RE - 904 - Sessão: 17/12/2013 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pelo PARTIDO PROGRESSISTA – PP DE CAMBARÁ DO SUL contra sentença que desaprovou suas contas, referentes à movimentação financeira do exercício de 2011, em virtude do recebimento de doações de fonte vedada, consoante o disposto no art. 31, II, da Lei n. 9.096/95.

Em sua irresignação, o recorrente postula a aprovação das contas, pois as contribuições estariam em conformidade com as regras partidárias.

Alternativamente, requer a exclusão da obrigatoriedade de devolução das contribuições dos servidores investidos em cargos de coordenação, pois não estariam enquadrados no conceito de autoridade, bem como da doação do prefeito, visto não se tratar de cargo demissível ad nutum.

Por fim, caso mantida a decisão que desaprovou as contas, roga pela aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, adequando-se o período da penalidade de suspensão do recebimento das cotas do Fundo Partidário ao mínimo legal, e apenas em relação aos futuros repasses, através de desconto do valor que vier a considerar-se indevido, sem obrigatoriedade de recolhimento ao Fundo Partidário (fls. 488-495).

Nesta instância, os autos foram com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 501-506).

É o relatório.

 

 

 

 

VOTO

Tempestividade

O recurso é tempestivo, pois interposto dentro do tríduo legal.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido.

Mérito

O escopo da prestação de contas é garantir à Justiça Eleitoral a possibilidade de realizar o controle da arrecadação e das despesas dos partidos políticos, conferindo maior transparência e legitimidade às eleições. Nessa senda, certos requisitos e limites são estabelecidos, dentro dos quais os partidos precisam mover-se no intuito de ter suas contas aprovadas.

No caso, trata-se de prestação de contas de partido político desaprovada em virtude do recebimento de doações de fonte vedada, consoante o disposto no art. 31, II, da Lei nº 9.096/95.

Registro que o e. Tribunal Superior Eleitoral (TSE), até a edição da Res. TSE n. 22.585/07, havia firmado entendimento no sentido de ser possível a contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum, conforme se depreende da ementa do julgamento da Pet. n. 310 (Res. TSE n. 20.844, de 14/08/2001), relator min. Nelson Jobim:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT.

EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 1996.

Contribuição de filiados ocupantes de cargos exoneráveis ad nutum.

Inexistência de violação ao art. 31, II, da Lei n° 9.096/95. Contas aprovadas.

(PETIÇÃO nº 310, Resolução nº 20844 de 14/08/2001, relator(a) Min. NELSON AZEVEDO JOBIM, Publicação: DJ - Diário de Justiça, volume 1, data 09/11/2001, página 154 RJTSE - Revista de Jurisprudência do TSE, volume 13, tomo 1, página 302.)

Entretanto, desde o advento da mencionada resolução, o tema não comporta mais os argumento trazidos pelo recorrente.

Por oportuno, reproduzo ementa da consulta que deu origem à resolução:

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade.

Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(CONSULTA nº 1428, Resolução nº 22585 de 06/09/2007, Relator(a) Min. JOSÉ AUGUSTO DELGADO, Relator (a) designado (a) Min. ANTONIO CESAR PELUSO, Publicação: DJ – Diário de Justiça, Data 16/10/2007, Página 172.)

(Grifei.)

Os fundamentos exarados para a mudança de interpretação deram-se nos seguintes termos:

(...) Estamos dando interpretação dilatada. Estamos dizendo que autoridade não é somente quem chefia órgão público, quem dirige entidade, o hierarca maior de um órgão ou entidade. Estamos indo além: a autoridade é também o ocupante de cargo em comissão que desempenha função de chefia e direção.

(…)

Está claro. A autoridade não pode contribuir. Que é a autoridade? É evidente que o hierarca maior de um órgão ou entidade já não pode contribuir, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista, e, além disso, os ocupantes de cargo em comissão.

(…)

As autoridades não podem contribuir. E, no conceito de autoridade, incluímos, de logo, nos termos da Constituição, os servidores que desempenham função de chefia e direção. É o artigo 37, inciso V.

