norma (legalidade estrita ou taxatividade) e da potencialidade da conduta. O prevalecimento desta tese importa o esvaziamento da representação por conduta vedada, pois, caso necessária a prova da potencialidade, mais viável o ajuizamento da AIJE – na qual, ao menos, não é necessária a prova da tipicidade da conduta. Em suma, o bem jurídico tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da isonomia entre os candidatos, não havendo que se exigir prova de potencialidade lesiva de o ato praticado afetar a lisura do pleito. Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra – salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

Como se verifica, o bem jurídico tutelado é a isonomia entre os concorrentes ao pleito. As hipóteses relativas às condutas vedadas são taxativas e de legalidade restrita, sendo que “a conduta deve corresponder ao tipo definido previamente” (Recurso Especial Eleitoral n. 24.795, Rel. Luiz Carlos Madeira).

2. Abuso de poder político/econômico

Sobre a conceituação de abuso do poder econômico, colho, na doutrina de JAIRO GOMES (Direito Eleitoral. Del Rey, Belo Horizonte. 5ª Edição, 2010, p. 167):

Por abuso de poder compreende-se a realização de ações exorbitantes da normalidade, denotando mau uso de recursos detidos ou controlados pelo beneficiário e a ele disponibilizados, sempre com vistas a exercer influência em disputa eleitoral futura ou já em curso. As eleições em que ele se instala resultam indelevelmente maculadas, gerando representação política mendaz, ilegítima, já que destoante da autêntica vontade popular.

No tópico, cito, ainda, a recente jurisprudência do TSE:

O abuso de poder econômico ocorre quando determinada candidatura é impulsionada pelos meios econômicos de forma a comprometer a igualdade da disputa eleitoral e a própria legitimidade do pleito.

(Recurso Especial Eleitoral nº 470968, Acórdão de 10/05/2012. Relatora Min. Nancy Andrighi.)

Além disso, para a apuração do abuso de poder, quer seja ele de autoridade/político ou econômico, faz-se necessária a propositura da ação de investigação judicial eleitoral, para cuja procedência deverá restar demonstrada, modo inequívoco, a violação do bem jurídico protegido - qual seja, a normalidade e legitimidade do pleito, nos termos da doutrina de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, p. 446/448):

A AIJE visa proteger a normalidade e legitimidade do pleito, na forma prevista pelo art. 14, §9°, da CF. Por conseguinte, para a procedência da representação de investigação judicial eleitoral é necessária a incidência de uma das hipóteses de cabimento (abuso do poder econômico, abuso do poder de autoridade ou político, utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social e transgressão de valores pecuniários), além da prova de que o ato abusivo teve potencialidade de influência na lisura do pleito.

Inicialmente, a Corte Superior exigia que o ato de abuso tivesse relação direta com a alteração do resultado final do pleito, mediante a demonstração de um cálculo aritmético (abuso vs diferença de votos entre os candidatos). Na expressão do Ministro Sepúlveda Pertence, o autor da representação necessitava provar a “demonstração diabolicamente impossível do chamado nexo de causalidade entre uma prática abusiva e o resultado das eleições”. Atualmente, o TSE tem exigido a potencialidade de influência do ato na lisura do pleito para a procedência da AIJE, tornando despicienda a prova direta do nexo causal entre o ato abusivo e a eleição do beneficiado pelo ilícito. Diante da possibilidade de julgamento da ação de investigação ainda antes da eleição, tanto que é prevista sanção de cassação do registro, sendo desconhecido o resultado do pleito, mais adequado afirmar que basta a demonstração da potencialidade lesiva do ato abusivo.

Conforme dispõe o inciso XVI do art. 22 da LC nº 64/90, com a redação dada pela LC nº 135/10, “para a configuração do ato abusivo, não será considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado da eleição, mas apenas a gravidade das circunstâncias que o caracterizam”. O comando normativo não torna superada a exigência da potencialidade lesiva, substituindo-a pela gravidade das circunstâncias, como uma primeira leitura da regra pode sugerir. Com efeito, como assentado outrora, “a nova regra, apenas, desvincula a configuração do abuso de poder (em sua concepção genérica) do critério exclusivamente quantitativo – que é o resultado do pleito –, até mesmo porque a ação de investigação judicial eleitoral pode ser julgada antes do pleito”, sendo certo que “o efeito constitutivo do abuso de poder (em sua concepção genérica) permanece caracterizado pela potencialidade lesiva, a qual, agora, tem suas feições delineadas, no caso concreto, pela gravidade das circunstâncias do ilícito”. Neste norte, “o ato abusivo somente resta caracterizado quando houver o rompimento do bem jurídico tutelado pela norma eleitoral (normalidade e legitimidade do pleito), configurando-se o elemento constitutivo do ilícito seja com o reconhecimento da potencialidade lesiva – como, desde sempre, assentado pela jurisprudência do TSE – seja com o reconhecimento da gravidade das circunstâncias – como definido pela nova regra exposta pelo art. 22, inciso XVI, da LC nº 64/90. Ambas as expressões – potencialidade lesiva e gravidade das circunstâncias –, em suma, revelam-se como elementos caracterizadores do ilícito, daí que se demonstra estéril a discussão semântica das nomenclaturas adotadas, porque, no fundo, as duas denotam um mesmo e unívoco conceito, já que o que importa, em verdade, é a violação ao bem jurídico protegido pelas ações de abuso genérico”.

Em síntese, a gravidade das circunstâncias dos ilícitos praticados consiste na diretriz para a configuração da potencialidade lesiva do ato abusivo, permanecendo ainda hígidos os critérios já adotados usualmente pelo TSE, sendo relevante perquirir como circunstâncias do fato, v.g., o momento em que o ilícito foi praticado – na medida em que a maior proximidade da eleição traz maior lesividade ao ato, porque a possibilidade de reversão do prejuízo é consideravelmente menor –, o meio pelo qual o ilícito foi praticado (v.g., a repercussão diversa dos meios de comunicação social), a hipossuficiência econômica do eleitor – que tende ao voto de gratidão –, a condição cultural do eleitor – que importa em maior dificuldade de compreensão dos fatos expostos, com a ausência de um juízo crítico mínimo.

3 – Captação ilícita de sufrágio

Trata-se da infração eleitoral prevista no art. 41-A da Lei nº 9.504/97, que assim dispõe:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64 de 18 de maio de 1990. (Grifei.)

Francisco de Assis Sanseverino (Compra de Votos – Análise à Luz dos Princípios Democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p. 274.) leciona que o art. 41-A da Lei n. 9.504/97 protege genericamente a legitimidade das eleições e, especificamente, o direito de votar do eleitor e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Além disso, assevera o autor que, para o enquadramento da conduta na moldura do texto legal do art. 41-A, deve haver a compra ou negociação do voto, com promessas de vantagens específicas, de forma a corromper o eleitor. Já as promessas de campanha eleitoral, embora também dirigidas aos eleitores com a finalidade de obter votos, têm caráter mais genérico.

Ainda no campo doutrinário, assevera Zílio (Direito Eleitoral, 3ª Ed, 2012, p. 491):

Para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável. Neste passo, é necessário traçar o elemento distintivo entre a captação ilícita de sufrágio – que é vedada – e a promessa de campanha – que, em princípio, é permitida. Quando a conduta é dirigida a pessoa determinada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio. Diversa é a hipótese de uma promessa de campanha, que é genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem uma proposta em concreto como condicionante do voto. (…)

Ademais, segundo a interpretação do TSE, a captação ilícita pressupõe pelo menos três elementos: 1 - a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2 - a existência de uma pessoa física (eleitor); 3 - o resultado a que se propõe o agente (obter o voto).

Ou seja, para a configuração da hipótese do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, é necessária a conjugação dos citados elementos subjetivos e objetivos.

Ao exame dos autos e da prova propriamente dita.

A presente ação é efeito do Inquérito Civil nº 00912.00009/2012, instaurado pelo Ministério Público da 56ª Zona Eleitoral em 17 de dezembro de 2012. O procedimento visou a investigar denúncias de abuso de poder econômico e de autoridade, captação ilícita de sufrágio e prática de condutas vedadas aos agentes políticos, durante o período eleitoral, no Município de Taquari/RS.

Conforme fl. 45, denúncias de cidadãos levaram notícias ao Ministério Público Eleitoral no sentido de que a recorrente ANDRÉIA PORTZ NUNES, embora afastada do cargo de secretária municipal de saúde de Taquari, permanecia a interferir nos assuntos da referida pasta. Mais: tal interferência se daria de forma desobediente à legislação eleitoral, pois se substanciaria na entrega de medicamentos e na triagem de pedidos diversos (exames, por exemplo), a fim de obter vantagem eleitoral.

Em suas diligências, o Ministério Público Eleitoral solicitou à Secretaria Municipal de Saúde de Taquari as informações referentes a exames médicos, consultas especializadas e próteses destinadas, por aquela secretaria, aos munícipes.

O pedido referiu os seguintes períodos: julho e agosto de 2011, e julho e agosto de 2012 (fl. 53).

Em resposta, a Secretaria Municipal de Saúde de Taquari remeteu ofício (fl. 56).

O parquet eleitoral concluiu ter havido “expressivo incremento das atividades prestadas pela aludida pasta nos meses que antecedem esta eleição, para a qual concorre para o cargo de vereadora a ex-secretária da saúde de Taquari, Andréia Port”, de maneira que oficiou à Delegacia de Polícia de Taquari, para fosse instaurado procedimento investigatório (fl. 80).

O passo seguinte do Ministério Público Eleitoral foi requerer, ao juízo de 1° grau, que a prova produzida no Inquérito Policial n. 3/2012/152105/A fosse juntada aos presentes autos. O pedido foi deferido, constando cópia do referido inquérito nas fls. 257/1.186 e 1.214/1.334.

Restou, ainda, autorizada a quebra do sigilo telefônico de ANDRÉIA PORTZ NUNES, exatamente porque desde as denúncias havia indícios de que esta recorrente era a peça principal do esquema de uso da máquina pública para fins eleitorais, e da concessão de benesses em troca de votos.

Para o prosseguimento da presente análise, merecem relevo as seguintes circunstâncias: a recorrente ANDRÉIA PORTZ NUNES (titular da pasta da Secretaria de Saúde durante a administração do recorrente IVO DOS SANTOS LAUTERT, e candidata ao cargo de vereadora pelo Município de Taquari) vive em regime de união estável com o recorrente ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO, candidato a vice-prefeito na chapa encabeçada pelo recorrente EMANUEL HASSEN DE JESUS. A chapa candidata aos cargos majoritários no Município de Taquari, “MANECO E ANDRÉ”, foi apoiada, de maneira notória e incontroversa, pelo então prefeito daquela cidade, IVO DOS SANTOS LAUTERT.

Passo, a partir de agora, a transcrever a minudente e exaustiva análise de prova realizada pelo juízo de 1° grau. Ressalvo que é possível perceber a atenção da magistrada sentenciante aos mínimos detalhes, ao contexto em que as escutas foram realizadas e, sobretudo, a seriedade da valoração do conteúdo obtido.

Em 28 de setembro de 2012, às 10h15m55s, a representada Andréia Portz Nunes recebeu um telefonema de uma pessoa identificada como Marilei.

Eis o diálogo:

10h15m55s

Andréia – oi

Marilei – é a Andréia?

Andréia – sim.

Marilei – Andréia, é a Marilei, tudo bom?

Andréia – tudo bom.

Marilei – o Andréia, eu vou te incomodar um pouquinho. Será que tu não consegue marcar um exame pra mim, lá na ‘saúde’?

Andréia – exame de quê que era, minha veia.

Marilei – é do coração, que eu tenho que fazer. Não precisa ser pra agora assim, sabe, nem que tu consiga mais pra diante.

Andréia – aham, tu não sabe que exame que é?

Marilei – ecocardiograma com duplo colorido e não sei o que, e uma

ergometria.

Andréia – aham, deixa ali com a Nica pra Mari..., ou com as gurias na ‘saúde’ lá pra nós vê daí.

Marilei – tá, deixar com quem?

Andréia – com a Néia, pode ser.

Marilei – tá.

Andréia – tá.

Marilei – não vai vim pra ‘praia’ hoje?

Andréia – não, acho que não. Ah, é a Marilei do Vilson. O Marilei, pode deixar ali, é que eu não tava reconhecendo a voz direito, no telefone fica ruim. Deixa ali com a Lucinéia, lá na ‘saúde’, tá?

Marilei – tá.

Andréia – e diz pra ela que fui eu que mandei deixar contigo, com ela.

Marilei – tá.

Andréia – pra nós agilizar o mais de pressa possível. Tá Marilei.

Marilei – tá. Não precisa ser pra agora.

Andréia – tá. Eu vou tentar descer pra ‘praia’ hoje, mas eu tenho tanta coisa pra fazer que eu to perdida até nas minhas coisa.

Marilei – ontem eu fui lá na minha prima e consegui uns votinhos pra ti.

Andréia – ai, que bom.

 

Na mesma data, 28-9-2012, às 13h04m22s, a representada Andréia Portz Nunes telefonou para a clínica “Nossa Clínica”, determinando a realização de uma ecografia:

 

Iara – Nossa Clínica, boa tarde.

Andréia – oi, é a Marcela?

Iara – é Iara, a Marcela só a uma e meia.

Andréia – a tá, não, então tá, o Iara, é só que eu vou mandar a Etiene ai, uma menina que tá com uma ecografia, e o Dr. Wagner (Wagner Rosa Bizarro, médico contratado da prefeitura municipal de Taquari e que disponibilizou quatro ecografias em sua clínica particular para que a então candidata Andréia Portz Nunes distribuisse entre seus eleitores) me deu uma cota de quatro ecografias, pra botar na minha cota.

Iara – mas é Etiene de que?

Andréia – é Andréia, Etiene Silva.

Iara – tá, tu queres que eu passe pra Marcela?

Andréia – aham, essa ecografia da Etiene Silva daí, tá, que a Marcela sabe o que quê é.

Iara – tá certo.

 

Colaciono outros trechos de conversas nas quais a representada Andréia Portz Nunes operacionaliza a troca de favores obtidos por meio da Secretaria Municipal de Saúde por apoio político e votos para si e para seus correligionários:

 

Dia 29/9/2012, às 11:18:55 – conversa de Andréia com Macalé, o qual informa que já resolveu o problema do poste na Lagoa Seca e está no Rincão e fala sobre consulta de parente, sendo que Andréia diz que vai segunda-feira de manhã na casa dela para resolver o problema. Andréia diz para a tal parente, que Macalé vai pegar o carro de André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de viceprefeito e companheiro de Andréia) e junto com ela irão na casa da parente pegar ela para resolver o problema.

A tal parente já teria entregue a documentação para o exame na secretaria da saúde, porém até o momento não teria sido atendida.

 

Dia 30/09/2012, às 11:30:14 – conversa de Andréia com Macau sobre a carreata e pergunta quem pode abrir a ‘farmácia’ e pegar um 'tamiflu' para a Nica. (Farmácia da Secretaria da Saúde).

 

Dia 01/10/2012, às 14h33m16s – Andréia conversa com Eugênio (Eugênio Vitor da Costa), o qual pergunta como ela está de tempo e diz que tem que visitar Ivan e o Matraca da oficina. Se refere ao Matraca como sendo aquele que arrumaram uma cirurgia de úlcera para ele. 16h04m05s – conversa de Andréia com Marília sobre aparelho de medir diabetes, sendo que Marília pergunta se é difícil de conseguir tal aparelho e Andréia diz que não, porém ela precisa estar na secretaria da saúde para conseguir. Andréia diz ainda que Marília pode garantir que consegue o aparelho.

 

Dia 03/10/2012, às 09h31m17s – conversa de Andréia com Macau (Maria do Carmo da Silva Santos, servidora da prefeitura municipal de Taquari, ocupante de cargo em comissão e lotada na Secretaria de Saúde), sendo solicitado para Macau empenhar uma colonoscopia.

 

16:22:06 – conversa de Andréia com uma mulher, Eliane, sobre um exame solicitado por Rodrigo da funerária (Cocó). Andréia pergunta se Eliane vai levar para ela analisar os documentos, mas logo em seguida pergunta onde Eliane mora e diz que vai até o local. Eliane fornece o endereço como sendo Viela 455, nº 250, Rincão São José, proximidades da casa do Nelson leiteiro. Andréia diz que vai até o local conversar com Eliane.

