MSCiv - 0600049-27.2025.6.21.0000 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

VOTO

O mandado de segurança é a ação constitucional colocada à disposição do jurisdicionado quando seu direito líquido e certo está sendo violado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade, nos termos do art. 5º, inc. LXIX, da Constituição Federal.

Na hipótese dos autos, discute-se a legalidade de decisão interlocutória proferida pelo Juízo Eleitoral de Carazinho, no âmbito da AIJE n. 0600654-59.2024.6.21.0015, que determinou, de ofício, a inclusão da vice-prefeita eleita no polo passivo da ação, após o transcurso do prazo decadencial para o ajuizamento da demanda.

O ato judicial impugnado tem natureza de decisão interlocutória, que, na seara eleitoral, não é recorrível de imediato, admitindo-se debate por recurso próprio no momento processual oportuno, conforme disciplina o art. 19, caput, da Resolução TSE n. 23.478/16:

Art. 19. As decisões interlocutórias ou sem caráter definitivo proferidas nos feitos eleitorais são irrecorríveis de imediato por não estarem sujeitas à preclusão, ficando os eventuais inconformismos para posterior manifestação em recurso contra a decisão definitiva de mérito.
 

Nada obstante, a jurisprudência admite o mandado de segurança contra decisões judiciais interlocutórias em situações excepcionais, quando demonstrada teratologia ou manifesta ilegalidade, conforme sedimentado na Súmula n. 22 do Tribunal Superior Eleitoral: “Não cabe mandado de segurança contra decisão judicial recorrível, salvo situações de teratologia ou manifestamente ilegais.”

No caso concreto, verifica-se a configuração de manifesta ilegalidade, uma vez que o Juízo Eleitoral, de ofício e sem provocação da parte autora, determinou a inclusão da vice-prefeita eleita no polo passivo da AIJE, violando, assim, o princípio da inércia da jurisdição e ignorando a evidente decadência do direito de ação.

Nos termos da Súmula n. 38 do TSE, “nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária”, uma vez que eventual procedência do pedido tem o condão de atingir a esfera jurídica de ambos os candidatos, em decorrência da unicidade e indivisibilidade da nominata lançada no pleito majoritário.

A Corte Superior Eleitoral somente afasta a incidência da referida Súmula caso a procedência do pedido veiculado na ação eleitoral não permitir a cassação de registro/diploma, em virtude de a chapa majoritária não ter sido eleita, em que cabível somente a inelegibilidade ou a aplicação de multa, penalidades de caráter pessoal que não se comunicam aos integrantes da chapa (TSE, Agravo de Instrumento n. 51853, relator: Ministro Sergio Silveira Banhos, DJE de 6.3.2020).

Isso significa que o ajuizamento de uma AIJE contra candidato majoritário eleito e com pedido de cassação do mandato exige, obrigatoriamente, a inclusão do vice-prefeito no polo passivo da demanda até a data da diplomação, sob pena de configurar a decadência do direito de ação, consoante explica a doutrina de Rodrigo López Zílio:

Em caso de litisconsórcio passivo necessário, é indispensável que o autor da AIJE promova a citação de ambos os representados dentro do prazo de ajuizamento da ação, sob pena de decadência do direito. Contudo, não é necessário que ambos os representados já estejam citados até a consumação do prazo final. O que se exige é que seja requerida a citação de ambos até antes do escoamento do prazo decadencial, pois a demora na efetivação da integração à lide não pode prejudicar o autor da ação (Súmula nº 106 do STJ). Caso o pedido de citação do Vice ou do suplente de Senador ocorra após o transcurso do prazo de ajuizamento da AIJE ocorre a decadência do direito, sendo o processo extinto sem resolução de mérito.

(Manual de Direito Eleitoral. 10º edição, São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, pág. 763) (Grifei.)

 

No mesmo sentido, o escólio de José Jairo Gomes destaca que o requerimento para inclusão do litisconsorte passivo necessário somente pode ocorrer dentro do prazo de ajuizamento da ação, pois, do contrário, o direito pretendido já se encontra fulminado pela preclusão, não sendo viável sequer a citação do litisconsorte ausente:

No litisconsórcio passivo necessário, se a demanda não for proposta em face de todos aqueles que devem figurar no polo passivo da relação processual, deverá o órgão judicial determinar “ao autor que requeira a citação de todos que devam ser litisconsortes, dentro do prazo que assinar, sob pena de extinção do processo” (CPC, art. 115, parágrafo único).