(…)

Para mim, autoridade em sentido amplo: todo aquele que possa, por exemplo, em mandado de segurança, comparecer nessa qualidade, para mim é autoridade (…)

O Tribunal responde à consulta apontando que não pode haver a doação por detentor de cargo de chefia e direção.

(Grifei.)

Colaciono jurisprudência deste Tribunal no mesmo sentido:

Recurso. Prestação de contas. Exercício 2010. Desaprovação no juízo originário.

Expressiva parte da receita partidária oriunda de doações de pessoas físicas, ocupantes de cargos em comissão, na condição de autoridade. Prática vedada pelo disposto no artigo 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 1997. Relator Eduardo Kothe Werlang, 30/07/2012.)

 

Recurso. Prestação de contas de partido político. Doação de fonte vedada. Exercício financeiro de 2008.

Doações de autoridades titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta, prática vedada pela Resolução TSE n. 22.585/2007 e pelo inc. II do art. 31 da Lei n. 9.096/95.

Desaprovação das contas pelo julgador originário.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis "ad nutum" da administração direta ou indireta que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Razoável e proporcional a aplicação, de ofício, de 6 meses de suspensão das quotas do Fundo Partidário, a fim de colmatar lacuna da sentença do julgador monocrático.

Provimento negado.

(TRE – RS, RE 100000525, Relatora Desa. Federal Elaine Harzheim Macedo, 25/04/2013.) (Grifei.)

Destaco que, em 06/09/2013, ao julgar recurso interposto pelo mesmo órgão partidário municipal ora recorrente, este Tribunal Eleitoral manteve a decisão de primeiro grau que desaprovou as contas do exercício financeiro de 2010, por motivos idênticos aos aqui examinados, e cuja ementa abaixo transcrevo:

Recurso. Prestação de contas de partido político. Art. 31, incisos II e III, da Lei n. 9.096/95. Exercício financeiro de 2010.Desaprovação das contas pelo julgador sentenciante, ao entendimento de que foram realizadas doações ao partido por pessoas vedadas pela lei eleitoral. Rejeitada a preliminar de inconstitucionalidade da Resolução TSE n. 22.585/07. Norma regulamentada com intuito de determinar o alcance do conceito de autoridade para fins de exame da legalidade das doações realizadas a partido político. Cumprimento da função normativa pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Configuram recursos de fonte vedada as doações a partidos políticos advindas de titulares de cargos demissíveis ad nutum, da administração direta ou indireta, que tenham a condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. Provimento negado.

(TRE – RS, RE 598, Relatora Desa. Maria de Fátima Freitas Labarrère, 06/09/2013.) (Grifei.)

Ressalto que o conceito de autoridade, segundo o atual entendimento, abrange apenas os servidores ocupantes de cargos de direção e chefia (art. 37, inc. V, da Constituição Federal), sendo excluídos os que desempenham exclusivamente a função de assessor.

Como se verifica, transmudou-se de uma compreensão que privilegiava a proteção do partido político contra a influência do poder público, para uma interpretação que ressalta a relevância dos princípios democráticos da moralidade, dignidade do servidor e preservação contra abuso de autoridade e do poder econômico.

Nesse contexto, não paira qualquer dúvida sobre o enquadramento dos ocupantes dos cargos em comissão na condição de autoridade.

Isso porque os doadores em questão são elencados com a descrição dos cargos ocupados, um a um, na sentença das fls. 480-485, sendo inequívoco que se inserem no conceito atual de “autoridade”, preconizado pela Superior Corte Eleitoral.

Cumpre aqui ressaltar que, embora não conste expressamente no pedido da peça recursal, à fl. 492 o recorrente pede o afastamento da obrigatoriedade da devolução dos valores doados pela servidora Rosa Maria Azevedo Velho, pois não teria sido esclarecido qual cargo ela ocuparia. No entanto, às fls. 298-299, constam, respectivamente, portaria de nomeação e termo de posse que possibilitam constatar que referida servidora foi empossada no cargo em comissão de coordenadora de material e compras, motivo pelo qual a obrigação de restituição dos valores se mantém igualmente em relação às doações por ela realizadas.

Por essas razões, tenho que não procedem as alegações do recorrente, restando incontroversa a irregularidade apontada, motivo pelo qual a douta decisão monocrática não merece reparos.

Quanto à alegação do apelante, de que a doação realizada pelo prefeito não estaria eivada de vício, eis que não se trata de cargo demissível ad nutum, entendo desarrazoada.

O art. 31, II, da Lei n. 9.096/95, assim dispõe:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II - autoridade ou órgãos públicos, (…);

(Grifei.)

Ora, é nítida a condição de autoridade inerente ao cargo de prefeito, visto ser o hierarca maior do órgão municipal.

Assim, é indiferente, no caso do dirigente máximo do município, ser ou não demissível ad nutum, pois ele indiscutivelmente ostenta o conceito de autoridade sobre o qual incide a vedação do inciso II do art. 31 da lei partidária. Portanto, é irregular sua contribuição aos cofres da agremiação.

Por fim, dentre as irresignações postas pelo recorrente, resta analisar os pedidos alternativos de: a) aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, adequando-se, se for o caso, o período da penalidade de suspensão do recebimento das quotas do Fundo Partidário ao mínimo legal; b) desconto do valor que vier a considerar-se indevido apenas nos futuros repasses, sem obrigatoriedade de recolhimento ao Fundo Partidário.

Adianto que entendo não assistir razão ao apelante. Explico.

O § 3º do art. 37 da Lei n. 9.096/95 (a esta acrescido pela Lei n. 12.034/2009) passou a dispor que a suspensão do recebimento de novas quotas do Fundo Partidário por desaprovação da prestação de contas deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável.

Vejamos:

Art. 37. A falta de prestação de contas ou sua desaprovação total ou parcial implica a suspensão de novas cotas do Fundo Partidário e sujeita os responsáveis às penas da lei.

(…)

§ 3º. A sanção de suspensão do repasse de novas quotas do Fundo Partidário, por desaprovação total ou parcial da prestação de contas de partido, deverá ser aplicada de forma proporcional e razoável, pelo período de 1 (um) mês a 12 (doze) meses, por meio do desconto, do valor a ser repassado, da importância apontada como irregular, não podendo ser aplicada a sanção de suspensão, caso a prestação de contas não seja julgada, pelo juízo ou tribunal competente, após 5(cinco) anos de sua apresentação.

(Grifei.)

Todavia, o inciso II do art. 36 da mesma lei assim dispõe:

Art. 36. Constatada a violação de normas legais ou estatutárias, ficará o partido sujeito às seguintes sanções:

(…)

II – no caso de recebimento de recursos mencionados no art. 31, fica suspensa a participação no Fundo Partidário por um ano;

(Grifei.)

Assim, tendo em vista que a desaprovação da prestação de contas deu-se pelo recebimento de recursos advindos de “autoridades” – fonte vedada pelo art. 31, inciso II, da Lei n. 9.096/95 –, aplica-se, neste caso, a pena de suspensão com base no art. 36, inciso II, da Lei dos Partidos, o qual não possibilita graduação, prescrevendo o prazo único e taxativo de um ano.

Relativamente ao pedido de que os valores recebidos indevidamente pelo partido sejam descontados apenas dos repasses futuros do Fundo Partidário, entendo inexistir base legal a tutelar o direito do recorrente, motivo pelo qual mantenho a decisão singular também quanto a este ponto, devendo os referidos valores serem recolhidos ao Fundo Partidário, com fundamento na última parte do inciso II do art. 28 da Res. TSE n. 21.841/2004.

Registro que o recolhimento dos valores deverá ser realizado dentro do prazo de 60 dias, contados do trânsito em julgado da decisão (art. 34 da Res. TSE n. 21.841/2004).

Ante todo o exposto, VOTO pelo não provimento do recurso, mantendo: a) a desaprovação das contas do PARTIDO PROGRESSISTA de Cambará do Sul relativas ao exercício de 2011; b) a sanção fixada de suspensão, com perda, das quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano, após o trânsito em julgado, nos termos do art. 36, inciso II, da Lei n. 9.096/95; c) a determinação do recolhimento do valor de R$ 21.912,24 – oriundo de fontes vedadas – ao Fundo Partidário, com fundamento no inciso II do art. 28 da Res. TSE n. 21.841/2004.