 

16h38m57s – conversa de Andréia com Macau(Maria do Carmo da Silva Santos, servidora da prefeitura municipal de Taquari, ocupante de cargo em comissão e lotada na Secretaria de Saúde), sobre uma mulher que Macalé teria para Andréia agilizar um exame. Andréia pede para Macau solicitar ao hospital uma requisição de uma ecografia. Macau diz que não vai conseguir, pois o plantão é o Dr. Luís. Andréia manda Macau ligar para Macalé (Manoel Noari da Rosa, servidor da prefeitura municipal de Taquari) e pegar os dados da tal mulher, porém refere que já existe pedido na secretaria da saúde, que a Marione tem os dados dela.

 

17h40m37s – conversa de Andréia com um homem não identificado, e diz que o exame está pronto, que é para ele passar no diretório que ela entrega para ele.

 

20h47m37s – conversa de Andréia com Amilton, amigo do Betinho, e precisa fazer fisioterapia e pergunta para Andréia como pode fazer, sendo respondido que é para ele deixar os documentos com Betinho (o representado André Luís Barcello Brito tem um irmão de nome Paulo Roberto Barcellos Brito, também conhecido por Betinho) que ela retorna depois.

 

Dia 04/10/2012, às 09h06m56s – Andréia conversa com Macalé (Manoel Noari da Rosa, servidor da prefeitura municipal de Taquari) sobre exame solicitado por ele para uma mulher do Rincão, sendo que Andréia informa que o caso foi passado para Macau (Maria do Carmo da Silva Santos) e está sendo resolvido. Macalé diz que Macau ligou para ele para saber os dados da tal mulher e ele disse que estaria com a Marione (Marione Vilanova Nonnenmacker, secretária de saúde interina).

 

09h14m59s – conversa de Andréia com Laura, irmã da Ivete, solicita para Andréia ver se consegue agilizar um exame, pois já faz cinco meses que ela precisa fazer, tendo em vista que está com uma prótese frouxa. Andréia pede para Laura deixar na casa de Tati que logo passará para pegar o exame.

 

09h45m04s – conversa de Andréia com Eliane, a qual solicita para Andréia agilizar um exame, pois esta precisando muito. Andréia pergunta onde é mesmo que Eliane reside, sendo respondido que no Rincão, proximidades do Nelson leiteiro. Andréia então manda Eliane levar os documentos até o diretório e então ligar para ela que irá até o local para conversar.

 

13h51m33s – Andréia fala com Macau (Maria do Carmo da Silva Santos) sobre Tuani da Fátima, sendo que ela precisa de um encaminhamento para oftalmo. Andréia pede que Macau vá até a esquina, no carro da Aninha, para pegar os documentos. Tuani é vizinha e prima de Macau.

 

14h30m29s – Andréia fala com um homem, o qual pergunta sobre a fisioterapia, pois teria deixado documentos com Betinho no dia anterior e Andréia diz que vai falar com ele.

 

Dia 05/10/2012, às 09h17m06s: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) telefona para Andréia e manda ela anotar: telefonar para o Eugênio para ir no Nelson Bastos, no Macaco perto da Odete e no setor da Creche Vó Laura, pois o Eugênio disse que ela queria lhe levar para fazer umas visitas para arrumar uns votos. Ainda, André diz que o Maneco mandou Andréia procurar o Tiaguinho (Dr. Tiago Brandão Porto, advogado do representado Emanuel) por causa daquilo. Andréia diz que vai tentar, pois hoje pela manhã já estiveram várias pessoas ali. Ele manda ela ter cuidado e pergunta quem, e ela cita a Michele da Solange, dizendo que deu umas válvulas para a avó dela (“mandei umas válvulas para a vó dela, fui lá e quitei ela e daí já consegui o namorado dela, mais um monte de gente da família dele”). Diz que o Hélio do CTG também esteve ali e está fechadinho com eles, 16 votos só da família dele, fora o que ele iria conseguir do CTG

 

09h21m43s - Eliane telefona para Andréia e pergunta se ela conseguiu seus exames. Andréia diz que já ligou para a Macau (Maria do Carmo da Silva Santos) marcar a tomo e depois o outro, está tudo certo e ela pode ficar tranqüila.

 

09h41m33s - Aninha telefona para Andréia. Diz que encontrou Macalé na lagoa e que ele não recebeu nada para levar para aquela mulher ainda. Aninha diz que falou para ele que Andréia já havia solicitado isso para a Macau (Maria do Carmo da Silva Santos). Aninha orientou Macalé a ir lá na Macau pedir, porque Andréia já havia solicitado à Macau que fizesse aquilo. Andréia fala que era só pegar e trocar a requisição, que não existia outra coisa. Andréia fica de dar um toque na Macau para avisar que o Macalé está indo lá.

 

09h45m55s: Laura telefona para Andréia. Laura pergunta se Andréia pegou seu exame na Tati e Andréia diz que não, mas que fará isso na primeira hora da tarde.

 

11h50m46s - Andréia para Marione (Marione Vilanova Nonnenmacker, secretária de saúde interina), que diz que está no comitê com o André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de viceprefeito e companheiro de Andréia) e o Ivo (representado Ivo dos Santos Lautert, na época prefeito municipal). Andréia pede para ela verificar se tem bicarbonato de lítio na Saúde. Andréia alega para ela que o Ademir está conseguindo na Saúde tal substância e entregando para todo mundo. Marione diz que ela tem que falar com a Fafá, que está mandando o 'Cotonete' (Márcio Alexsandro Schwingel dos Santos, servidor da prefeitura municipal de Taquari) pegar direto.

 

13h14m48s - Marilei liga para Andréia, diz que uma vizinha sua que havia solicitado remédio para Andréia está tentando lhe ligar sem sucesso. Andréia pergunta se ela mora do lado da casa de Marilei e esta responde que mora na frente e que são dois votos para Andréia. Andréia pergunta que remédio é esse e Marilei diz que não sabe, mas alega que a tal pessoa falou com a Laura e que a Laura está só enrolando ela. Andréia fica de passar na casa de Marilei em seguida para pegar (nome/receita) e ver se tem.

 

13:55:27: uma mulher (Marília) liga para Andréia, pergunta se ela já falou com a Macau, sendo respondido que está tentando sem sucesso. A mulher diz que está ali e que passará seu telefone para ela. Depois, a mulher pergunta se tem como Andréia ligar para o Adélcio (proprietário do estabelecimento Comercial Elétrica) para a interlocutora ir lá ver 'o negócio do poste'. Andréia fala que o telefone é 3499 e que já vai ligar para ele. A interlocutora entrega seu telefone para Macau e Andréia diz para Macau que vão ter que marcar aquela colonoscopia. Macau diz que não tem como, que em Lajeado é R$ 1.300.

Andréia pergunta se não conseguiram fazer em Agudo, sendo respondido que não em razão da falta de pagamento de um último. Andréia diz “pede para a Verinha empenhar esse último ali e mandar agendar esses aí ou tu agenda para as pessoas já para bem mais tarde, adenda pra novembro, dezembro”. Macau pergunta se já não está marcado no papel e Andréia diz que não. Macau diz que vai marcar. Andréia diz para marcar e xerocar tudo, com a data certinha. Que é para entregar um papel para a pessoa e outro mandar para Andréia.

 

16:06:11: Marilei liga novamente para Andréia e pergunta se ela está indo. Andréia pergunta o que era mesmo, pois ela esqueceu. Marilei fala do remédio da vizinha e Andréia diz que vai pedir para a Aninha do Genis ver isso para ela. Marilei reafirma que são dois votos para Andréia.

 

17h33m04s - Rosa (ela se identifica como Rosa do Rogério) liga para Andréia e pergunta se Andréia esqueceu dela. Depois, pergunta para Andréia qual ajudinha ela vai lhe dar. Andréia pergunta “de que?”. A mulher alega estar com problemas de saúde e diz que seus remédios são muito caros e ela não está conseguindo. Andréia diz para ela falar com Erci e passar para ela os seus remédios. Rosa fala que tem trinta e poucos votos garantidos para Andréia e que é para Andréia fazer uma forcinha.

 

21:36:00: Erci liga para Andréia. Falam sobre fazer boca de urna. Andréia diz que quer que Erci veja a situação da Rosa do Rogério até amanhã, pois a Rosa lhe ligou e ela não sabia de nada, que a mulher estava trabalhando há tempos para ela. Erci fica de ver e se falarem amanhã.

 

21.43.36: Erci liga novamente, diz que falou com ela e que ela garantiu 40 votos. Erci diz que a mulher quer uma ajudinha em gasolina. Andréia diz que ela pode fechar com ela e que amanhã conversam melhor.

 

Dia 06/10/2012, às 11h54m17s – uma mulher (Aninha Muxfiledt) liga para Andréia e diz que está com a receita no carro, que a senhora aquela lhe deu e pergunta para Andréia se ela tem o remédio ou se a interlocutora deve comprar e levar o remédio logo para ela. Andréia manda comprar e levar, pois aí esse problema já fica resolvido, e depois Andréia acerta com a interlocutora. A interlocutora ainda pergunta pelos exames da menina e Andréia diz que isso fica para segunda-feira.

 

15h18m28s – Macalé telefona para Andréia e diz que tem uns 15 parentes que vem votar. Que eles estão no Rincão, na casa daquela mulher para quem conseguiram o exame, que vão se reunir lá e ele vai fazer uma janta. Pede ajuda para o alvo para fazer a janta e diz que ela pode ir com ele lá à noite. Ela diz que vai falar com o Dé (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) e lhe dá retorno.

 

16h35m44s - Marília liga para Andréia e pergunta se ela consegue um eletrocardiograma para a Dorides, e ela diz que consegue, que Marília pode pegar, pode fechar.

 

18:11:17: Laura liga para Andréia e pergunta se depois das eleições, quando ela voltar, tem como buscar o pai de uma pessoa em Pelotas com o carro da Saúde, alegando que toda a família é eleitora de Andréia. Andréia diz que pode ser, nem que seja com o carro dela. Que pode garantir o carro para a pessoa.

 

Relações espúrias com empresários prestadores de serviços terceirizados da prefeitura municipal de Taquari.

 

Conforme restou comprovado nos autos, a utilização da máquina administrativa pelos requeridos foi além da Secretaria Municipal da Saúde.

 

As interceptações telefônicas demonstraram que prestadores de serviços do Município foram pressionados a “patrocinarem” a campanha dos requeridos, sendo o dinheiro injetado em um 'caixa dois', pois tais valores não foram declarados nas prestações de contas.

Com efeito, nas conversas interceptadas no dia 04/10/12, a requerida Andréia Porta Nunes liga para Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari, prestadora de serviços da Prefeitura Municipal, a fim de cobrar a “ajuda” que o pai de Douglas daria para sua campanha:

 

11h07m06s – conversa de Andréia com Douglas sobre uma ajuda que o pai dele daria para ela, mas Douglas refere que faz mais de dois meses que não entra dinheiro da prefeitura. Andréia diz que já falou com Lenira e já está entrando dinheiro dos impostos e que Douglas pode lhe dar dois cheques pré de R$500,00 (quinhentos reais) para trinta dias.

 

Dia 04/10/2012, às 19:11:21 – Andréia liga para Macau e solicita o número do telefone Ana Castro (Ana Maria Junqueira Castro, técnica em enfermagem da secretaria da saúde e mãe do empresário Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari).

 

19:13:51 – Macau liga para Andréia e passa o número do telefone de Ana Castro, qual seja, 51-97338872. 19:14:46 – Andréia fala com Ana Castro (Ana Maria Junqueira Castro, técnica em enfermagem da secretaria da saúde e mãe do empresário Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari) sobre algo que Douglas teria ficado de lhe entregar. Ana diz que Douglas não está em casa, porém retorna a ligação quando estiver com 'eles' (cheques) na mão. Andréia pergunta se na vai no comício, sendo respondido que sim, então Andréia solicita que ela leve o prometido no comício.

 

Dia 05/10/2012, às 08:38:54: Andréia fala com Ana (Ana Maria Junqueira Castro, técnica em enfermagem da secretaria da saúde e mãe do empresário Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari) e pergunta se deu certo aquele negócio, sendo respondido que sim, inclusive está ali com ele no Passo da Aldeia. Andréia diz para trabalharem até o final da semana para conseguirem mais votos. Ana diz que tem que fazer aquela visita em Campo Bom e que deixou para amanhã justamente para isso, diz que vai levar dois de cada família. Andréia manda Ana entregar um santinho seu. Ana se lamenta, dizendo pena que não podem fazer visitas em todas as casas. Ana pede que Andréia sempre dê uma força para seu filho Douglas, como ela sempre deu. Andréia diz que vai mandar a NICA ou o AMARELO pegarem com ela.

 

08:42:35: Andréia liga para NICA, que diz que está na prefeitura. Andréia pede para Nica pegar uns cheques (os dois cheques de R$ 500,00 prometidos por Douglas) com a Ana Castro (mãe de Douglas) no 'postinho' do Passo da Aldeia. Nica diz que é aquele junto com a

associação, sendo confirmado. Andréia pede que ela pegue e os largue em sua casa, que está esperando. Arroladas pelo Ministério Público e ouvidas em juízo, as testemunhas Douglas Junqueira Castro e Ana Maria Junqueira Castro negaram haver dado dinheiro para a campanha dos representados em troca de liberação de pagamentos junto à prefeitura.

 

Entretanto, suas versões são inverossímeis e desmentidas tanto pelas interceptações telefônicas quanto pela prova documental que comprova a inversão na ordem dos pagamentos em favor da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari, por ordem do representado Ivo dos Santos Lautert. Além deste, outros empresários prestadores de serviços para a Prefeitura Municipal tiveram seus pagamentos adiantados em troca de capital para o financiamento da campanha dos representados, como se conclui das provas obtidas por meio das interceptações telefônicas:

 

11:36:17 – Andréia liga para a prefeitura e pergunta se já pagaram o Silvinho, sendo que não souberam informar, mas achavam que não.

 

11:47:14 – Andréia Portz Nunes: Lenira, eu liguei pra ti antes...

Lenira : Ah, pois é...

Andréia Portz Nunes: Não, só pra ver se já tinham acertado com o resto do pessoal, não acertaram ninguém?

Lenira Bizarro de Vargas: Não, não acertaram, eu até vou falar com o Ivo agora de manhã ou na primeira hora da tarde pra ver se ele libera algum dinheiro pra essa gente pra essa gente poder pagar, né, antes das eleições...

Andréia Portz Nunes: Eu já falei tenta ver isso aí pra mim, Lenira, e depois tu me liga, tá?

Lenira Bizarro de Vargas: Porque o Silvinho foi pra Montenegro pra ver uns exames lá, ele não tava ai, eu tentei falar com ele hoje de manhã mas ele não tava, tinha ido pra Montenegro. Eu vou ver se de tarde o Ivo libera um pouco dos pagamentos...

Andréia Portz Nunes: Não, não, fala com a Nina, ali direto, a Nina...

Lenira Bizarro de Vargas: Eu já falei com a Nina, falei Nina, pode ser até um cheque pré-datado, mas como ele foi pra Montenegro agora de manhã, não pude falar com ele.

Andréia Portz Nunes: O Douglas eu falei com ele também.

Lenira Bizarro de Vargas: Ahrã.

Andréia Portz Nunes: Ele disse que ia ver alguma coisa agora de tarde, então, e assim nós estamos indo... Meu Deus, mas vamos ver se vai dar certo, e o resto do pessoal, tu conseguiu mais alguém ou não?

Lenira Bizarro de Vargas: Ãh, Ãh. Não consegui nada.

Andréia Portz Nunes: Vou dar uma ligadinha lá pro Adair, o Adair ficou de dar mais um pouco pra nós.

Lenira Bizarro de Vargas: O Adair disse que vai dar, o Adair ele (o representado Ivo dos Santos Lautert) pagou sete mil reais.

Andréia Portz Nunes: Ah, tá, então tá, vou dar uma ligadinha pra ele.

Lenira Bizarro de Vargas: O Adair recebeu, foi o único que recebeu foi o Adair, até ele ficou de pegar o cheque hoje e não apareceu lá Andréia Portz Nunes: Dá uma conversadinha com ele, então, liga pra ele, ou só pede pra ele entregar pra mim, então.

Lenira Bizarro de Vargas: Tá.

Andréia Portz Nunes: Obrigada, Lenira.

Lenira Bizarro de Vargas: Tchau.