Ocorre que só é possível a emenda da petição inicial para incluir litisconsorte faltante se tal ato se perfizer dentro do prazo para o ajuizamento da ação. Do contrário, em relação ao ausente, esse prazo seria indevidamente estendido, o que significaria exercer um direito já fulminado pela decadência. A regra inscrita no aludido parágrafo único (do art. 115 do CPC) pressupõe que a decadência ainda não esteja consumada. Por se tratar de litisconsórcio passivo necessário, o direito não é considerado exercido senão quando a ação é proposta (CPC, art. 312) em face de todos os litisconsortes. De sorte que o aditamento da petição fora do lapso legal com vistas à inclusão do litisconsorte faltante no processo implica a extinção deste com resolução do mérito por decadência (CPC, art. 487, II) do direito de invocar a jurisdição.

(Direito Eleitoral. 20º edição, Barueri: Atlas, 2024, págs. 774-775) (Grifei.)

 

Em casos análogos, este Tribunal Regional Eleitoral tem se manifestado em idêntica direção:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL. ABUSO DE PODER POLÍTICO. PEDIDO DE CASSAÇÃO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. VICE-PREFEITO NÃO INCLUÍDO NO POLO PASSIVO. DECADÊNCIA RECONHECIDA DE OFÍCIO. PROCESSO EXTINTO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Recurso eleitoral contra sentença que julgou improcedente Ação de Investigação Judicial Eleitoral, em razão da insuficiência de provas para demonstrar a prática de abuso de poder político.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Verificar se a ação, ao não incluir o vice-prefeito no polo passivo, padece de vício insanável que enseja sua extinção por decadência.

II. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. Ação proposta somente contra o candidato a prefeito.

3.2. Nas ações eleitorais que possam resultar na cassação do registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice da chapa majoritária, expressamente previsto na Súmula n. 38 do TSE.

3.3. Decadência reconhecida de ofício. Não sendo possível a emenda à inicial após o escoamento do prazo para a propositura da ação, deve ser extinto o feito por força da decadência, consoante entendimento consolidado do TSE.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Processo extinto, com resolução do mérito, em razão da decadência.

Tese de julgamento: “Nas ações eleitorais que visam à cassação de registro, diploma ou mandato, é obrigatório o litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o vice da chapa majoritária, nos termos da Súmula n. 38 do TSE.”

Dispositivos relevantes citados: CPC, art. 47 e art. 487, inc. II; LC n. 64/90, art. 22; Súmula n. 38 do TSE.

Jurisprudência relevante citada: TSE, REspe n. 060052529, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, j. 24.9.2019; TSE, AgR-REspe n. 145082, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 05.02.2015; TSE, AgR-REspe n. 42213, Rel. Min. Luciana Lóssio, j. 09.4.2014.

(TRE-RS; RECURSO ELEITORAL nº 060064181, Acórdão, Des. Federal Candido Alfredo Silva Leal Junior, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 12/03/2025) (Grifei.)


 

RECURSO. ELEIÇÕES 2020. REPRESENTAÇÃO. CONDUTAS VEDADAS. AGENTE PÚBLICO. PREFEITO. CANDIDATO REELEITO. CONCESSÃO DE GRATIFICAÇÃO A SERVIDORES MUNICIPAIS. COMEMORAÇÃO DO DIA DO IDOSO COM CONOTAÇÃO ELEITORAL. USO DE RECURSOS PÚBLICOS.PRELIMINAR. CHAPA MAJORITÁRIA. FALTA DE CITAÇÃO DO CANDIDATO A VICE-PREFEITO. REQUISITO DE FORMAÇÃO DA LIDE. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO. SÚMULA N. 38 DO TSE. DIPLOMAÇÃO DOS ELEITOS. IMPOSSIBILIDADE DE EMENDA À INICIAL. DECADÊNCIA DO DIREITO DEAÇÃO. MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. EXTINÇÃO DO FEITO COM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. 1. Recurso contra sentença que julgou improcedente representação pela prática de condutas vedadas a agentes públicos, consubstanciadas em concessão de gratificação a servidores municipais e na promoção de homenagem aos idosos, com conotação eleitoral, arcadas com recursos públicos.2. Preliminar de ausência de litisconsorte passivo necessário. Demanda ajuizada em desfavor de coligação e de candidato eleito ao cargo de prefeito, sem a integração do candidato eleito ao cargo de vice-prefeito na relação jurídico-processual. Matéria consolidada em verbete da Súmula n. 38 do Tribunal Superior Eleitoral: “Nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapamajoritária”.3. Uma vez decorrida a diplomação e já empossados os candidatos aos cargos de prefeito e vice-prefeito, não é mais possível a emenda da inicial no prazo para o ajuizamento da demanda. Reconhecida a decadência do direito de ação em virtude da não integração à lide, dentro do marco legal, do candidato ao cargo de vice-prefeito. Causa extintiva do direito pelo seu não exercício no prazo legal, podendo ser conhecido de ofício pelo juiz em qualquer instância ou grau de jurisdição, posto que constitui matéria de ordem pública, não sujeita à preclusão, consoante estabelecem os arts. 332, § 1º, e 487, inc. II e parágrafo único, do CPC.4. Extinção do feito, com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC.

(Recurso Eleitoral n. 060102114, Acórdão, Relator: Des. Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, Publicação: PJE - Processo Judicial Eletrônico-PJE, 25.5.2021) (Grifei.)

 

Na hipótese em tela, a AIJE foi proposta em 17.12.2024 somente contra o prefeito eleito João Pedro Albuquerque de Azevedo, sob a alegação de prática de abuso do poder econômico.

Ainda que tenha sido recebida a emenda à inicial em relação a novas circunstâncias e meios de provas, conforme requerido em 27.01.2025, a parte autora em nenhum momento pugnou pela citação da vice-prefeita eleita.

A formação do litisconsórcio passivo foi, na verdade, analisada e determinada por inicial exclusiva da Magistrada, em decisão de 28.01.2025, ou seja, após o transcurso do prazo decadencial para o ajuizamento da AIJE, nos seguintes termos:

Recebo a emenda da petição inicial (ID 126822591), acompanhada de documentação (ID 126822592).

A petição inicial foi apresentada exclusivamente em face de JOÃO PEDRO ALBUQUERQUE DE AZEVEDO, então candidato a prefeito. Entre os pedidos, há o seguinte: "ao fim da instrução julgado procedente a presente Ação de Investigação Judicial Eleitoral - (AIJE) com a consequente a CASSAÇÃO DO REGISTRO DE CANDIDATURA OU DO DIPLOMA do investigado".

Logo, nos termos da Súmula n. 38 do TSE ("nas ações que visem à cassação de registro, diploma ou mandato, há litisconsórcio passivo necessário entre o titular e o respectivo vice da chapa majoritária"), determino a formação do litisconsórcio passivo necessário: inclua-se a candidata a vice-prefeita no polo passivo.

Em seguida, citem-se do conteúdo da petição, a fim de que, no prazo de 5 (cinco) dias, ofereçam ampla defesa, juntada de documentos e rol de testemunhas, se cabível.

 

Assim, ocorrida a formação do litisconsórcio passivo necessário quando esgotado o prazo legal para a propositura da demanda, não há racionalidade no prosseguimento de uma ação cujo direito está atingido pela decadência, impondo-se a extinção do feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. II, do Código de Processo Civil.

Além da decadência, a decisão impugnada padece de outro vício insanável: a violação ao princípio da inércia da jurisdição, que impede que o magistrado atue de ofício para suprir deficiências da petição inicial, especialmente em ações de natureza sancionatória.

Nos termos do art. 2º do Código de Processo Civil, “o processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial”, o que significa que a jurisdição somente pode ser exercida quando provocada.

No processo eleitoral, esse princípio tem especial relevância, pois limita a atuação do Judiciário para garantir o equilíbrio entre as partes e evitar a atuação ex officio que possa comprometer a imparcialidade do órgão julgador.

No caso em exame, o Juízo Eleitoral determinou, de ofício, a inclusão da vice-prefeita eleita no polo passivo da ação, sem que houvesse qualquer requerimento nesse sentido por parte do autor da AIJE. Trata-se de uma clara inobservância do princípio da inércia, na medida em que a ampliação subjetiva da demanda compete exclusivamente à parte autora, e não ao magistrado.

Dessa forma, a decisão que determinou, de ofício, a inclusão da vice-prefeita eleita no polo passivo da AIJE, após o prazo decadencial da ação, configura manifesta ilegalidade, passível de correção por meio de mandado de segurança, conforme a exceção prevista na Súmula n. 22 do TSE.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pela concessão da segurança para extinguir a AIJE n. 0600654-59.2024.6.21.0015 com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inc. II, do CPC, ante a consumação da decadência.