RE - 23380 - Sessão: 02/07/2013 às 14:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto pela COLIGAÇÃO UNIDOS PARA O PROGRESSO contra sentença do Juízo da 99ª Zona Eleitoral - Nonoai - que julgou improcedente representação ajuizada em desfavor da COLIGAÇÃO FRENTE DEMOCRÁTICA POPULAR, ANTÔNIO JOÃO CERESOLI e ERPONE NASCIMENTO, não reconhecendo a prática de captação ilícita de sufrágio, sob o fundamento de que a prova colhida se mostrou desprovida de credibilidade (fls. 131/134).

Em suas razões, a representante sustenta que as provas não foram devidamente valoradas, dando-se-lhes um viés penal,  sendo apenas negada a ocorrência dos fatos, quando os depoimentos se mostraram uníssonos e coerentes com a acusação lançada e devidamente provada (fls. 143/149).

Com as contrarrazões (fls. 152/167), foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo desprovimento do recurso (fls. 170/172v.).

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é tempestivo, pois interposto no prazo de três dias, conforme estabelece o art. 31 da Resolução TSE n. 23.367/2011.

A Coligação Unidos Para o Progresso propôs representação em desfavor da Coligação Frente Democrática Popular e seus candidatos Antônio João Ceresoli e Erpone Nascimento, reeleitos prefeito e vice-prefeito de Gramado dos Loureiros no pleito passado, visto que, ao início do mês de setembro de 2012, no interior do gabinete do representado, na sede municipal, foi oferecido material de construção para uma área, um banheiro e cobertura da casa dos eleitores Valmir Brusque da Silva e Neusa de Fátima dos Santos da Silva, mediante a troca dos votos dos beneficiados, caracterizando ilícito que se amolda ao art. 41-A da Lei n. 9.504/97.

O mencionado dispositivo legal assim preceitua:

Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinquenta mil Ufir, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.

§ 1º Para a caracterização da conduta ilícita, é desnecessário o pedido explícito de votos, bastando a evidência do dolo, consistente no especial fim de agir.

(...)

A caracterização da captação ilícita de sufrágio vem definida no magistério de Rodrigo López Zilio (Direito Eleitoral, Ed. Verbo Jurídico, 2012, págs. 490/491), nos seguintes termos:

Captação ilícita de sufrágio, em verdade, é uma das facetas da corrupção eleitoral e pode ser resumida como ato de compra de votos. Tratando-se de ato de corrupção necessariamente se caracteriza como uma relação bilateral e personalizada entre o corruptor e o corrompido. Em síntese, a captação ilícita de sufrágio se configura quando presentes os seguintes elementos: a) a prática de uma conduta (doar, prometer, etc.); b) a existência de uma pessoa física (o eleitor); c) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter voto); d) o período temporal específico (o ilícito ocorre desde o pedido de registro até o dia da eleição).

Os verbos nucleares da captação ilícita de sufrágio (doar, oferecer, prometer ou entregar) encontram similitude com os previstos para o crime de corrupção eleitoral ativa (dar, oferecer, prometer), restando como diferenciador, apenas, a conduta de doar – que é prevista na captação ilícita de sufrágio e inexistente na corrupção eleitoral, evidenciando-se o desiderato legislativo de ampliar o espectro punitivo. Entregar, pelo léxico, significa passar às mãos ou à posse de alguém; doar importa a transmissão gratuita; oferecer significa apresentar ou propor para que seja aceito; prometer é obrigar-se a fazer ou dar alguma coisa.

(...)

Para a configuração do ilícito a conduta deve ser dirigida a eleitor determinado ou determinável. Neste passo, é necessário traçar o elemento distintivo entre a captação ilícita de sufrágio – que é vedada – e a promessa de campanha – que, em princípio, é permitida. Quando a conduta é dirigida a pessoa determinada e é condicionada a uma vantagem, em uma negociação personalizada em troca do voto, caracteriza-se a captação ilícita de sufrágio. Diversa é a hipótese de uma promessa de campanha, que é genericamente dirigida a uma coletividade, mas sem uma proposta em concreto como condicionante do voto. (…)

O doutrinador Francisco de Assis Vieira Sanseverino (Compra de votos – Análise à luz dos princípios democráticos, Ed. Verbo Jurídico, 2007, p.274) leciona que o art. 41-A da Lei 9.504/97 protege como bens jurídicos, de forma mais ampla, a normalidade e a legitimidade das eleições, decorrentes dos princípios democrático e republicano; e, de maneira mais específica, resguarda, a um só tempo, o direito de votar do eleitor, nos aspectos da sua liberdade de consciência, da liberdade de opção, e a igualdade de oportunidades entre candidatos, partidos e coligações.