 

Constatou-se ainda a captação ilícita de sufrágio por meio de entrega de 'cargas de terra' a eleitores em troca de votos. A testemunha Eugênio Vitor da Costa, arrolada pelo Ministério Público, embora regularmente intimada, não compareceu à audiência no horário estabelecido. Por esta razão, foi determinada sua condução para que fosse trazido ao Foro. Em juízo, qualificou-se como proprietário da empresa EC Terraplanagem, que presta serviços ao município de Taquari. Negou haver realizado entrega de terras em benefício da campanha dos representados. Confrontado com o áudio de gravação das interceptações telefônicas, permaneceu negando a entrega de terras, embora seja exatamente este o teor dos diálogos. Afirmou que fazia campanha em benefícios dos então candidatos Emanuel Hassen de Jesus, conhecido como 'Maneco' e André Luís Barcellos Brito, mas que não fez entrega de terras para beneficiá-los. Perguntado, respondeu que quando esteve na Delegacia de Polícia, o Dr. Carlos Alberto lá o esperava e acompanhou seu depoimento sem que tenha sido contratado pelo depoente. Não houve, por parte do depoente, pagamento de honorários ao referido profissional. Note-se que esta testemunha, o Sr. Eugênio Vitor da Costa, mesmo intimado, pretendia não comparecer a audiência, tendo sido necessário conduzi-lo ao Foro.

 

O comportamento desta testemunha durante o depoimento demonstra todo o seu nervosismo e, aliado às respostas evasivas e desconexas, deixa transparecer a total falta de credibilidade do depoente. Tal nervosismo, e mesmo a recusa em comparecer espontaneamente a audiência, se justificam pelo papel de destaque exercido por este senhor na qualidade de colaborador da campanha eleitoral, como demonstram as interceptações telefônicas.

 

Em 27 de setembro de 2012, às 09h41min27s, a representada Andréia Portz Nunes telefonou para a testemunha Eugênio, sendo este o teor da conversa:

Andréia – oi Eugênio, é a Andréia, tudo bom, bom dia.

Eugênio – bom dia.

Andréia – não, tá tudo certo, a função do PC, também aqui, sogro dele, das terra?

Eugênio – hã?

Andréia – tá certo? A terra do sogro do PC?

Eugênio – sim, sim, e do Vanderlei.

Andréia – então tá, do Vanderlei, tá certinho então.

Eugênio – não, ele.

Andréia – depois eu te ligo e vou ai já. O André te passou mais umas

listinha, né?

Eugênio – é.

Andréia – eu vou atrás do Amarelo também.

Eugênio – tá aqui o André já, mas nós temos que ir atrás do Amarelo.

Andréia – tá, então tá, tchau.

 

Esclarece-se que a pessoa alcunhada de “Amarelo” trata-se de Marcos de Jesus Pereira Júnior, coordenador de campanha e genro do casal de representados Andréia Portz Nunes e André Luís Barcellos Brito. No telefonema seguinte, o alcunhado “Amarelo” telefona para representada Andréia Portz Nunes pedindo o endereço da pessoa alcunhada “Teta” para lá fazer uma entrega de terra, com a ajuda de Eugênio Vitor da Costa:

 

16:15:02 Amarelo – Andréia.

Andréia – cinco minutos eu to em casa, já to chegando.

Amarelo – Andréia, Andréia, onde é que mora o Teta?

Andréia – o Teta, mora aqui no Loteamento Junior, liga pra Nice

Guardinha.

Amarelo – eu to sem, eu to sem cartão.

Andréia – tá, no Loteamento Junior ali.

Amarelo – tá, mas e ai aonde?

Andréia – espera ai que eu vou tentar falar com ela.

Amarelo – tá e a mulher do Nê, a coisa do Nê.

Andréia – ué, ali na Miguel Santana, Boa Vista (Rua Dr. Miguel R.

Santana, Bairro Boa Vista).

Amarelo – tá, isso ai eu vejo.

 

Dois minutos depois, a representada Andréia Portz Nunes telefona diretamente para o beneficiário da terra, oportunidade em que combinam detalhes sobre a entrega da terra. Note-se que, ao contrário do que disse a testemunha Eugênio Vitor da Costa, esta pessoa não era seu cliente e não estava pagando nenhum valor pela terra. Ademais, se fosse cliente da empresa de terraplanagem de Eugênio Vitor da Costa, por qual razão a então candidata a Vereadora Andréia Portz Nunes, às vésperas da eleição, estaria captando-lhe clientes? A explicação apresentada pela testemunha Eugênio Vitor da Costa é totalmente inverossímil e dissociada da realidade, como o diálogo transcrito demonstra:

 

16:17:28

Andréia – oi Teta, Andréia, tudo bom.

Teta – oi.

Andréia – oi, ô Teta, a Nice falou que tu queria uma terra.

Teta – pois é, ela tinha me falado.

Andréia – tu ainda queres, Teta?

Teta – eu nem tô mais em Taquari, eu tô trabalhando no final de semana aqui em Porto Alegre, sabe.

Andréia – aham.

Teta – agora essa semana, amanhã eu tô indo embora, daí eu converso com a Nice direitinho, né.

Andréia – não, mas é que assim, a gente iria largar lá na tua casa, é que a Nice tinha passado.

Teta – hã.

Andréia – a Nice tinha passado pra nós, pra largar lá na tua casa.

Teta – pois é, cara, mas é que assim, daí só tá a minha mulher em casa, daí daqui a pouco largam num lugar lá que me tranque. Eu tenho medo disso. Porque eu tenho pouco espaço pra passar.

Andréia – o que quê tu acha? Largo agora ou, daí, só depois da eleição. Nas vésperas de eleição eu não posso largar.

Teta – pois é, mas tinha que ser hoje?

Andréia – aham, eles já vão começar a carregar os caminhão, o Amarelo vai pra lá.

Teta – eu vou fazer o seguinte assim, eu vou ligar com a Cristina e conversar com ela, e ai eu ligo pra Nice e ela liga pra ti daí, pode ser?

Andréia – tá, pode ser, aham, não tem problema.

Teta – então tá, feito Andréia.

Andréia – se caso tu achar que não pode ser agora, depois se tu precisar tá à disposição. É que tu já tava na minha lista, né, já pediu há um tempinho, só que eu não tinha conseguido conversar contigo ainda.

Teta – aham, então tá, ta certinho.

 

Outro ponto que este diálogo esclarece é a questão da “lista”. A testemunha Eugênio Vitor da Costa disse que a lista continha nomes de pessoas que poderiam ser convencidas a votar nos representados Emanuel Hassen de Jesus, conhecido como 'Maneco' e André Luís Barcellos Brito, e que serviria para organizarem visitas a essas pessoas. Não é o que demonstra o diálogo, no qual a representada Andréia Portz Nunes diz que “Teta” já estava na “lista” quando o procura para agraciá-lo com uma entrega de terra. No contexto em que está inserida, torna-se evidente que a lista entregue pelo representado André Luís Barcellos Brito ao colaborador Eugênio Vitor da Costa continha os nomes das pessoas que haviam pedido terra em troca de votos e apoio nas eleições. Sendo o colaborador Eugênio Vitor da Costa proprietário de uma empresa de terraplanagem, é desdobramento lógico que este fosse o fornecedor do 'regalo' alcançado aos eleitores.

 

Corrobora a tese o seguinte diálogo, no qual outra pessoa que estava na 'lista' da terra desta desistiu, trocando-a por um exame, a ser obtido junto à Secretaria Municipal de Saúde:

 

Dia 28/09/2012, às 11:51:19

Amarelo – alô.

Andréia – o Amarelo, a mulher lá do Tinguité, não é mais terra, tá, ela trocou por um exame.

Amarelo – trocou por exame.

Andréia – já tá certo o exame dela, pode ficar tranqüilo, tchau.

Note-se que as testemunhas, neste processo, faltaram com a verdade ao depor em juízo não apenas para proteger os denunciados, mas sobretudo para eximirem-se de responsabilidade penal em razão dos próprios atos.

 

Todas as testemunhas tem ciência da ilicitude de suas atitudes no decorrer da campanha eleitoral. Veja-se a conduta da testemunha Lenira Bizarro de Vargas, por exemplo. Em juízo afirmou não haver conversado com o prefeito, o ora representado Ivo dos Santos Lautert, solicitando a liberação de pagamentos em favor de fornecedores do município que se dispunham a colaborar financeiramente com a campanha.

 

Entretanto, a conversa abaixo transcrita demonstra claramente o contrário:

 

11:47:14

Andréia Portz Nunes: Lenira, eu liguei pra ti antes...

Lenira : Ah, pois é...

Andréia Portz Nunes: Não, só pra ver se já tinham acertado com o resto do pessoal, não acertaram ninguém?

Lenira Bizarro de Vargas: Não, não acertaram, eu até vou falar com o Ivo agora de manhã ou na primeira hora da tarde pra ver se ele libera algum dinheiro pra essa gente pra essa gente poder pagar, né, antes das eleições...

Andréia Portz Nunes: Eu já falei tenta ver isso aí pra mim, Lenira, e

depois tu me liga, tá?

Lenira Bizarro de Vargas: Porque o Silvinho foi pra Montenegro pra ver uns exames lá, ele não tava ai, eu tentei falar com ele hoje de manhã mas ele não tava, tinha ido pra Montenegro. Eu vou ver se de tarde o Ivo libera um pouco dos pagamentos...(...).

 

Em juízo, esta testemunha, Sra. Lenira Bizarro de Vargas, arrolada pelo Ministério Público, qualificada como servidora pública do município de Taquari, confirmou haver recebido várias ligações da representada solicitando ajuda e que, para ajudá-la, telefonava aos fornecedores do município pedindo colaboração financeira para a campanha de Andréia Portz Nunes. Na época, a depoente ocupava na administração municipal o cargo de 'encarregada de orçamentos', o que lhe permitia acesso facilitado aos fornecedores. Confessou que para os prestadores de transporte escolar pedia as doações para a campanha dentro da sede da prefeitura, quando estes iam até o local entregar as notas de prestação de serviços. Confrontada com o áudio de gravação da conversa em que diz à representada que irá falar com o prefeito Ivo dos Santos Lautert, ora representado, para que este liberasse valores para fornecedores, a fim que que tais fornecedores contribuíssem com a campanha eleitoral, a depoente disse que somente prometeu mas que, na verdade, não chegou a falar com o prefeito Ivo dos Santos Lautert. Disse que a representada Andréia Portz Nunes era muito insistente. Relatou que, na data em que compareceu à Delegacia de Polícia, o advogado Dr. Alfeu acompanhou seu depoimento, mesmo sem ter sido contratado pela depoente nem ter recebido honorários desta.

 

O depoimento da testemunha Lenira Bizarro de Vargas comprova, sem dúvida alguma, o uso da máquina pública em favor dos candidatos representados. Abordar prestadores de serviços de transporte escolar dentro da sede da prefeitura, no momento em que estes iam ao local entregar as notas para receberem os valores do mês, abordagem esta feita por uma servidora do quadro, responsável pelo trato com os fornecedores, solicitando dinheiro para campanha eleitoral de candidatos coligados ao partido do então prefeito é um ato que configura, no mínimo, constrangimento ilegal, podendo ser entendido até mesmo como uma tentativa de extrosão. Que possibilidade teria aquele cidadão que presta serviço ao município de negar sem justificativa tal “ajuda” financeira para a campanha?

 

Como ficaria a situação de quem negasse apoio, caso aqueles candidatos solicitantes fossem eleitos? Este é o pensamento que certamente deve ter assombrado tais prestadores de serviço que, no mínimo constrangidos, possivelmente prestaram ajuda financeira às campanhas eleitorais dos representados. A conversa abaixo transcrita corrobora a tese:

 

Dia 04/10/2012, às 16:02:12: Andréia liga para Lenira, pergunta se pagaram o Silvinho e ela diz que não, só dia 15 de outubro. Andréia pede para Lenira ligar para o Silvinho para ver se não consegue pegar pelo menos um cheque pré-datado com ele, pois ele havia lhe prometido mil. Que pode ser dois cheques pré-datados.

 

16:14:21: Lenira diz que falou com ele e que ele não tem cheque, mas que se sair o pagamento dia 15, ele lhe dá. Andréia diz que vai passar um seu até lá.

 

A prática de abuso de poder econômico consubstanciada no verdadeiro 'derramamento' de gasolina em favor de eleitores e em troca de apoio político restou fartamente comprovada nos autos. Fica claro que não apenas a carreata foi promovida mediante a entrega de vales-combustível, mas também houve tal prática no dia das eleições, objetivando viabilizar o transporte de eleitores. Passo a transcrever os diálogos mais significativos apurados nas interceptações telefônicas:

 

Dia 27/09/2012, às 16:04:42 - Andréia – oi ... Andréia.

Moisés – tudo bom Andréia?

Andréia – tudo bom.

Moisés – é o Moisés.

Andréia – fala Moisés.

Moisés – não esquece da minha bandeira pra carreata.

Andréia – tá, aham, domingo a uma hora, na frente do União, daí tá, nós vamos tá tudo ali.

Moisés – tá, mas me diz uma coisa, tu tem bandeira bastante?

Andréia – tem, tem bandeira, domingo a uma hora pode ir ali que eu já tenho as bandeiras.

Moisés – tá e me diz uma coisa, como é que vai ficar a gasolina?

Andréia – vamos ajudar também.

Moisés – tá mas daí que horas?

Andréia – pode deixar que eu te ligo amanhã.

Moisés – tá.

Andréia – eu te ligo amanhã, pode ficar tranqüilo.

 

19:45:58 - Andréia – oi.

Elsa – Andréia, é a Elsa.

Andréia – quem?

Elsa – a Elsa. Eu queria te agradecer.

Andréia – como é que é?

Elsa – eu queria te agradecer, obrigada.

Andréia – a tá, não de nada. Eu gritei ai na frente da tua mãe e tu não tava, daí a Margarete: não tu não fica pedindo ajuda pra gente, tu fica correndo atrás. E eu disse não, vou deixar aqui contigo então.

Elsa – tá. Obrigada, tá.

Andréia – de nada, tu sabe que sempre pode contar comigo tá, hoje e sempre.

Elsa – eu queria dizer o mesmo pra ti tá. O que tu precisar de mim, eu to à tua disposição.

Andréia – então tá, até o dia sete, só assim, tenta fazer um pouco de boca de urna. Se caso eu não conversar com vocês, no dia lá e se quiser participar da carreata, botar carro, a gente ajuda na gasolina, tá.

Elsa – até é sobre isso que eu quero falar contigo. A minha irmã quer botar o carro dela na passeata.

Andréia – aham, isso, lá na frente do União, vai pra frente do União ali, daí eu vou dar vinte pila de gasolina daí. Pode ser?

Elsa – pode, aham. Ai eu peguei, a Margarete me deu um decalque teu do carro, só que eu queria que quando, tu não tem bandeira tua?

Andréia – tenho, bem grandona, eu mandei o Aragão fazer cinqüenta.

Elsa – isso, eu queria uma bandeira tua também.

 

Dia 29/09/2012, às 10:45:33

Andréia – fala Margarete.

Margarete – alô.

Andréia – oi, fala Margarete.

Margarete – o Andréia, tu só me dá o nome da mulher, que eu me

esqueci ontem, tava indo pra aula.

Andréia – a Dani ali na Quero-quero.

Margarete – a Dani, e é só eu pegar, não precisa esse negócio de nota nada?

Andréia – deixei tudo com ela.

Margarete – deixou tudo pronto.

Andréia – tudo com ela lá.

Margarete – então tá. O Andréia, tem gente ai perto de ti, que eu quero te perguntar uma coisa, ou não?

Andréia – gente perto de mim?

Margarete – é, que eu quero te perguntar uma coisa.

Andréia – não, não, pode falar.

Margarete – posso falar. Me diz uma coisa, amanhã, o negócio, vão dar uns litros de gasolina pra gente?

Andréia – vão, aham, vão dar. Pra quantos carros tu precisava, carro e moto.

Margarete – exatamente, eu vou ver com a Cariana, ali hoje.

Andréia – Vê com a Cariana.

Margarete – tá.

Andréia – me passa de tarde, que daí eu to anotando tudo e vou fazer os valezinhos e vou na tua casa, o Margarete.

Margarete – tá.

 

13:02:18 – conversa de Andréia com Rose para ver quem precisa de gasolina para participar da carreata, verificar quantos carros e motos ela vai colocar, para ver quem tem que bancar a gasolina.

 

16:43:29 Andréia – fala Dé (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia).

André – não, tu, tu, só não vai falar nada, tu tem R$ 900,00 (novecentos reais), organiza, não sei mais o que tu já pegou. Te organiza dentro disso daí, eu não sei o que tu vai dar, dez, vinte pila para cada um?

Andréia – aham.

André – tá, vê quantos são.

Andréia – tá, mas vocês vão dar em vale, dinheiro, como é que é?

André – um pouco eu vou te dar em dinheiro, pra não tirar tudo em vale.

Andréia – tá.

André – ai depois tu vai ali e troca por vale, tá.

Andréia – tá, eu to aqui em casa então, tá.

André – tá, mas te organiza ai as quantidades.

Andréia – tá eu vou começar aqui.

 

16:50:37 – conversa de Andréia com Zé sobre quantos carros e motos ele havia conseguido para colocar na carreata, pois ela precisa saber para ver quem tem que colocar gasolina. Refere ainda que vai dar dez reais para moto e vinte reais para carro.

 

17:05:45 – conversa de Andréia com Laura sobre quantos carros e motos ela conseguiu para colocar na carreata, onde Andréia informa que dará dez reais por moto e vinte reais por carro, diz ainda que vai dar os vales depois, uma vez que está elaborando a lista.

 

17:15:54 – conversa de Andréia com Tati sobre quantos carros e motos ela conseguiu para colocar na carreata, onde Andréia pergunta se pode entregar o dinheiro na frente do Clube União, de onde vai sair a carreata, pois se for assim, será uma a menos para ela andar atrás.

 

17:19:24 – conversa de Andréia com sua filha, a qual chama de Mana, de nome Fernanda, sobre como ela irá na carreata, pois está fazendo a lista. Andréia manda convidar o Pacheco, pois precisa saber para quem ela tem que dar gasolina. Fernanda pergunta para Andréia se ela quer que ela fique com o dinheiro, para que ela não apareça entregando dinheiro, pois Fernanda pode colocar dentro da Biz. Fernanda informa ainda que a Mara, da terra, quer um adesivo para colocar no carro.

 

17:24:14 – conversa de Andréia com Patrícia, irmã da Camila, sobre quantos carros e motos irão na carreata, sendo que Andréia pede a quantidade de veículos correta, pois entregará os vales para abastecimento diretamente para Patrícia para que ela distribua depois. Andréia diz que vai dar vinte reais por carro e dez reais por moto. A mãe de Patrícia manda perguntar se está tudo certo, se referindo a cimento na loja do Baiano. Patrícia informa que deu tudo certo na ecografia e que os votos estão certinho.

 

17:38:13 – conversa de Andréia com Mara, a qual pergunta como será para pegar o vale da gasolina e diz que vai de carro, sendo informado por Andréia que deixará na casa de sua mãe (Vilma) mais tarde, pois sairá distribuindo os vales.

 

18:15:57 – conversa de Andréia com André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) e diz que já tem mais de quarenta carros e André pergunta se tem que colocar gasolina em todos esses carros e tem como resposta que quase todos precisam.

 

Dia 30/09/2012, às 08:57:49 – conversa de Andréia com André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia), onde ele diz para ela pegar o dinheiro e trocar em vale no posto do Gordo, ou em qualquer outro, tudo em vales de dez reais. Diz ainda que se precisar colocar mais dinheiro é para ela colocar, mais uns quatrocentos ou quinhentos reais.

 

09:26:54 – conversa de Andréia com Vângela, onde Andréia pede para ela ver se a Marilei quer gasolina, sendo informado que ela quer e que a Mara e o Emílio também querem. Andréia informa que são vinte reais por carro.

 

09:29:15 – Andréia liga para Lira, mas consegue falar com Fernando, sendo perguntado quantos carros iriam na carreata para ver quanto de gasolina será preciso.

 

09:30:35 – conversa de Andréia com Marilei, sendo perguntado por ela onde pega a gasolina e Andréia responde que a Vângela irá buscar na casa dela.

 

09:45:37 – conversa de Andréia com Fátima, perguntando onde estarão as motos e se dá para eles no local ou antes, porem refere que seria melhor dá antes e combina que irá dar dinheiro no local. Quanto aos carros, Andréia informa que devem pegar no local, pois devem ser adesivados antes de receber a gasolina.

 

09:55:20 – conversa de Andréia com Preta, a qual pergunta se Andréia está ajudando na gasolina, sendo respondido que sim e que é para irem na casa dela buscar. Preta informa que mais duas pessoas querem ir também e Andréia diz que pode dar quinze reais para cada uma.

 

10:09:15 – conversa de Andréia com Marília, a qual diz que deu dois vales para Camila e três para Patrícia. Informa que o resto vai dar mais tarde, para quem realmente irá na carreata, pois tem gente que não vai nem na frente do Clube União.

 

10:11:31 – conversa de Andréia com Patrícia, e diz que Marilei lhe deu dois vales de gasolina de carro e três de moto, pois ela precisa de mais, sendo que seu marido conseguiu mais pessoas para ir na carreata.

 

10:46:03 – conversa de Andréia com Marília, onde Andréia pede para Marília pegar os vales de gasolina no Posto do Prisco, sendo que dezoito vales de dez reais e um vale de vinte reais e depois levar para ela.

 

10:53:12 – conversa de Andréia com Lira sobre gasolina, sendo que Lira informa a quantidade de veículos que conseguiu colocar na carreata e Andréia acha melhor que ela pegue os vales em sua casa, e Lira concorda, até para não dar muita ‘banda’ na hora da carreata.

 

11:19:23 – conversa de Andréia com Alex, sendo que ele pergunta se Andréia lhe consegue gasolina para ir na carreata, tendo como resposta que sim e para ele pegar com Zé Nilton.

 

11:25:44 – conversa de Andréia com André sobre um tal de ‘Jacarezinho’. André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) disse que ele quer ajudar Andréia, porém tem que dar vinte reais para ele.

 

12:07:03 – conversa de Andréia com Caca, a qual pergunta se vão dar gasolina na carreata, sendo respondido por Andréia que sim, e que é para pegar com ela, no caso de moto, dez reais.

 

12:19:57 – conversa de Andréia com PC que pede para ela guardar dois vales de moto e um de carro para ele.

 

12:23:35 – conversa de Andréia com Alex que pergunta em qual posto irão abastecer e ela diz para ele ir até a frente do Clube União pegar o vale que ela informa qual o posto.

 

12:25:59 – conversa de Andréia com Déia (Andréia Morgana Brito, filha do representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia e companheira do Amarelo), onde Andréia diz que tem que saber quanto o Amarelo precisa de gasolina, quanto ele se comprometeu em dar. Andréia diz que já deu gasolina para um monte de gente.

 

17:42:49 – conversa de Andréia com Tati sobre cerveja para o pessoal, sendo que Andréia diz que não tem nenhum real, pois gastou tudo em gasolina.

 

Dia 01/10/2012, às 12:22:32 – Andréia conversa com Macau sobre gasolina, sendo relatado que cerca de cinco motos foram na carreata e não receberam o 'vale gasolina'. Andréia diz para Macau dar os vales para as pessoas que cobrarem, pois gastou R$2.300,00 (dois mil e trezentos reais) em gasolina, pois colocou cento e trinta e poucos carros e setenta e poucas motos. Macau comenta sobre uma senhora para quem ela teria conseguido uma transferência do hospital e diz que agora é só a Andréia chegar no pessoal. Andréia diz que vai ver, pois não pode ir muito 'descaradamente', sendo que André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) já pediu para ela maneirar na última semana. Conversam sobre o dia da eleição, para tirarem os adesivos dos carros para andar pela cidade fiscalizando as urnas. Macau diz que tem dois votos do outro lado do rio e Andréia diz para ela falar com a Laura que o filho dela pode buscar o pessoal para votar.

 

Dia 02/10/2012, às 16:31:21 – conversa de Andréia com Amarelo sobre gasolina, sendo que Andréia diz que está com os vales de gasolina em casa e Amarelo diz que precisa de não será necessário os nove, mas sim seis vales, pois assumiu compromisso.

 

Dia 03/10/2012, às 13:36:43 – conversa de Andréia com Vanessa sobre parentes que residem em São Leopoldo e querem gasolina para virem votar em Taquari e Andréia pergunta quanto que dá em gasolina e manda fechar quando sabe que são cinquenta reais.

 

Dia 04/10/2012, às 12:35:06 – Andréia conversa com Amarelo, o qual pergunta se pode fechar com um pessoal de Santa Maria, que são duas pessoas. Andréia responde que pode fechar, mas pede para reduzir o valor e diz ainda que no ano passado já acertou com eles.

 

Dia 04/10/2012, às 10:51:27: GUI/DI, que mora no Barro Vermelho, em Triunfo, telefona para Andréia, diz que tem um sobrinho que tem problema nas pernas e de visão e que queria uma ajuda para ele ir votar, ou com carona, ou com uns 'troquinhos'. Andréia diz que ele pode ficar tranqüilo, que vai falar com Binho (irmão de Andréia).

 

Dia 06/10/2012, às 08:17:37 – conversa de Andréia com Zé Nilton. Ele pergunta como vão fazer para puxar gente e ela diz para ele não se preocupar, pois vão colocar gasolina no carro dele (“isso tu não te preocupa que nós vamos coloca gasolina no teu carro”). Ele diz que isso ele sabe, o que quer saber é quem são os que vão puxar para ficarem com os telefones um do outro. Andréia diz que ele e o Amarelo vão puxar para ela, que ela ainda vai ver o guri da Laura Barraca lá da Praia, a Lia/Lira do Fernando, o Laércio ou outro cara que dirija para pegar o carro dela, Andréia. Zé Nilton fala que o Ricardo da Denise também quer puxar.

 

12:32:12 – um homem liga para Andréia e diz que estava falando com seu pai. Diz que tem dois primos dele que virão de Montenegro para votar se ela der trinta pila de gasolina para eles. Andréia diz que o cara pode fechar com eles.

15:36:17 um cara (Laércio?) liga para Andréia, diz que tem 10 votos que vem de Bom Retiro, mas que eles querem que ela pague o combustível. Ela pergunta quanto e ele diz cento e poucos. Ele diz a ela que pode passar o número do telefone e ela diz que é para ele mesmo negociar, que é para ele negociar direto, que é para ir na casa dela daqui a pouco e negociar direto.

 

 

15:54:37 - o mesmo interlocutor liga de novo e fala que conversou com o cara e que é 150 que ele quer. Ela pergunta se não dá para baixar um pouquinho e ele diz que vai tentar.

 

16:19:50: Amarelo liga atrás de Dé (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) por causa daquela doação. Amarelo diz que podem deixar para mais tarde. Ele diz que contou os carros da carreata do Claudio – 584 entre carro, caminhão e trator. Que a deles tinha 1512 ou 1505.

 

18:16:21: um homem (que estava com uma tal de Vera) pergunta para Andréia se eles vão pagar gasolina para eles para puxarem gente. Ela diz que acha que sim, mas que tem que falar com o André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de viceprefeito e companheiro de Andréia) antes. Ela diz que também está tentando falar com ele, até para saber como vão fazer com as mulheres da boca de urna.

 

Note-se que os gastos com combustível, para a campanha da chapa majoritária, superaram a cifra de dezessete mil reais. Considerando a pequena extensão territorial do município de Taquari, torna-se evidente que tais valores foram distribuídos aos eleitores em forma de 'vales-combustível', configurando captação ilícita de sufrágio, pois seria impossível que tal quantidade de combustível houvesse sido gasta apenas nos poucos veículos utilizados pela coligação na campanha.

 

O depoimento da testemunha Idemar Luís Martini, arrolada pelos representados Emanuel Hassen de Jesus e André Luís Barcellos Brito, qualificado como ocupante do cargo de Secretário Municipal do Planejamento na administração do representado Emanuel, confirma este fato. Afirmou ter sido coordenador da campanha dos representados Emanuel e André. Perguntado, disse que não coordenou a campanha dos vereadores. Afirmou que da carreata participaram em torno de cinquenta candidatos ao cargo de vereador.

 

Disse que havia uma promessa de doação de valores, por parte do Partido dos Trabalhadores, para ajudar nas campanhas, mas que este dinheiro não chegou. A esta testemunha, por ter sido coordenador da campanha da chapa majoritária Maneco e André, foi perguntado quantos carros participaram da campanha, tendo a testemunha respondido que foram menos de dez carros. A testemunha negou ter havido distribuição de vales-combustível para os eleitores.

 

Além dos favorecimentos junto à Secretaria Municipal de Saúde e dos exorbitantes gastos com combustível, houve captação ilícita de sufragio por meio de outros tipos de doações, que vão de pneus a telhas de amianto e postes de luz, como demonstram os diálogos a seguir transcritos:

 

Dia 30/09/2012, às 11:51:53 - Andréia – fala Marília.

PC – é o PC.

Andréia – oi, fala PC.

PC – me diz uma coisa. Eu tenho uma proposta aqui duma camarada aqui, ela quer um pneu da moto dela. É dois voto garantido e dá uma mão pra nós no dia da eleição.

Andréia – tá, e quanto é que é?

PC – cem pila.

Andréia – pode fechar.

PC – tá.

Andréia – pra amanhã, daí tá.

PC – não, tranqüilo, isso ai eu fechei pra mim pagar segunda-feira que vem.

Andréia – tá, então tá, tranqüilo então.

PC – eu me responsabilizei pra ela aqui, segunda-feira que vem. É ela, o filho dela e dá uma mãozinha pra nós aqui na Léo.

Andréia – não, então tá, certinho então.

PC – durante a eleição ai, tá.

Andréia – aham.

 

Dia 01/10/2012, às 11:08:57 – Andréia conversa com uma tal de Rosa, a qual pergunta quando pode acertar, e está preocupada pois com duas contas de luz atrasadas e tem medo de ficar sem luz. Andréia diz que no outro dia passa para acertar, em caso negativo, vai pedir para Rosa passar com a Marília para pegar. Referente a gasolina para carreata, afirma que abasteceu e foi de moto, momento em que Andréia diz que vai deixar junto o da moto e é para Rosa pegar no dia seguinte.

 

11:22:09 – Andréia conversa com Camila sobre a carreata e logo após sobre cimento, onde ela pergunta se pode pegar. Andréia responde que vai tentar resolver o assunto durante a tarde e diz para Camila garantir mil por cento.

 

Dia 02/10/2012, às 09:23:10 – conversa de Andréia com Patrícia, sendo que Andréia pergunta se Patrícia pode ir até o Baiano (loja de material de construção), como Patrícia responde que não pode, Andréia diz que vai deixar tudo certo, inclusive o da Camila e do Paulo. Patrícia deve somente ir até o local e dar o endereço.

 

Dia 04/10/2012, às 14:18:49: Marília torna a ligar para Andréia. Ela pergunta se Andréia conseguiu ligar para o Adélcio (Adelso Ivanir da Costa, proprietário da empresa Comercial Elétrica). Andréia diz que não, mas que ela pode ir lá, inclusive já mandou um outro.

 

14:35:33: Andréia telefona para a Comercial Elétrica (de propriedade de Adelso Ivanir da Costa ). Ela pede para falar com a Dani (esposa de propriedade de Adelso Ivanir da Costa e que trabalha na empresa), mas esta não está. Andréia fala que o Adélcio havia lhe dado coisas de contribuição e que as duas pessoas estão indo ali, o seu Egídio e a Marília. Andréia pede para a atendente anotar os dados (telefone e endereço) de tais pessoas.

 

15:34:50: Marília liga para Andréia e diz que já passou os dados certinhos para a Dani. Andréia fala que o Adélcio e a Dani não estavam ali, mas que depois eles vão lhe telefonar. Marília fala que vão distribuir ranchos na vila e o pessoal do contra vai filmar. Andréia diz que já está sabendo e já mandou avisar o Vânius. Marília diz que vão gravar a entrega dos vales.

 

15:37:20: AMARELO telefona para Andréia, diz que entraram duas meninas agora e que assumiu compromisso com elas para amanhã, no Leandro Medeiros. Andréia pergunta o que é e ele fala que são três telhas de brasilit. Andréia pergunta se é baratinho e depois diz que amanhã acertam isso.

 

Dia 06/10/2012, às 13:28:45 – uma mulher (Patrícia) liga para Andréia para saber do negócio que tinham feito no Rincão ontem (poste). Andréia diz que está tudo certo no Adelcio. A interlocutora diz que o filho da pessoa passou lá com a camionetinha e que não tinha nada comprado assim. Andréia diz que tem, que ele lhe deu dois. Que o endereço estava com a Marilia, tudo certinho. Andréia complementa dizendo que se não conseguir acertar isso hoje, segunda-feira ela manda. Patrícia diz que precisam conversar sobre aquilo de amanhã e Andréia diz “a tá, boca de urna, depois eu vou ligar pra todo mundo disso aí”. Patrícia diz que tem uns caras de fora para vir e que querem saber se é para virem mesmo. Andréia pergunta quanto vai sair. Patrícia diz que são três passagens de Porto Alegre, um de 50 de Portão – gasolina – e um de Sapucaia que quer uns R$ 30,00. Andréia diz que tem que esperar para ver o que vai dar até o final do dia para ver se podem fechar. Patrícia fica de ligar para Andréia no início da noite.

 

Ouvido em juízo, o Sr. Adelso Ivanir da Costa, testemunha arrolada pelos representados Andréia Portz Nunes, Emanuel Hassen de Jesus e André Luís Barcellos Brito, qualificou-se como sendo o atual titular da Secretaria Municipal de Indústria e Comércio, na administração do representado Emanuel, e também proprietário da empresa “Comercial Elétrica”. Perguntado, respondeu que durante a campanha não recebeu nenhum pedido, de qualquer forma que fosse, de parte do candidato Emanuel Hassen de Jesus, nem de Andréia Portz Nunes em nome do candidato Emanuel Hassen de Jesus. Afirmou que a única contribuição que fez para a campanha majoritária foi o empréstimo, por um curto período, de uma caminhonete de sua propriedade particular. Confrontado pelo Ministério Público com o diálogo em que Andréia Portz Nunes fala com 'Dani', esposa do depoente, e demais diálogos que demonstram a entrega de bens a eleitores, negou haver dado qualquer ajuda à representada Andréia Portz Nunes por meio de sua empresa 'Comercial Elétrica'.

 

As negativas por parte desta testemunha são insuficientes para o fim de desacreditar a prova produzida pelas interceptações telefônicas, tendo em vista que os diálogos acima transcritos demonstram claramente seu envolvimento, consistente na doação de materiais de construção e reforma de seu estabelecimento “Comercial Elétrica”, fornecidos em troca dos votos dos eleitores.

 

Além de benefícios obtidos junto à Secretaria Municipal de Saúde de doação de combustível e de materiais de construção aos eleitores, a campanha eleitoral dos representados também foi beneficiada pela prática da “boca de urna” e, sobremaneira, pela compra direta de votos.

 

Inúmeros eleitores literalmente venderam seus votos, sendo pagos em dinheiro às vésperas e no dia das eleições, como comprovam o diálogos obtidos por meio das interceptações telefônicas que passo a transcrever.

 

05/10/2012, às 18:37:42: Israel liga para Andréia e pergunta o que ela queria com ele. Ela o manda ir na casa de um vizinho seu (irmão do Ruano, que sempre anda de bombacha, Juca, a mulher dele é uma alemoa), dizer que está lá a mando dela e perguntar se está tudo certo os votos. Se estiver tudo certo, Andréia diz que amanhã repassa para Israel e ele vai lá e acerta. Andréia diz “vai lá e negocia pra mim”.

 

18:50:53: Israel liga para Andréia, diz que o Juca esteve na casa do cara e que por ele está tudo certo, está só esperando. Andréia pede para Israel lhe ligar cedinho amanhã, para marcarem um lugar, ela lhe entregar e ele levar lá.

 

Dia 06/10/2012, às 18:04:25: Andréia liga para André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia), a quem chama de DÉ, e pergunta se “eles” vão pagar mais alguma coisa para o pessoal pagar boca de urna. Ele fala que acha que é isso que ela tem. Ela alega que tem mais uns 500 pila que ficaram para trás. Ele pergunta do que e ela diz que é das 15 mulheres dela, que ela pagou com seu próprio dinheiro. Ele diz que já está ali tal dinheiro. Ela acrescenta que tem os 200 pila da Tati e ele diz que estão ali também. Andréia diz que vai ligar para ela e acertar já.

 

Depois, pergunta se é o mesmo valor, se “é vinte pila” e ele diz que pode ser um pouco mais porque é o dia todo. Ela diz “então tá, de 15 a 50”. Ela diz que vai ver quantas mulheres tem para fazer boca de urna para ela e que vai fechar com elas, mas que vai ter que fechar em um valor menor, senão não vai ter para tudo. André diz que essas mulheres que ela tem não valem mais do que 20, 30 pila, que é para botar só de manhã. Andréia diz que a Ana Claudia, que é agente de saúde na Praia, ofereceu-se para fazer boca de urna para ela.

 

18:07:00: Geni liga para Andréia e diz que a Tati está querendo saber onde é para elas fazerem boca de urna amanhã. Andréia fala em 30 pila para meio turno, só de manhã. Diz que precisa de duas na rodoviária, sendo que Geni diz que vão ela e a Fátima. Combinam de Eliane ir no Prado. Andréia diz que se não conseguir pagar amanhã, acertará tudo no comitê na segunda-feira pela manhã.

 

18:08:50: Nica liga para Andréia e pergunta se ela colocou carro para buscar gente para votar, sendo por ela respondido “um monte de gente”, “tem um monte que vai ficar circulando, o Fefe, o Amarelo, o Laércio, o Zé Nilton, o Guri da Laura”. Nica diz que o Mariante e outros alugaram carro e Andréia diz que tem os carros próprios para fazer isso.

 

18:50:59: um tal de Igor liga para Andreia, querendo seu pagamento. Ele diz que está na Vó Nica, na Vângela, até amanhã de manhã. Ela diz que quer que ele faça boca de urna para ela amanhã, que fique perto das urnas pedindo votos para ela. Que qualquer coisa, a Vângela vai onde ele estiver para pegar o dinheiro, que ela lhe paga na hora. Senão, mais tarde passa por ali e quita com ele.

 

20.01.54: Andréia fala com Marília para colocarem todo o pessoal na Leo (referindo-se à boca de urna). Que é para colocar um em cada esquina (Alisson, Igor, Rosália), fechando todos os cantos do colégio. Que é para dizerem “se quiserem pegar dinheiro, peguem, mas votem na Andréia”.

 

20.11.34: Vângela liga para Andréia, diz que estão na vila e que o VANIUS largou para uma tal de Sirlei alguns ranchos. Que a mulher vai entregar os ranchos para o pessoal, mas o pessoal está com medo dela não entregar porque tem gente de olho. Que se ela não entregar, eles vão denunciar o Maneco. Andréia diz que vai ligar para o André para ele acelerar.

 

20.25.33: Andreia fala com uma Patrícia e diz que pagará 50 pila para ela fazer boca de urna. Andreia diz que não pode fechar mais com ninguém, pois só está com o dinheiro da boca de urna e da gasolina. Que não é para Patrícia mandar vir aquilo que ela tinha. Andréia diz que fechou com a cidade inteira.

 

21.21.52: Um homem liga para Andréia. Diz que o Guega e a Maninha falaram que se ela conseguir algo... Ela diz 5, não 10 vezes. Ele fala tá. Ela diz: “ela me mandou uma mensagem com um valor”. Ele fala em 50 e ela diz que isso pode ser.

 

Dia 07/10/2012, às 07:34:06: Andréia liga para Lei e pede que ela faça boca de urna no Coqueiros, pois não tem ninguém ali.

 

08:15:01: Tati liga para Andréia e pergunta onde ela quer que ela fique. Andréia pede para ela ficar pelo centro, pois não tem ninguém neste bairro. Andréia diz que paga 40 pila.

 

08:34:19: Laura liga para Andréia e diz “quatro votos por 50 pra ti”, “dão até o número do título”, e Andréia diz “a não, então tá bom, pode ser, pode ser ” .

 

09:08:37: Ana Cláudia liga para Andréia e diz “o Andréia, pegaram nós aqui na praça, denúncia do Aldo, vereador de vocês” “e agora, o que é que eu faço? Eu não sei se eu assumo no lugar da Jéssica, porque depois ela não vai poder fazer concurso”. Andréia manda assumir no lugar da Jéssica e diz que vai mandar alguém ir onde ela está.

 

09:09:37: Andréia telefona para Fafá e pede para ela ir correndo na Praça Dom Pedro, pois pegaram umas gurias dela, a Ana Claudia.

 

09:24:20: Laura liga para Andréia e diz que pegaram a MACAU fazendo boca de urna para ela.

 

09:24:56: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) liga para Andréia e pergunta se ela instruiu o pessoal que foi pego fazendo boca de urna a dizer que estavam ali por livre e espontânea vontade. Andréia diz que Fafá que foi lá e ela deve dizer isso, mas que Ana Claudia já tinha dito que iria assumir.

 

09:29:46: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) liga para Andréia e pergunta se ela instruiu seu pessoal a não entregar santinho e o pessoal que foi pego fazendo boca de urna a dizer que estavam ali por livre e espontânea vontade. Andréia diz que Fafá que foi lá e ela deve dizer isso, mas que Ana Claudia já tinha dito que iria assumir.

 

09:38:32: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) liga para Andréia, diz que estão prendendo gente, que é para ela se cuidar e pergunta se ela não está com dinheiro dentro da bolsa, sendo por ela respondido que não está com nada.

 

10:04:54: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) liga para Andréia e manda ela dar um tempo, que até a Promotora está ali e que são os colegas de partido que a estão denunciando

 

10:12:56: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) liga novamente para Andréia, pergunta se ela está se cuidando. Fala novamente que a Promotora anda atrás deles. Diz que é o Ademir e o Aldo que estão denunciando, mas eles que aguardem, é só passar as eleições.

 

10:26:28: André (representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito e companheiro de Andréia) torna a ligar para Andréia, que diz que está indo para a Colônia Vinte pois a Macau lhe disse que a denunciaram na Leo Alvim Faller também. Ela diz para ele que a Rosália, filha do Nelsinho Serralheiro, está fazendo campanha direto para ela.

 

09:39:35 Rosália, filha do Nelsinho Serralheiro: o Andréia, eu tenho 16 votos para ti, só que eu preciso que tu me dê uma luz.

Andréia: quanto?

Rosália: é isso aí.

Andréia: tá, mas quantos?

Rosália: quantos querem ou o que?

Andréia: não, o que que é que tu precisa?

Rosália: eu preciso saber se tu tá pagando alguma coisa, como é que é que faz isso daí?

Andréia: tá, mas é garantido aonde?

Rosália: é garantido, é aqui da vila. Aí tem que buscar ali na Vila do Toco, vim votar e levar embora. Eu fiquei de dar uma resposta até meio dia, né

Andréia: eles não estipularam valor?

Rosália: é, tipo trinta pila assim eu falei.

Andréia: cada um?

Rosália: aham, cada um.

Andréia: não, se for a vinte tu pode fechar

Rosália: vinte?

Andréia: a vinte.

Rosália: tá, tá bom então.

Andréia: daí tu me fala e eu passo pra ti.

Rosália: tá, eu vou dar mais uma enrolada aqui

Andréia: tá, daí tu me liga que tá lá na minha mãe, daí eu te digo

direitinho e tu pega lá.

 

10:08:45: Andréia liga para Cristina e avisa que o Jacarezinho vai passar ali. Cristina pergunta quanto é, Andréia fala 3, Cristina fala 300 e Andréia confirma. Depois, Andréia manda Cristina deixar mais 300 separados, pois a Rosália irá passar ali para pegar.

 

11:05:42: Andréia telefona para Aninha (Ana Maria Muxfieldt), que diz que está no Paroquial, mas depois vai levar o dinheiro da menina lá da frente.

Aninha (as 35 seg): escuta, o Andréia, eles queriam mais 4 da casa do lado lá, e o que que eu posso dar?

Andréia: ai

Aninha: eu tenho 100 pila na minha carteira. Posso dar para 4?

Andréia: pode dar, pode dar, fecha aí. Até, depois eu te dou.

 

14:50:51: Aninha fala para Andréia que arrumou mais 03 votos, que já foi em casa pedir mais dinheiro para o Genis. Andréia diz que tem mais com ela, pergunta onde Aninha está, sendo respondido que no diretório. Andréia diz que vai encontrá-la.

 

10:05:26: Lucimar/Jocemar, vulgo Jacarezinho, telefona para Andréia, que diz que está ligando para ele direito para fechar aquele negócio, só que um pouquinho menos. Andréia pede para ele fechar votos. Depois, dá as coordenadas para Jacarezinho ir na casa de sua mãe. Andréia diz que vai ligar para as gurias passarem para ele. Ainda, diz que o André mandou avisá-lo que depois o ajudará no contrato. Jacarezinho diz que pediu força/voto para vários colegas seus de firma.

 

10:28:44: LAURA liga para Andréia, diz que o cara aquele da gasolina lá de fora chegou e que ela vai colocar do dela (leia-se, do dinheiro dela). Andréia diz: “o Laura, só fecha mais até 150 pila, é só o que eu tenho, agora eu fechei tudo já”. Laura diz: eu dei 50 para aquele outro lá de 8 votos, aquele que eu te liguei, e os 30 da gasolina que o Giovani falou contigo. Andréia: então tá, esses 80 aí fechou, senão eu vou ficar sem nada.

 

12:44:06: Laura liga para Andréia. Diz que precisa falar com Angélica, pois conseguiu trazer a Cartucha pro lado deles e tem que lhe dar cem reais. Laura ainda diz que o Mário não pagou uma e ela ainda não votou, cinqüenta pila, parece. Andréia diz que não pode fechar mais nada. Andréia manda Laura ligar para o Maneco.

 

14:03:39: uma das mulheres que estava fazendo boca de urna para Andréia telefona, diz que o movimento está calmo e pergunta se podem ir embora, sendo autorizado. Andréia ressalta que é para continuarem tentando pegar o pessoal da rua que ainda não votou. A interlocutora diz que a Fátima está perguntando se Andréia vai levar o dinheiro dela e da Kátia, sendo respondido que amanhã vai na casa da Fátima tomar um chimarrão e acerta tudo.

No dia seguinte ao pleito, o representado André Luís Barcellos Brito admite, em diálogo informal, ser a 'compra de votos' o principal fator de seu sucesso nas urnas, como transcrevo:

 

Dia 08/10/2012, às 16.46.24: abre o áudio da ligação e ouve-se Andréia falar “ah, o André falou que os votos eram nossos não senhor, se nós não tivesse comprado, quem tinha ganho eram eles.”

 

“Eles” são os candidatos da chapa majoritária oposta. Esta declaração reforça ainda mais a evidência de que toda a operação de compra de votos foi direcionada não apenas para a campanha da representada Andréia Portz Nunes, mas também à campanha da chapa majoritária.

 

Aliás, cumpre frisar que sequer seria possível separar a captação ilícita de sufrágio, pois como é público e notório, a representada Andréia Portz Nunes e o representado André Luís Barcellos Brito convivem em união estável, são reconhecidamente um casal, formam uma família.

 

É inadmissível cogitar-se na compra de votos para um sem a compra de votos para o outro, é a consequência lógica.

 

Na mesma linha de raciocínio, embora não tenha-se verificado nos autos a prática da captação ilícita de sufrágio diretamente pelo representado Emanuel Hassen de Jesus, é inegável o benefício obtido por este, porquanto são os representados integrantes da mesma chapa. Nos dias seguintes, iniciam-se as cobranças das promessas de campanha, como colaciono:

 

Dia 09/10/2012, às 10.06.30: Eugênio telefona para Andréia e diz que estão lhe cobrando as promessas de campanha. Ele pergunta onde está a receita da Cleci da Silva Brandão, se ela já mandou para a Saúde. Ela responde que não, que está enrolada em seu telefone. Andréia diz que tem que levar na Saúde, mas que a Marione não está e Andréia assume quarta ou quinta. Andréia diz que não tem ninguém trabalhando lá. Eugênio manda ela fazer uma limpa lá antes de assumir. Diz que o Marcos vai ter que fazer o levantamento da farmácia. Falam no Ademir (vereador), que trocou os móveis todos de dentro de casa. Eugênio diz que a diferença nas ambulâncias foi de 70 para 10 mil. Andréia diz que ele é o cara mais esperto que ela já viu, se fazia de coitadinho.

 

11.45.32: D. Geni telefona para Andréia e diz que não aguenta mais as mulheres lhe ligando querendo o dinheiro. Andréia alega que os caras do partido ainda não ligaram para ela. Ela diz que também está esperando os caras do partido lhe pagarem. Andréia diz para aguardarem até a tarde, se for preciso tira do seu.

 

Dia 10/10/2012, às 09.26.47: AMARELO liga para Andréia e diz que o Baiano (proprietário de loja de materiais de construção) está lhe ligando. Andréia diz para ele ficar tranqüilo, que hoje mesmo vai lá acertar, só estava esperando entrar um dinheiro para não largar cheque para ele.