Assevera o ilustre autor, ainda, que para o enquadramento da conduta na moldura do texto do art. 41-A, deve haver a compra ou negociação do voto do eleitor, com promessas de vantagens mais específicas, de forma a corrompê-lo. Já as promessas de campanha eleitoral, embora também dirigidas aos eleitores, e com a nítida finalidade de obter os seus votos, têm caráter mais genérico.

A captação ilícita pressupõe, para sua caracterização, a necessidade de pelo menos três elementos, segundo interpretação do TSE: 1) a prática de uma conduta (doar, oferecer, prometer, etc.); 2) a existência de uma pessoa física (eleitor); 3) o resultado a que se propõe o agente (o fim de obter o voto).

Assim, para a configuração da hipótese do artigo 41-A da Lei n. 9.504/97, é necessária a conjugação de elementos subjetivos e objetivos que envolvem uma situação concreta.

Sabe-se que a prova do ilícito não é expressa, cabendo ao julgador buscar o liame necessário para construir o seu juízo de valor sobre os fatos. A análise é subjetiva - passível, portanto, de natural controvérsia e discussão.

Ao apreciar representação por captação ilícita de sufrágio, o Judiciário fica dividido entre a defesa da moralidade pública e a supremacia do sufrágio universal. Para desconstituir-se a escolha popular é preciso que haja segurança a respeito do ilícito, evitando-se, assim, eventuais interferências do Judiciário nas escolhas democraticamente realizadas.

Nessa senda, a jurisprudência exige, para a procedência da representação, prova cabal, robusta e estreme de dúvidas da ocorrência da compra de votos, conforme se extrai das seguintes ementas:

Recursos. Decisão que, apreciando conjuntamente ações de impugnação de mandato eletivo e investigação judicial eleitoral por abuso de poder econômico, político e de autoridade, corrupção ou fraude, condutas vedadas e captação ilícita de sufrágio, julgou os pedidos improcedentes.

Alegada entrega de telhas, ranchos, colchões a pretexto de assistência a flagelados. Uso irregular de maquinário e servidor público em benefício de candidatura. Produção de material gráfico em proporção tida como exacerbada. Distribuição de camisetas em troca de votos, utilização de veículo de transporte escolar contendo propaganda eleitoral e outras irregularidades.

Rejeitada preliminar que impugna apensamento das ações. Validade da reunião dos processos, nos estritos termos dos arts. 103 e 105 do Código de Processo Civil, ante a clara identidade de suas causas de pedir.

Necessidade, para embasar juízo de procedência nas demandas impugnatórias, da comprovação, no mínimo de anuência – ou seja, da participação efetiva, ainda que indireta – do candidato com a conduta ilegal imputada, bem como do elo da referida conduta com a sua campanha eleitoral. Necessária, ainda, potencialidade do abuso para influenciar no resultado do pleito.

Impossibilidade de vincular a autoria dos fatos aos atuais mandatários. Conjunto probatório apoiado em testemunhos confusos, vinculados a manifesta preferência política das partes, inconsistentes para sustentar juízo de condenação. Ausência de provas sólidas e estremes de dúvida que comprovem a prática das infrações descritas na inicial. Provimento negado. (RE 100000892-TRE/RS, Acórdão de 30/7/2010, Relator Dr. Jorge Alberto Zugno.)

Recurso. Improcedência de representação com pedido de abertura de investigação judicial eleitoral por alegada prática de abuso de poder econômico. Doação de dinheiro, promessa de emprego e oferta de espaço comercial em troca de votos.

Preliminares afastadas. Despiciendo e procrastinatório o requerimento de perícia em equipamento de gravação. Descabido o ingresso de testemunha no polo passivo da demanda, exigindo-se ação própria para apuração de eventual delito.

Em que pese a proposição da ação com base no artigo 22 da Lei Complementar 64/90, os fatos narrados na inicial amoldam-se ao previsto no artigo 41-A da Lei n. 9.504/97.

Matéria probatória formada por gravações unilaterais e testemunhos comprometidos pela orientação política dos envolvidos, insuficiente para a comprovação da ocorrência dos fatos que configurariam as hipóteses de abuso de poder econômico ou captação ilícita de sufrágio.

Provimento negado. (RECURSO - AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL nº 216, Acórdão de 13/04/2010, Relator(a) DRA. LÚCIA LIEBLING KOPITTKE, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 58, Data 19/04/2010, Página 2.)

Diante do exame da prova obtida, confrontando-se os depoimentos colhidos com as alegações trazidas na inicial, verifica-se que não confortam um juízo de reprovação, em vista das inconsistências de que se revestem, as quais foram bem detectadas pelo magistrado de origem, merecendo transcrição excerto da sentença do Dr. David Reise Gasparoni, em virtude de sua correção e clareza:

De plano, cumpre anotar que tal imputação, da maneira como se apresenta, já aporta ao Judiciário desprovida de maior credibilidade.

Primeiro em função do tempo transcorrido entre o alegado ilícito e a tomada de medidas, por parte dos supostos cooptados. A promessa teria acontecido no início de setembro. O material entregue no dia 25 daquele mês. Entretanto, Valmir e Neusa nenhuma atitude tomaram. Não procuraram a delegacia, nem o MPE. Ficaram inertes. Somente depois das eleições é que se sentiram estimulados a denunciar o episódio. E aqui o detalhe: Tanto Valmir quanto Neusa são militantes políticos, filiados ao PDT, partido que integrou a coligação derrotada. Por sinal, em seu depoimento, Valmir refere que trabalhou ativamente no último pleito.

A militância partidária, por si só, já é suficiente para que as palavras dos supostos cooptados sejam examinadas com bastante reserva. Para além disso, o comportamento do casal demonstra, de maneira clarividente, a total falta de compromisso com o espírito democrático, com a moralidade ou com a lisura das eleições. Houvesse um mínimo de compromisso com tais postulados, a denúncia teria sido encaminhada de imediato às autoridades competentes.

Mas não. Ao invés disso, o que se constata é puro oportunismo. Primeiro aguardaram o resultado das eleições. Depois, em função do revés sofrido nas urnas, resolveram agir. Esse padrão de comportamento, há de se convir, não se afina com a boa-fé, como, de resto, chama a atenção o modo tranquilo com que contaram, em juízo, que teriam vendido seus votos, dentro de uma espécie de concepção de que estavam escudados pelo manto da pobreza.

Delineados esses contornos, e já avançando no campo probatório, o que se viu, durante a instrução, é que o fato relatado na inicial não aconteceu. O sentimento que se tem, na verdade, é que se está diante de uma farsa.

Debruçando-se sobre os depoimentos colhidos, várias são as contradições que podem ser esmiuçadas. Mas apego-me, em especial, a uma, a mais gritante de todas, e que foi capaz inclusive de provocar constrangimento a todos os profissionais do direito, presentes na sala de audiência.

Ei-la: Valmir e Neusa, os supostos cooptados, divergem sobre quem efetivamente participou da reunião, no gabinete do Prefeito, quando teria sido feita a promessa da entrega do material, em troca de votos. Valmir sustenta, em alto e bom tom, que foi sozinho, destacando que sua mulher, Neusa, ficou aguardando num posto de saúde. Para espanto de todos, Neusa desmentiu o marido. Ela jura que foi junto com o esposo até o gabinete do prefeito, tendo participado da dita reunião. Indagada quanto à contradição dos depoimentos (dela e de seu esposo), chegou a dizer que seu marido mentiu.

Ora, essa estupenda contradição equivale a uma espécie de confissão, em termos probatórios, possuindo suficiente estatura para desvendar a farsa montada. Não é possível que haja dissenso num fato tão simplório, tão evidente, em especial, quando se trata de um episódio marcante, que teria ocorrido há dois/três meses. Se o marido dissesse que não recordava da companhia da esposa, ainda se poderia cogitar de conceder um desconto. Mas pelo contrário: cada qual foi contundente ao sustentar sua posição. Um disse que foi sozinho. A outra disse que foi junto (confira-se o depoimento de Valmir aos 3min57seg, 25min30seg, 39min25seg e 39min,41seg, e o depoimento de Neusa a 1min24seg, 5min11seg e aos 28min28seg).

Como salientei, as contradições não param por aí. Neusa referiu que ao chegar com seu esposo à Prefeitura encontraram “Déia” (Josiele), recepcionista, que teria, então, passado o casal ao gabinete do Prefeito. Valmir, no entanto, refere que não houve qualquer intermediação. Teria ele chegado à Prefeitura e, por conta própria, irrompido gabinete adentro (soa no mínimo estranha essa familiaridade!). Ouvida em Juízo, Josiele, chefe de gabinete do Prefeito, negou que tivesse recepcionado qualquer um dos cônjuges, destacando, no mais, que nunca avistara Valmir e Neusa nas dependências da Prefeitura. De fato, não há qualquer testemunha (ou outro adminículo de prova) capaz de confirmar o suposto encontro ocorrido no gabinete do prefeito.