 

Dia 11/10/2012, às 11.15.48: Andréia conversa com FAFA. Tecem comentários a respeito de Ademir, acerca da oitiva de Pedrinho, do Posto, sobre os vales do Vanius. Fafá diz que acha que vão cassar o Vânius, pois ele assinava todos os vales. Andréia pergunta pelos vales que Fafá e o partido deram para eles e Fafá diz que a assinatura era do posto, que ninguém deles assinou nada. Fafá fala que está recebendo ligação de várias pessoas lhe questionando se é verdade que Andréia vai ser cassada por compra de votos. Andréia fala em uma tal de Juliana é que chamava a polícia para lhe denunciar, ao passo que Fafá fala em uma tal de Kátia. Fafá e Andréia dizem que para elas é fácil montar uma história para justificar a presença de Andréia onde foi flagrada. Fafá fala que tem denúncias horríveis das casas populares contra o Vânius, de pessoas ameaçadas, se as pessoas não votassem, a Vânia iria cortar o bolsa família. Fafá diz que as pessoas lhe disseram que Vânia fez o terror e que as pessoas estão prontas para depor.

 

A captação ilícita de sufrágio restou plenamente comprovada pelos candidatos representados. Note-se que, embora a representada Andréia Portz Nunes seja a mais proativa executiva das práticas ilícitas, os diálogos demonstram que sempre agiu sob a orientação de seu companheiro, o representado André Luís Barcellos Brito, candidato ao cargo de vice-prefeito. A ciência, anuência e participação efetiva do representado André Luís Barcellos Brito é inegável e inafastável. A análise conjunta do vasto material obtido por meio das escutas telefônicas deixa claro que o representado André Luís Barcellos Brito era o responsável pelo repasse de verbas à representada Andréia Portz Nunes, verbas estas que foram utilizadas para a compra de votos em favor de sua própria candidatura e também da candidatura da chapa majoritária “Maneco e André”.

 

Em relação ao representado Emanuel Hassen de Jesus, como já referido, plenamente comprovado o benefício por ele obtido com a compra de votos e com o abuso de poder econômico ocorridos no decorrer do pleito.

 

Analisando o cenário fático recriado nos autos, concluo exaustivamente comprovada a prática de captação ilícita de sufrágio por parte dos candidatos representados.

 

Em relação ao representado Ivo dos Santos Lautert, o fato de haver permitido e colaborado com o uso da máquina pública em benefício da campanha dos candidatos representados também está comprovado nos autos. Além do testemunho da servidora municipal Lenira Bizarro de Vargas, as demais testemunhas ouvidas corroboram as imputações, como passo a transcrever.

 

Ouvida em juízo, a testemunha Marione Vilanova Nonnenmacker, arrolada pelo Ministério Público, relatou ter ocupado interinamente o cargo de Secretária Municipal de Saúde, em substituição à representada Andréia Portz Nunes, que teria desincompatibilizado para concorrer ao cargo de vereadora. Questionada pela representante do parquet, a testemunha informou haver assumindo interinamente a pasta da Secretaria Municipal de Saúde em 06 de abril de 2012, convidada pela representada Andréa Portz Nunes. Esclareceu ser técnica em enfermagem e servidora pública municipal admitida mediante concurso público. Permaneceu ocupando a pasta até a data da eleição municipal. Questionada sobre a ingerência da representada Andréia Portz Nunes na Secretaria de Saúde durante este período, a depoente Marione Vilanova Nonnenmacker respondeu que pessoas do povo lhe pressionavam e diziam que ela não era a Secretária, que a Secretária era a Andréia Portz Nunes, e que “a Andréia mandou fazer”, confirmando que a representada, embora afastada do cargo de Secretária da Saúde, permanecia exercendo influência e determinando diversas condutas. Relatou que os pedidos que recebia eram em tom de ordem, e que mesmo sendo tais pedidos negados por ela, os procedimentos requeridos acabavam por ser realizados. Disse haver comunicado tais desmandos e irregularidades, bem como a ingerência da representada Andréia Portz Nunes ao prefeito da época, o ora representado Ivo dos Santos Lautert, que prometeu providências. Disse que a pessoa de Fabiane Medeiros costumava dar ordens dentro da Secretaria de Saúde, embora não seja servidora do Município de Taquari, e que esta pessoa afirmava que tais ordens haviam sido dadas pelos representados André Luís Barcellos Brito e Emanuel Hassen de Jesus, conhecido como 'Maneco'. A depoente afirmou nunca as haver obedecido. Questionada pelo Ministério Público, disse que na Delegacia de polícia sentiu-se constrangida porque não estava acompanhada de sua advogada. O advogado que lá esteve e que a acompanhou, Dr. Carlos Alberto, já estava na Delegacia e afirmou a depoente que seria seu advogado, sem lhe perguntar se esta assim desejava. Ao ser questionada se a presença do referido advogado na Delegacia e a imposição deste em acompanhá-la a havia constrangido, a testemunha limitou-se a dizer “é complicado, é complicado, prefiro deixar assim”.

Perguntada, respondeu não haver contratado nem pago honorários a este advogado, tendo ciência que o Dr. Carlos Alberto já foi sócio do representado Emanuel em escritório de advocacia e que ambos tem são próximos.

Relatou ainda ter recebido um telefonema de Fabiane Medeiros, determinando que a depoente retirasse as vacinas contra a gripe A do posto de saúde para serem levadas para as firmas, por ordem do então candidato Maneco, o representado Emanuel Hassen de Jesus. A depoente disse que não praticar tal conduta, quando então próprio representado Emanuel Hassen de Jesus lhe telefonou e pediu as vacinas para serem lavadas para firmas. Questionada, a testemunha afirmou ter ouvido do próprio prefeito, o representado Ivo dos Santos Lautert, que esta não podia fazer nada para conter as influências externas que estavam ocorrendo na Secretaria de Saúde. Perguntada, a testemunha esclareceu que a demanda na Secretaria de Saúde na época eleitoral é muito maior que nos outros períodos, porque, segundo a testemunha “O povo enlouquece. Eles acham que vão ganhar tudo de todos os vereadores”. Questionada, a testemunha afirmou ter ciência do fato que, antes do período eleitoral, as pessoas que procuravam a Secretaria de Saúde em busca de exames, remédios, cirurgias, etc., via de regra não eram atendidas, mas sim encaminhadas para a Defensoria Pública para que judicializassem seus pedidos e que, no período da campanha eleitoral, os pedidos passaram a ser atendidos diretamente pela Secretaria de Saúde e, por esta razão, a despesa da pasta aumentou significativamente.

 

Por seu turno, a testemunha Maria do Carmo da Silva Santos, conhecida como 'Macau', arrolada pelo Ministério Público, ocupante de cargo em comissão no município de Taquari, lotada na Secretaria de Saúde na época dos fatos, em juízo relatou haver trabalhado no período em que a representada Andréia Portz Nunes titulava a pasta da saúde. A representante do parquet perguntou a testemunha por qual razão cumpria ordens da representada Andréia Portz Nunes quando esta, no período da campanha eleitoral, estava afastada da Secretaria da Saúde, conforme demonstram as conversas obtidas por meio das interceptações telefônicas. A testemunha ouviu o áudio de uma das gravações, na qual a representada Andréia Portz Nunes lhe telefona, em um final de semana, e solicita que a depoente dê um jeito de abrir a farmácia da Secretaria de Saúde e para que o medicamento “Tamiflu” seja de lá retirado e entregue para a pessoa nominada “Nica”. A depoente Maria do Carmo compromete-se a providenciar a abertura com quem tiver as chaves. Confrontada, a depoente admitiu a veracidade do diálogo, mas não soube explicar por qual razão acatava ordens da representada Andréia Portz Nunes. Mais uma conversa foi colocada para a depoente Maria do Carmo da Silva Santos, cujo diálogo demonstrou a captação de votos feita pela testemunha em troca de favores obtidos por meio da Secretaria de Saúde. Questionada, a depoente afirmou que obedecia as ordens da representada Andreía Portz Nunes por costume. Relatou que, na data em que compareceu à Delegacia de polícia, o advogado Dr. Alfeu acompanhou seu depoimento, mesmo sem ter sido contratado pela depoente nem ter recebido honorários desta.

 

De outra banda, Jorge Luís Faleiro Pereira, arrolado pela defesa do representado Ivo dos Santos Lautert, ouvido como informante por ter titulado a pasta da fazenda na gestão do prefeito Ivo dos Santos Lautert, afirmou que nos últimos meses da administração do representado Ivo dos Santos Lautert os repasses 'mal cobriam as folhas de pagamento'. Disse que era comum haver a liquidação de empenhos de um mês para o outro. Relatou que o prefeito editou um decreto limitando os empenhos a partir do início da campanha eleitoral. Afirmou que restaram dívidas para a administração superveniente, inclusive oriundas da secretaria da saúde. Perguntado, respondeu que nunca recebeu nenhum pedido de parte do representado Emanuel Hassen de Jesus. O Ministério Público informou ao depoente a realização, em razão desta ação de investigação eleitoral, de uma perícia contábil, e que esta perícia apontou terem sido preteridos alguns pagamentos em benefício da empresa Autoviação Tibiquari, tendo a testemunha respondido que a empresa Autoviação Tibiquari fornecia vales-transporte ao município e que este pagamento foi feito sem observância à ordem cronológica porque a empresa ameaçava não mais fornecer os referidos vales-transporte. Disse que situação análoga ocorreu em relação aos prestadores de serviço do recolhimento do lixo, pois tratam-se de serviços essenciais que não podem ser suspensos e, não havendo o pagamento, seriam interrompidos.

 

Pedro Alberto de Quadros Ramos, também arrolado pela defesa do representado Ivo dos Santos Lautert, qualificado como contabilista, tendo exercido cargo em comissão na administração do representado Ivo dos Santos Lautert, razão pela qual foi ouvido como informante.

Perguntado, respondeu que por falta de recursos financeiros, empenhos foram pagos com atraso na administração do representado Ivo dos Santos Lautert. Perguntado, respondeu que nunca percebeu o uso da máquina pública em favor de nenhum candidato. Perguntado, respondeu que nunca recebeu nenhum pedido de parte do representado Emanuel Hassen de Jesus. Foram mostrados a testemunha os documentos das fls. 243 e seguintes dos autos, entre eles o laudo da perícia contábil realizada. A testemunha seguiu afirmando que não houve preterição de outros pagamentos em favorecimento da empresa Autoviação Tibiquari e, após examinar a documentação, disse que imaginava que tal pagamento poderia ter ocorrido fora da ordem em razão da necessidade do município em fornecer vale-transporte aos seus servidores e passagens escolares.

 

Por fim, Sérgio Junqueira Nunes, arrolado pela defesa do representado Ivo dos Santos Lautert, ex-Secrfetário Municipal na administração daquele, foi ouvido como informante. Perguntado, disse não ter tido conhecimento de nenhum decreto editado pelo então prefeito. Afirmou que os atrasos nos pagamentos, principalmente nos finais de ano, eram recorrentes naquela administração. A defesa do representado Ivo dos Santos Lauter não logrou êxito em afastar a comprovada participação do representado nos fatos descritos na exordial e que lhe são imputados. É incontroversa a alteração na ordem cronológica dos pagamentos, efetuada em benefício da Autoviação Tibiquari, a mesma empresa cujo proprietário alcançou, pelas mãos de sua mãe, dois cheques no valor de R$ 500,00 cada um à representada Andréia Portz Nunes, como demonstram os diálogos captados pela interceptação telefônica.

 

Ademais, a ingerência da representada Andréia Portz Nunes na Secretaria Municipal de Saúde é fato incontroverso. Tal situação não seria possível sem a anuência do representado Ivo dos Santos Lautert.

De outro norte, cumpre consignar que a testemunha Marione Vilanova Nonnenmacker, ao chegar à audiência de instrução deste feito, a entregou a Magistrada cópias de seu próprio depoimento na fase do inquérito policial que originou a presente ação. A testemunha Marione Vilanova Nonnenmacker relatou que, na véspera da audiência, sua amiga Lenira Bizarro de Vargas lhe telefonou e disse que havia recebido das mãos do vereador Ramon estes documentos, os quais deveriam chegar as mãos da testemunha Marione para que esta decorasse seu conteúdo, isto para que na audiência ela não entrasse em contradições em seu depoimento judicial. Logo após o telefonema, a amiga Lenira foi até a casa da depoente e entregou o documento, informando que o vereador Ramon havia entregue pessoalmente em sua casa. A ordem do vereador Ramon foi para que a testemunha Marione Vilanova Nonnenmacker decorasse o conteúdo do documento e, após, o queimasse.

 

A testemunha Lenira Bizarro de Vargas ratificou os fatos relatados pela testemunha Marione. Perguntada, confirmou haver recebido, na véspera da audiência, cópia de seu depoimento policial das mãos do 'vereador Ramon', que esteve em sua casa por volta das 22h. Confirmou que o vereador Ramon lhe pediu para entregar uma cópia para a testemunha Marione.

 

Por seu turno, a testemunha Maria do Carmo da Silva Santos na mesma oportunidade narrou que sua filha e seu marido, na noite anterior a audiência, receberam o vereador Ramon em casa, por volta da meia noite, e que este vereador deixou-lhe alguns papéis que a depoente não fez questão de ver de que se tratava.

 

Considerando a gravidade dos relatos das testemunhas, que aparentemente apontam para o cometimento de crime, determino a extração de cópias dos depoimentos destas e seu envio para o Ministério Pública, para fins de análise e, se for o caso, de denúncia.

A leitura da manifestação da magistrada de 1° grau, parcialmente reproduzida supra, na qual a julgadora analisa a prova colhida, tece considerações e colaciona expressamente os trechos das interceptações telefônicas que importam ao presente feito, torna absolutamente evidente o cometimento de ilícitos eleitorais de parte dos recorrentes EMANUEL, ANDRÉ LUIS, ANDRÉIA e IVO.

Isso porque os documentos juntados aos autos, as conversas telefônicas interceptadas e os depoimentos das testemunhas comprovam a ocorrência de um esquema organizado que aproveitou a máquina pública para obter vantagem eleitoral, que abusou do poder político e econômico e que captou ilicitamente votos no Município de Taquari no decorrer do período eleitoral das eleições de 2012, época da gestão como prefeito de IVO, tudo para obter adesão de eleitores às candidaturas ao cargo de vereadora de ANDRÉIA, e para os cargos de prefeito e de vice-prefeito – EMANUEL e ANDRÉ LUIS, respectivamente.

Tal esquema, encabeçado pela secretária municipal da saúde licenciada (apenas formalmente), recorrente ANDRÉIA, contou com a anuência e a ciência do então prefeito IVO LAUTERT, de EMANUEL HASSEN DE JESUS (prefeito eleito em 2012, em Taquari), e de ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO (vice-prefeito eleito em 2012, em Taquari).

Constata-se que a recorrente ANDRÉIA afastou-se apenas formalmente e, tendo lançado sua candidatura à vereança em Taquari, passou a utilizar a máquina burocrática da secretaria de saúde daquele município para que a base político-eleitoral à qual pertence se perpetuasse na administração municipal.

Houve, a partir daí, a utilização de um repertório considerável de estratégias, permeadas de abuso de poder político e econômico, visando à captação ilícita de sufrágio e mediante a prática de condutas vedadas aos agentes políticos.

Nesse contexto, merece ressalva a circunstância de que, fora do período eleitoral, os cidadãos procuravam a secretaria de saúde em busca de exames, remédios, cirurgias e, via de regra, não eram atendidos, sendo orientados a procurar a defensoria pública para buscar o atendimento de seus pedidos pela via judicial, ao passo que no período da campanha eleitoral os pedidos passaram a ser atendidos diretamente pela secretaria de saúde, conforme o testemunho de Marione Vilanova Nonnenmacker, secretária de saúde interina em substituição à recorrente ANDRÉIA.

Tal quadro identifica o desiderato de obtenção de vantagem eleitoral.

O recorrente IVO DOS SANTOS LAUTERT, prefeito municipal à época dos fatos, e que estava impedido de concorrer novamente ao cargo de prefeito de Taquari no pleito de 2012, permitiu, de maneira consciente e deliberada, a utilização da máquina administrativa em favor da campanha de EMANUEL e ANDRÉ LUIS à majoritária, e de ANDRÉIA à vereança.

Depoimentos judiciais como os de Douglas Junqueira Castro e Ana Maria Junqueira e Castro, proprietários de uma empresa de transportes, facilitam o dimensionamento do jogo de influências capitaneado por ANDRÉIA PORTZ NUNES, exercido mediante indicações em prestações de serviços e pressões das mais variadas. Ana Maria, também servidora pública municipal lotada em posto de saúde da cidade de Taquari e, portanto, diretamente subordinada a ANDRÉIA, relatou o modo de proceder da recorrente para obter doações da empresa para a campanha eleitoral.

Os diálogos transcritos demonstram o modo reprovável moralmente, desrespeitoso socialmente e, sobretudo, absolutamente ilícito com que os votos dos cidadãos de Taquari foram tratados pelos recorrentes no decorrer do período eleitoral de 2012: como mercadoria, produto, moeda de troca. Com facilidade se estabeleceram preços, valores, razões de compra e venda.

No que diz respeito, especificamente, ao recorrente IVO DOS SANTOS LAUTERT, muito embora as razões recursais tenham tentado exaustivamente desvencilhá-lo dos ilícitos praticados, não há como corroborar a tese de que não tenha participado. A testemunha Marione Vilanova Nonnenmacker expressamente indicou ter conversado com IVO, então prefeito, sobre as práticas ilícitas ocorrentes na secretaria de saúde (referindo, inclusive, ter dele ouvido que tomaria providências), e IVO surge mais de uma vez durante as interceptações telefônicas como um dos protagonistas do esquema. Foi citado, inclusive, como fonte de dinheiro destinado à compra de votos (por exemplo, a interlocutora Lenira Bizarro de Freitas, dia 05 de outubro de 2012, antevéspera das eleições, às 11h47min14seg: “eu até vou falar com o Ivo agora de manhã ou na primeira hora da tarde pra ver se ele libera algum dinheiro pra essa gente pra essa gente poder pagar, né, antes das eleições”).

E, quanto a EMANUEL HANSEN, trecho do depoimento de Marione revela a participação no esquema eleitoreiro em curso na administração da Secretaria Municipal de Saúde de Taquari, verbis:

(…) Disse haver comunicado tais desmandos e irregularidades, bem como a ingerência da representada Andréia Portz Nunes ao prefeito da época, o ora representado Ivo dos Santos Lautert, que prometeu providências. Disse que a pessoa de Fabiane Medeiros costumava dar ordens dentro da Secretaria de Saúde, embora não seja servidora do Município de Taquari, e que esta pessoa afirmava que tais ordens haviam sido dadas pelos representados André Luís Barcellos Brito e Emanuel Hassen de Jesus, conhecido como 'Maneco'. A depoente afirmou nunca as haver obedecido. Questionada pelo Ministério Público, disse que na Delegacia de polícia sentiu-se constrangida porque não estava acompanhada de sua advogada. O advogado que lá esteve e que a acompanhou, Dr. Carlos Alberto, já estava na Delegacia e afirmou a depoente que seria seu advogado, sem lhe perguntar se esta assim desejava. Ao ser questionada se a presença do referido advogado na Delegacia e a imposição deste em acompanhá-la a havia constrangido, a testemunha limitou-se a dizer “é complicado, é complicado, prefiro deixar assim”. Perguntada, respondeu não haver contratado nem pago honorários a este advogado, tendo ciência que o Dr. Carlos Alberto já foi sócio do representado Emanuel em escritório de advocacia e que ambos tem são próximos. Relatou ainda ter recebido um telefonema de Fabiane Medeiros, determinando que a depoente retirasse as vacinas contra a gripe A do posto de saúde para serem levadas para as firmas, por ordem do então candidato Maneco, o representado Emanuel Hassen de Jesus. A depoente disse que não praticar tal conduta, quando então próprio representado Emanuel Hassen de Jesus lhe telefonou e pediu as vacinas para serem levadas para firmas. Questionada, a testemunha afirmou ter ouvido do próprio prefeito, o representado Ivo dos Santos Lautert, que esta não podia fazer nada para conter as influências externas que estavam ocorrendo na Secretaria de Saúde. Perguntada, a testemunha esclareceu que a demanda na Secretaria de Saúde na época eleitoral é muito maior que nos outros períodos, porque, segundo a testemunha “O povo enlouquece. Eles acham que vão ganhar tudo de todos os vereadores”. Questionada, a testemunha afirmou ter ciência do fato que, antes do período eleitoral, as pessoas que procuravam a Secretaria de Saúde em busca de exames, remédios, cirurgias, etc., via de regra não eram atendidas, mas sim encaminhadas para a Defensoria Pública para que judicializassem seus pedidos e que, no período da campanha eleitoral, os pedidos passaram a ser atendidos diretamente pela Secretaria de Saúde e, por esta razão, a despesa da pasta aumentou significativamente.

No que pertine a ANDRÉ LUIS, as transcrições telefônicas evidenciam a ação em conluio com a sua companheira, pois em inúmeras ocasiões há o aviso de que ele deve “se cuidar”, pois estariam sendo investigados os atos que praticavam.

Em complementação à análise precedente, acerca das espécies de ilícitos eleitorais atribuídas aos recorrentes: (1) condutas vedadas a agentes políticos; (2) abuso de poder econômico e de autoridade, e (3) captação ilícita de sufrágio, procedo à especificação dos comandos legais que a prova dos autos demonstrou terem sido desobedecidos.

DA OCORRÊNCIA DE CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO

Diferentemente do caso da conduta vedada, na qual o bem jurídico protegido é a isonomia entre os candidatos, a legislação que disciplina a captação ilícita de sufrágio visa a proteger a liberdade e a autonomia do eleitor, tanto sob o aspecto subjetivo (ou seja, a sua vontade ou intenção de voto) quanto objetivo (a liberdade do ato de votar propriamente dito).

O dispositivo tem a seguinte redação:

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990.

A conduta prevista no art. 41-A supõe a negociação ou, modo extremo, a compra do voto do eleitor, mediante a promessa de vantagens especificas. Há, assim, o corrompimento da vontade primitiva do eleitor na escolha do candidato de sua preferência. Deixa, aliás, de existir preferência genuína; esta é cambiada pelo interesse específico – um exame, uma consulta, uma carga de terra.

O candidato, ainda, deve responder pela infração se de qualquer maneira concorreu para a sua prática. Logo, a anuência ou a concordância com a prática também faz incidir o comando normativo.

No caso dos autos, há manancial probatório suficiente para a comprovação de que IVO DOS SANTOS LAUTERT, EMANUEL HASSEN DE JESUS, ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO e ANDRÉIA PORTZ NUNES praticaram a conduta descrita no caput do art. 41-A.

Por clareza, repiso os componentes das captação ilícita de sufrágio: a) - uma conduta ocorrida durante o período eleitoral (prática de uma ação: doar, prometer, etc.), com participação direta ou indireta do candidato; b) – o elemento subjetivo da conduta, a saber, a especial finalidade de obter o voto; e c) - o direcionamento da conduta a eleitor determinado.

Resta comprovado o atendimento de todos os componentes, como também a frequente e intensa ocorrência desse ilícito eleitoral, que maculou a liberdade de voto e a consciência de uma série de eleitores na cidade de Taquari. Houve o fornecimento, a eleitores, de consultas e serviços médicos com inegável favorecimento daqueles que comprovadamente apoiaram as candidaturas dos recorrentes, caracterizando-se, assim, a captação ilícita de sufrágio. As entregas de cargas de terra a eleitores como moeda de troca pelo sufrágio também restaram suficientemente esclarecidas a partir das conversas telefônicas interceptadas de Eugênio Vítor da Costa.

Como bem ressalvado pelo procurador regional eleitoral, mesmo que a testemunha tenha negado os fatos em juízo, suas evasivas não convencem. Aliás, a própria sentença recorrida assim já havia indicado, verbis:

Confrontado com o áudio de gravação das interceptações telefônicas, permaneceu negando a entrega de terras, embora seja exatamente este o teor dos diálogos. Afirmou que fazia campanha em benefícios dos então candidatos Emanuel Hassen de Jesus, conhecido como 'Maneco' e André Luís Barcellos Brito, mas que não fez entrega de terras para beneficiá-los. Perguntado, respondeu que quando esteve na Delegacia de Polícia, o Dr. Carlos Alberto lá o esperava e acompanhou seu depoimento sem que tenha sido contratado pelo depoente. Não houve, por parte do depoente, pagamento de honorários ao referido profissional. Note-se que esta testemunha, o Sr. Eugênio Vitor da Costa, mesmo intimado, pretendia não comparecer a audiência, tendo sido necessário conduzi-lo ao Foro. O comportamento desta testemunha durante o depoimento demonstra todo o seu nervosismo e, aliado às respostas evasivas e desconexas, deixa transparecer a total falta de credibilidade do depoente. Tal nervosismo, e mesmo a recusa em comparecer espontaneamente a audiência, se justificam pelo papel de destaque exercido por este senhor na qualidade de colaborador da campanha eleitoral, como demonstram as interceptações telefônicas.

E, mais uma vez, a ingerência de ANDRÉIA PORTZ NUNES se revela predominante. ANDRÉIA telefona para Eugênio em 27/09/2012, às 09h41min27s, e indica a existência de listas de eleitores assediados – e a conversa refere lista elaborada por ANDRÉIA e ANDRÉ LUIS. Veja-se o conteúdo da conversa:

Andréia – oi Eugênio, é a Andréia, tudo bom, bom dia.

Eugênio – bom dia.

Andréia – não, tá tudo certo, a função do PC, também aqui, sogro dele, das terra?

Eugênio – hã?

Andréia – tá certo? A terra do sogro do PC?

Eugênio – sim, sim, e do Vanderlei.

Andréia – então tá, do Vanderlei, tá certinho então.

Eugênio – não, ele.

Andréia – depois eu te ligo e vou ai já. O André te passou mais umas listinha, né?

Eugênio – é.

Andréia – eu vou atrás do Amarelo também.

Eugênio – tá aqui o André já, mas nós temos que ir atrás do Amarelo.

Andréia – tá, então tá, tchau.

Eugênio é empresário local - proprietário da uma empresa de terraplenagem, e também foi colaborador do esquema de distribuição de cargas de terra com intensa participação de “Amarelo” - Marcos de Jesus Pereira Júnior, coordenador de campanha e genro do casal de representados ANDRÉ e ANDRÉIA. Veja-se, novamente, trecho da sentença atacada, a que se evite tautologia:

Outro ponto que este diálogo esclarece é a questão da “lista”. A testemunha Eugênio Vitor da Costa disse que a lista continha nomes de pessoas que poderiam ser convencidas a votar nos representados Emanuel Hassen de Jesus, conhecido como 'Maneco' e André Luís Barcellos Brito, e que serviria para organizarem visitas a essas pessoas. Não é o que demonstra o diálogo, no qual a representada Andréia Portz Nunes diz que “Teta” já estava na “lista” quando o procura para agraciá-lo com uma entrega de terra. No contexto em que está inserida, torna-se evidente que a lista entregue pelo representado André Luís Barcellos Brito ao colaborador Eugênio Vitor da Costa continha os nomes das pessoas que haviam pedido terra em troca de votos e apoio nas eleições. Sendo o colaborador Eugênio Vitor da Costa proprietário de uma empresa de terraplanagem, é desdobramento lógico que este fosse o fornecedor do 'regalo' alcançado aos eleitores.

Além disso, os diálogos interceptados têm conteúdo absolutamente comprometedor, indicador das condutas ilícitas. ANDRÉIA conversa com “Amarelo” e, também, com a própria eleitora, sempre tratando da questão da compra do voto mediante a entrega de uma carga de terra. A mercantilização do voto é levada ao extremo, pois é referida a troca do “preço” do voto. Originariamente seria uma carga de terra, mas posteriormente a eleitora preferiu “trocar” por um exame.

Dia 28/09/2012, às 11:51:19

Amarelo – alô.

Andréia – o Amarelo, a mulher lá do Tinguité, não é mais terra, tá, ela trocou por um exame.

Amarelo – trocou por exame.

Andréia – já tá certo o exame dela, pode ficar tranqüilo, tchau.

Na espécie, restou comprovada a participação direta, nos ilícitos eleitorais, do candidato ao cargo de vice-prefeito do Município de Taquari, ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO, da chapa “MANECO e LUÍS”.

A captação ilícita de sufrágio, portanto, beneficiava também a chapa majoritária. Some-se a isso o forte vínculo havido entre companheiros de campanha eleitoral, pelos cargos máximos a serem disputados em âmbito municipal – sendo que a principal protagonista do esquema, ANDRÉIA, é companheira de ANDRÉ LUIS, e nota-se a impossibilidade de que EMANUEL não tivesse ciência de tais irregularidades. A candidata a vereadora foi flagrada, inúmeras vezes (como possível notar nas transcrições supra), captando votos também em benefício dos recorrentes EMANUEL e ANDRÉ LUIS.

E, muito embora o candidato MANECO não se tenha envolvido diretamente (como aduzido pela defesa técnica nas razões recursais), certo que o forte e inafastável vínculo político entre EMANUEL e ANDRÉ LUÍS dá conta de que não é crível a alienação total do candidato a prefeito, em pleno período eleitoral. Ora, uma campanha para o cargo de prefeito não se faz solitariamente. Trata-se da união de forças, neste caso direcionadas ao cometimento de ilícitos.

Nessa linha, os seguintes julgados do Tribunal Superior Eleitoral, também citados pelo parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, verbis:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. ELEIÇÕES 2008. PREFEITO. REPRESENTAÇÃO. CAPTAÇÃO ILÍCITA DE SUFRÁGIO. ART. 41-A DA LEI 9.504/97.

CONFIGURAÇÃO. CONHECIMENTO PRÉVIO. DEMONSTRAÇÃO. MULTA PECUNIÁRIA. PROPORCIONALIDADE E RAZOABILIDADE. NÃO PROVIMENTO. (...) 4. O forte vínculo político e familiar evidencia de forma plena o liame entre os autores da conduta e os candidatos beneficiários. Na hipótese dos autos, os responsáveis diretos pela compra de votos são primos do agravante e atuaram como cabos eleitorais - em conjunto com os demais representados – na campanha eleitoral. (...) 7. Agravo regimental não provido." (TSE. Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 815659, Relator(a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI, DJE 06/02/2012) (Original sem grifos.)

 

Recurso contra expedição de diploma. Captação ilícita de sufrágio. Abuso do poder econômico. Cassação de diploma. Candidata ao cargo de deputado federal. (...). 2. A atual jurisprudência do Tribunal não exige a prova da participação direta, ou mesmo indireta, do candidato, para fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral, elementos esses que devem ser aferidos diante do respectivo contexto fático. No caso, a anuência, ou ciência, da candidata a toda a significativa operação de compra de votos é fruto do envolvimento de pessoas com quem tinha forte ligação familiar, econômica e política. (...) Recurso a que se dá provimento para cassar o diploma da recorrida.” (TSE. Recurso Contra Expedição de Diploma nº 755, Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES, DJE 28/9/2010.) (Original sem grifos.)

No que se refere à caracterização da responsabilidade do candidato EMANUEL HASSEN DE JESUS pelos atos ilícitos cometidos, portanto, o contexto dos fatos e provas carreados leva à conclusão da impossibilidade de que o recorrente não tivesse deles ciência e consciência, do que decorre que com eles anuiu, conforme já demonstrado acima.

E a própria jurisprudência desta Corte Regional admite a responsabilização indireta por captação ilícita de sufrágio, quando os vínculos indicam a impossibilidade de ignorância quanto aos fatos. Por exemplo, no Recurso Eleitoral n. 219-23.2012.6.21.0091, de relatoria do Dr. Ingo Sarlet, julgado em 02 de julho de 2013. Tratou-se de captação ilícita de sufrágio realizada diretamente pelo pai de candidato a vereador. Transcrevo trecho do voto, objeto de concordância unânime:

Caracterizada a captação ilícita de sufrágio, as circunstâncias que envolvem os acontecimentos levam à responsabilização do candidato Evanir, pois ainda que não tenha agido diretamente, seu progenitor empreendeu a busca de votos em troca de valores pecuniários, tudo levando ao entendimento que a anuência à ação realizada está implícita frente aos fortes laços familiares a vincular agente e beneficiário, a teor do seguinte precedente do TSE, em caráter exemplificativo:

Representação. Captação ilícita de sufrágio e abuso de poder econômico. Cassação de diploma. Inelegibilidade. Candidato a senador e suplentes. 1. Caracteriza captação ilícita de sufrágio o depósito de quantia de dinheiro em conta-salário de inúmeros empregados de vigilância, quando desvinculado de qualquer prestação de serviços, seja para a própria empresa, que é administrada por irmão de candidato, seja para campanha eleitoral. 2. A atual jurisprudência do Tribunal não exige a prova da participação direta, ou mesmo indireta, de candidato, para fins de aplicação do art. 41-A da Lei das Eleições, bastando o consentimento, a anuência, o conhecimento ou mesmo a ciência dos fatos que resultaram na prática do ilícito eleitoral, elementos esses que devem se aferidos diante do respectivo contexto fático. No caso, a anuência, ou ciência, do candidato a toda a significativa operação de compra de votos é fruto de envolvimento de pessoas com quem tinha forte ligação familiar, econômica, política e trabalhista (TSE. Ac. 2.098, de 16/06/09. Rel. Arnaldo Versiani leite Soares.) (Grifei.)

DA OCORRÊNCIA DE ABUSO DE PODER ECONÔMICO E POLÍTICO

Há, de forma absolutamente clara nos autos, a estruturação de um esquema, no seio da administração pública municipal de Taquari (cuja gestão maior cabia a IVO DOS SANTOS LAUTERT), em pleno período eleitoral do ano de 2012, que vinculou a prestação de serviços públicos às candidaturas de ANDRÉIA PORTZ NUNES, ANDRÉ LUIS BARCELLOS BRITO e EMANUEL HASSEN DE JESUS

A máquina administrativa, assim, vinculou os benefícios médicos às imagens da candidata à vereadora e dos candidatos ao pleito majoritário, ora recorrentes. Ressalto que abusa do poder, sob os vieses político e econômico, o candidato que detém o controle ou a gestão de recursos patrimoniais, públicos ou privados, em um contexto que revela o desbordamento ou excesso no emprego desses recursos em seu favorecimento eleitoral (TSE, REspe n. 28.581/MG, Relator Ministro Ayres Britto, DJ de 1° de julho de 2008).

Assim, atos como o de “agilizar pagamentos” do município a empresas interessadas em apoiar as candidaturas sobressaem como típicos atos de abuso de poder político-econômico. E tais situações foram flagradas às escâncaras nas interceptações telefônicas:

As interceptações telefônicas demonstraram que prestadores de serviços do Município foram pressionados a “patrocinarem” a campanha dos requeridos, sendo o dinheiro injetado em um 'caixa dois', pois tais valores não foram declarados nas prestações de contas.

Com efeito, nas conversas interceptadas no dia 04/10/12, a requerida Andréia Porta Nunes liga para Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari, prestadora de serviços da Prefeitura Municipal, a fim de cobrar a “ajuda” que o pai de Douglas daria para sua campanha:

11h07m06s – conversa de Andréia com Douglas sobre uma ajuda que o pai dele daria para ela, mas Douglas refere que faz mais de dois meses que não entra dinheiro da prefeitura. Andréia diz que já falou com Lenira e já está entrando dinheiro dos impostos e que Douglas pode lhe dar dois cheques pré de R$500,00 (quinhentos reais) para trinta dias.

Dia 04/10/2012, às 19:11:21 – Andréia liga para Macau e solicita o número do telefone Ana Castro (Ana Maria Junqueira Castro, técnica em enfermagem da secretaria da saúde e mãe do empresário Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari).

19:13:51 – Macau liga para Andréia e passa o número do telefone de Ana Castro, qual seja, 51-97338872.

19:14:46 – Andréia fala com Ana Castro (Ana Maria Junqueira Castro, técnica em enfermagem da secretaria da saúde e mãe do empresário Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari) sobre algo que Douglas teria ficado de lhe entregar. Ana diz que Douglas não está em casa, porém retorna a ligação quando estiver com 'eles' (cheques) na mão. Andréia pergunta se na vai no comício, sendo respondido que sim, então Andréia solicita que ela leve o prometido no comício.

Dia 05/10/2012, às 08:38:54: Andréia fala com Ana (Ana Maria Junqueira Castro, técnica em enfermagem da secretaria da saúde e mãe do empresário Douglas Junqueira Castro, proprietário da empresa de ônibus Auto Viação Tibiquari) e pergunta se deu certo aquele negócio, sendo respondido que sim, inclusive está ali com ele no Passo da Aldeia. Andréia diz para trabalharem até o final da semana para conseguirem mais votos. Ana diz que tem que fazer aquela visita em Campo Bom e que deixou para amanhã justamente para isso, diz que vai levar dois de cada família. Andréia manda Ana entregar um santinho seu. Ana se lamenta, dizendo pena que não podem fazer visitas em todas as casas. Ana pede que Andréia sempre dê uma força para seu filho Douglas, como ela sempre deu. Andréia diz que vai mandar a NICA ou o AMARELO pegarem com ela.

08:42:35: Andréia liga para NICA, que diz que está na prefeitura. Andréia pede para Nica pegar uns cheques (os dois cheques de R$ 500,00 prometidos por Douglas) com a Ana Castro (mãe de Douglas) no 'postinho' do Passo da Aldeia. Nica diz que é aquele junto com a associação, sendo confirmado. Andréia pede que ela pegue e os largue em sua casa, que está esperando.

No variado repertório de práticas abusivas do poder econômico, como a contratação de substancioso contingente de cabos eleitorais para a realização de “boca de urna” no dia da eleição (diálogo interceptado na véspera do pleito, entre ANDRÉ e ANDRÉIA, dá conta de tal circunstância), vale ressaltar o generoso fornecimento de combustível em troca de apoio político, revertido na maior carreata realizada do município:

A prática de abuso de poder econômico consubstanciada no verdadeiro 'derramamento' de gasolina em favor de eleitores e em troca de apoio político restou fartamente comprovada nos autos. Fica claro que não apenas a carreata foi promovida mediante a entrega de vales-combustível, mas também houve tal prática no dia das eleições, objetivando viabilizar o transporte de eleitores. Passo a transcrever os diálogos mais significativos apurados nas interceptações telefônicas:

Note-se que os gastos com combustível, para a campanha da chapa majoritária, superaram a cifra de dezessete mil reais. Considerando a pequena extensão territorial do município de Taquari, torna-se evidente que tais valores foram distribuídos aos eleitores em forma de 'vales-combustível', configurando abuso do poder econômico e captação ilícita de sufrágio, pois seria impossível que tal quantidade de combustível houvesse sido gasta apenas nos poucos veículos utilizados pela coligação na campanha.

O depoimento da testemunha Idemar Luís Martini, arrolada pelos representados Emanuel Hassen de Jesus e André Luís Barcellos Brito, qualificado como ocupante do cargo de Secretário Municipal do Planejamento na administração do representado Emanuel, confirma este fato. Afirmou ter sido coordenador da campanha dos representados Emanuel e André. Perguntado, disse que não coordenou a campanha dos veradores. Afirmou que da carreata participaram em torno de cinquenta candidatos ao cargo de vereador. Disse que havia uma promessa de doação de valores, por parte do Partido dos Trabalhadores, para ajudar nas campanhas, mas que este dinheiro não chegou. A esta testemunha, por ter sido coordenador da campanha da chapa majoritária Maneco e André, foi perguntado quantos carros participaram da campanha, tendo a testemunha respondido que foram menos de dez carros. A testemunha negou ter havido distribuição de vales-combustível para os eleitores.

E, para além do aspecto direto do abuso de poder econômico e político, simbolizado pelo oferecimento economicamente relevante de vantagens a eleitores determinados (telhas, postes de luz, cargas de terra), restou demonstrado que os recorrentes utilizaram abusivamente das prerrogativas inerentes aos gestores da coisa pública, mediante a interferência na ordem cronológica de pagamentos da prefeitura a seus fornecedores, em relações absolutamente espúrias com empresários prestadores de serviços terceirizados da Prefeitura Municipal de Taquari, no intuito de viabilizar contribuições destes últimos às candidaturas dos representados.

Mais uma vez, transcrevo trecho da sentença:

Em juízo, esta testemunha, Sra. Lenira Bizarro de Vargas, arrolada pelo Ministério Público, qualificada como servidora pública do município de Taquari, confirmou haver recebido várias ligações da representada solicitando ajuda e que, para ajudá-la, telefonava aos fornecedores do município pedindo colaboração financeira para a campanha de Andréia Portz Nunes. Na época, a depoente ocupava na administração municiapal o cargo de 'encarregada de orçamentos', o que lhe permitia acesso facilitado aos fornecedores. Confessou que para os prestadores de transporte escolar pedia as doações para a campanha dentro da sede da prefeitura, quando estes iam até o local entregar as notas de prestação de serviços. Confrontada com o áudio de gravação da conversa em que diz à representada que irá falar com o prefeito Ivo dos Santos Lautert, ora representado, para que este liberasse valores para fornecedores, a fim que que tais fornecedores contribuíssem com a campanha eleitoral, a depoente disse que somente prometeu mas que, na verdade, não chegou a falar com o prefeito Ivo dos Santos Lautert. Disse que a representada Andréia Portz Nunes era muito insistente. Relatou que, na data em que compareceu à Delegacia de Polícia, o advogado Dr. Alfeu acompanhou seu depoimento, mesmo sem ter sido contratado pela depoente nem ter recebido honorários desta.

O depoimento da testemunha Lenira Bizarro de Vargas comprova, sem dúvida alguma, o uso da máquina pública em favor dos candidatos representados. Abordar prestadores de serviços de transporte escolar dentro da sede da prefeitura, no momento em que estes iam ao local entregar as notas para receberem os valores do mês, abordagem esta feita por uma servidora do quadro, responsável pelo trato com os fornecedores, solicitando dinheiro para campanha eleitoral de candidatos coligados ao partido do então prefeito é um ato que configura, no mínimo, constrangimento ilegal, podendo ser entendido até mesmo como uma tentativa de extorsão.

Ressalto que, para se configurar o ato como abusivo, prescinde-se da consideração acerca de sua potencialidade para alterar o resultado do pleito, valorando-se, unicamente, o quão graves foram as circunstâncias em que ele foi praticado. Prestigia-se, assim, o elemento definidor do abuso em si, o qual, em ponderação com o princípio da proporcionalidade e com a tutela ao bem jurídico protegido - legitimidade e normalidade das eleições -, traz a dimensão do juízo de reprovação a ser aplicado.

Nessa linha, a gravidade dos fatos comprovadamente havidos demonstra inegável ocorrência de abuso de poder econômico e de autoridade, conforme o inciso XVI do art. 22 da Lei Complementar n. 64/90.

CONCLUSÃO

Realizado o exame de fundo da demanda, a prova construída - por meio das interceptações telefônicas, mas também via depoimentos testemunhais e documentos - é bastante farta e não permite que pairem dúvidas acerca da ocorrência dos fatos narrados na exordial.

Houve, de parte de EMANUEL HASSEN DE JESUS, ANDRÉ LUIS BARCELLOS BRITO, ANDREIA PORTZ NUNES e IVO DOS SANTOS LAUTERT a utilização da máquina administrativa – serviços e funcionários públicos, em especial da secretaria municipal da saúde, para fins eleitorais.

Mesmo que formalmente desincompatibilizada do cargo de secretária da saúde, ANDRÉIA PORTZ NUNES permaneceu, durante o período da campanha eleitoral, a exercer o comando daquela pasta do Executivo municipal, fornecendo consultas e serviços médicos aos munícipes em troca de seus votos nas eleições. Foi também constatada a prática de captação ilícita de sufrágio por meio de entrega de cargas de terra a eleitores, em troca de votos. A organização alcançou o nível de sofisticação: possuía uma lista com nomes de eleitores a serem assediados.

E todo esse reprovável esquema foi realizado às escâncaras, tratado de forma tão natural, que nos dias que se seguiram à eleição em Taquari iniciaram as cobranças de eleitores para o recebimento das benesses prometidas. Vide, nesse sentido e por exemplo, as interceptações telefônicas do dia 09/10/2012, às 10h06min30seg (Eugênio telefona para ANDRÉIA e diz que lhe estão cobrando as promessas de campanha) e 11h45min32seg (Geni telefona para ANDRÉIA e diz que não aguenta mais as mulheres lhe ligando, querendo o dinheiro. ANDRÉIA alega que os caras do partido ainda não ligaram para ela. Ela diz que também está esperando os caras do partido lhe pagarem.).

As práticas examinadas são sérias, afetaram a normalidade da eleição, abalaram a moralidade pública e a legitimidade democrática, retiraram de diversos eleitores a liberdade na escolha do candidato. Suprimiram a isonomia entre os competidores na eleição de 2012 em Taquari. Foram cometidas por agentes públicos e pleiteantes a mandatos eletivos, além de terceiros, na proximidade das eleições.

Houve, ainda, a distribuição de uma gama variada de bens - de pneus a telhas de amianto, postes de luz e combustíveis.

Abordaram-se prestadores de serviços de transporte escolar nas dependências da Prefeitura Municipal de Taquari, para solicitar dinheiro para a campanha eleitoral dos candidatos coligados ao partido do então prefeito IVO DOS SANTOS LAUTERT.

Se necessário fosse resumir todo o exposto através apenas de uma transcrição, seria utilizado um curto diálogo da interceptação, emblema do quão reprovável é tudo o que foi  praticado pelos recorrentes durante o período eleitoral de 2012 na cidade de Taquari:

Dia 08/10/2012, às 16.46.24: abre o áudio da ligação e ouve-se Andréia falar “ah, o André falou que os votos eram nossos não senhor, se nós não tivesse comprado, quem tinha ganho eram eles.”

Comprovado o cometimento dos ilícitos eleitorais, entendo apenas caber dosagem das penas de multa fixadas na origem, conforme a gravidade das condutas de cada um dos recorrentes e a repercussão dos fatos, elementos que a jurisprudência indica, conjuntamente com a capacidade econômica do infrator, como balizadores da fixação do quantum da pena pecuniária.

Julgo, assim, improcedentes os recursos de ANDRÉ LUIS BARCELLOS BRITO (vice-prefeito) e ANDRÉIA PORTZ NUNES, eis que foram os maiores protagonistas no cometimento dos ilícitos, e parcialmente procedentes os recursos de EMANUEL HASSEN DE JESUS (prefeito) e IVO DOS SANTOS LAUTERT, apenas para reduzir o valor das penas pecuniárias cominadas na origem.

As sanções aplicadas são, portanto:

a) IVO DOS SANTOS LAUTERT: pagamento de multa de 20.000 (vinte mil) UFIRs, por violação ao artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, e declaração de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar n° 64/90;

b) ANDRÉIA PORTZ NUNES: cassação de diploma de vereadora, pagamento de multa de 30.000 (trinta mil) UFIRs, por violação ao artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, e declaração de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar n° 64/90;

c) ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO: cassação de diploma de vice-prefeito, pagamento de multa de 30.000 (trinta mil) UFIRs, por violação ao artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, e declaração de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar n° 64/90;

d) EMANUEL HASSEN DE JESUS: cassação de diploma de prefeito, pagamento de multa de 20.000 (vinte mil) UFIRs, por violação ao artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, e declaração de inelegibilidade por oito anos, nos termos do art. 22, XIV, da Lei Complementar n° 64/90.

Devem, ainda, como salientado pelo juízo de origem, ser anulados e excluídos do cômputo obtido pela legenda, mediante o recálculo do quociente eleitoral, os votos recebidos por ANDREIA PORTZ NUNES, eleita vereadora.

Resta, apenas e finalmente, indicar a observância aos artigos 222, 224 e 237 do Código Eleitoral relativamente à necessidade de novo pleito majoritário na cidade de Taquari:

Art. 222. É também anulável a votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.

 

Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos no País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.

§ 1º. Se o Tribunal Regional, na área de sua competência, deixar de cumprir o disposto neste artigo, o Procurador Regional levará o fato ao conhecimento do Procurador-Geral, que providenciará junto ao Tribunal Superior para que seja marcada imediatamente nova eleição.

§ 2º. Ocorrendo qualquer dos casos previstos neste capítulo, o Ministério Público promoverá, imediatamente, a punição dos culpados.

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso do poder de autoridade, em desfavor da liberdade de voto, serão colhidos e punidos.

E, como em virtude do Recurso Eleitoral n. 23-61.2012.621.0056, os votos conferidos ao candidato Cláudio Laurindo dos Reis Martins (chapa majoritária adversária dos recorrentes EMANUEL e ANDRÉ LUÍS) foram considerados nulos em razão da procedência da impugnação de registro de candidatura, a votação obtida pelos recorrentes EMANUEL HASSEN DE JESUS e ANDRÉ LUÍS BARCELLOS BRITO tem razão maior do que a metade dos votos válidos - hipótese a que se refere o art. 224, caput, do Código Eleitoral.

Além disso, saliente-se a execução imediata das decisões fundadas no art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

Assim, voto pela realização de novas eleições majoritárias no Município de Taquari, devendo assumir o cargo de prefeito o presidente da respectiva câmara de vereadores, provisoriamente e até a posse dos novos eleitos.

Em razão deste fato, após o julgamento de eventuais embargos de declaração, proceda-se comunicação ao juízo de origem para o imediato cumprimento desta decisão e, segundo resolução a ser emanada por esta Corte, atuar na realização de novas eleições em Taquari, administrando o município, após a comunicação e até a posse dos novos eleitos, o presidente da câmara de vereadores.

É o voto.