Dentre outras inconsistências, também trago a lume as que dizem respeito à descrição física da sala do gabinete, e, ainda, ao momento em que teria s ido adquirida a argamassa que aparece na fotografia de fl. 10.

Afora as contradições, há incoerências, e, neste aspecto, me reporto à afirmação de Valmir, no sentido de que ele teria, de forma aleatória, em prejuízo ao seu trabalho, aguardado em casa por uma semana a visita de Roberto Gugel Machado, para tratar da promessa do material. Tal alegação não se apresenta crível.

Para completar, tem-se a declaração assinada por Antônio Carlos Ferreira de Moura (fl. 75), mencionando que ouviu de Sandro (irmão de Neusa) a versão de que Valmir receberia R$ 3.000,00 para vir ao fórum inventar que ganhou material de construção do Tonho (Antônio Ceresoli), para votar no 45. Antônio, signatário da declaração, confirmou em juízo o referido teor. Já Sandro, que teria feito a revelação, negou o episódio.

Nesse embate, difícil saber quem falta mais com a verdade. Parece evidente que os depoimentos tomados estão (quase todos), de certa forma, viciados em função dos interesses políticos subjacentes. Todavia, pelo conjunto dos elementos, o fato é que não se pode descartar que Valmir tenha, efetivamente, recebido aludida oferta para inventar a trama. Afinal, de uma forma ou de outra, escrúpulo ele já revelou que não tem. Tudo a pretexto de ser pobre.

Enfim, necessário dizer que nessa estória não há mocinhos e vilões. A disputa política, mormente em pequenas cidades – caso de Gramado dos Loureiros, cujo páreo foi decidido por cinco votos! - acaba expondo as mazelas da sociedade. Ao mesmo tempo em que se festeja o ápice da democracia, também se convive com denúncias de compra e venda de votos. Não se pode negar, infelizmente, que tais episódios possam, de algum modo, ter acontecido. E, com efeito, cumpre ao Judiciário punir, com todo o rigor da lei, fatos dessa natureza e toda a sorte de ilícitos que se achem devidamente provados.

Não é o caso específico destes autos. Aqui, o que ficou provado, é que o fato não aconteceu. (grifei)

À vista dessas considerações, constata-se que a prova da captação ilícita de sufrágio não encontra robustez alguma, não oferece a firme certeza, inconteste, estreme de dúvidas, para comprovar a ocorrência da infração nos moldes descritos na inicial e amparar um juízo condenatório. Nesse sentido, cabe citar os seguintes precedentes, em caráter exemplificativo, sobre a consistência que deve revestir o depoimento para firmar decisão que cassa o diploma de representante escolhido democraticamente por sufrágio dos munícipes:

MANDATO - CASSAÇÃO - COMPRA DE VOTOS - PROVA TESTEMUNHAL.

A prova testemunhal suficiente à conclusão sobre a compra de votos - artigo 41-A da Lei no 9.50411997 - há de ser estreme de dúvidas. (TSE. REspe. n. 38277-06.2008.6.20.0000, de 06/09/2011. Relator Ministro MARCO AURÉLIO. DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 210, Data 07/11/2011, Página 23-24 REPDJE - Republicado DJE, Data 09/11/2011, Página 28.)

 

Captação ilícita de sufrágio. Prova testemunhal.

1. A captação ilícita de sufrágio pode ser comprovada por meio de prova testemunhal, desde que demonstrada, de maneira consistente, a ocorrência do ilícito eleitoral.

2. Assentando o acórdão regional que testemunha confirmou em juízo as declarações prestadas no Ministério Público no sentido de que o candidato a prefeito teria diretamente cooptado seu voto, na fila de votação, mediante pagamento de quantia em dinheiro e oferta de emprego, deve ser reconhecida a prática do ilícito previsto no art. 41-A da Lei no 9.504197.

Agravo regimental não provido (TSE. 46980-21.2008.600.0000. AgR-REspe - Agravo Regimental em Recurso Especial Eleitoral nº 29776 - novo airão/AM Acórdão de 21/06/2011. Relator(a) Min. ARNALDO VERSIANI LEITE SOARES).

Diante do exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso