REl - 0600373-48.2024.6.21.0098 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e, presentes os demais pressupostos de admissibilidade, merece conhecimento.

No mérito, MARCOS JOSÉ CARNIEL recorre contra a sentença que aprovou com ressalvas a prestação de contas referente ao cargo de vereador no Município de Boa Vista do Sul. A decisão hostilizada aplicou multa de R$ 448,99 ao recorrente, em virtude de excesso de autofinanciamento.

Tenho como oportuno destacar que o limite de gastos para o cargo de vereador no Município de Boa Vista do Sul, nas Eleições 2024, foi de R$ 15.985,08, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha ao candidato a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizar recursos próprios, ou seja, R$ 1.598,51.

Desse modo, o recorrente teria realizado, conforme a sentença. autofinanciamento no valor de R$ 2.047,00, a exceder em R$ 448,99 o limite prescrito.

Contudo, entendo não ser o caso de extrapolação do limite. O recurso merece provimento.

Explico.

De fato, o art. 27, § 1º, da legislação de regência trata do autofinanciamento, limitado ao candidato o emprego de, no máximo, 10% do limite previsto para gastos atinentes ao cargo em que concorrer.

No entanto, os gastos com serviços advocatícios ou contábeis devem ser desconsiderados na aferição do limite legal de autofinanciamento – no presente feito, esses valores encontram-se englobados em tal espécie de despesa, situação que clama por reparo.

Originariamente, este Tribunal adotava posicionamento no qual os gastos com serviços advocatícios ou contábeis eram considerados na aferição do limite legal de autofinanciamento; contudo, mais recentemente o e. TSE, julgou no sentido de que as referidas despesas devem ser excluídas do limite de recursos próprios a ser utilizado pelo candidato, observada interpretação sistêmica ao art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições. Vide trecho do voto do Min. Ricardo Lewandowski, acolhido à unanimidade pelos pares:

Não verifico que há ofensa ao art. 23, § 2º-A e § 3º, da Lei 9.504/1997 e do art. 27, § 1º e § 4º, da Res.-TSE 23.607/2019, na medida em que, embora tenha ocorrido a extrapolação do limite de autofinanciamento previsto nos dispositivos apontados pelo agravante, o Tribunal de origem consignou que houve o pagamento de R$ 26.200,00 (vinte e seis mil e duzentos reais) relativo a honorários advocatícios.

Como bem pontuado no acórdão, embora as despesas com honorários advocatícios e de contabilidade sejam eleitorais, elas são excluídas do limite de gastos de campanha, nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997.

Dessa forma, a Corte Regional agiu corretamente ao conferir interpretação sistemática ao art. 23, § 2º-A, da Lei das Eleições, promovendo eficácia aos dispositivos legais, no sentido de que o percentual de 10% para o autofinanciamento de campanha aplica-se ao limite previsto para gastos de campanha no cargo em que o candidato concorre, excetuadas as despesas com honorários advocatícios e contábeis pagas pelo candidato.

Esse mesmo entendimento foi perfilhado pela Procuradoria-Geral Eleitoral, como é possível depreender da seguinte passagem do seu parecer:

“Embora o limite para gastos com recursos próprios (autofinanciamento) não esteja contemplado expressamente nesta norma permissiva [art. 18-A, parágrafo único, da Lei 9.504/1997], a interpretação analógica de sua parte final conduz à compreensão de que o limite para autofinanciamento poderá ser afastado sempre que a causa do excesso for a contratação de serviços advocatícios ou contábeis. Assim, a norma resulta de ponderação feita pelo próprio legislador entre direito à ampla defesa e a igualdade entre os candidatos na disputa eleitoral, que optou pela prevalência daquela sobre esta a fim de permitir que o candidato contrate o profissional que lhe pareça mais conveniente, levando em consideração a natureza intuitu personae destes contratos. A propósito, os valores despendidos com advogado e contador não têm o potencial de gerar desequilíbrio no certame eleitoral, já que não são capazes de incrementar atos de campanha.” (ID 157711037).

O paradigmático precedente restou, assim, ementado:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CANDIDATO. APROVAÇÃO. CÁLCULO DO LIMITE PARA O AUTOFINANCIAMENTO. GASTOS COM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DO ART. 23, § 2º-A DA LEI 9.504/1997. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Infirmados os fundamentos da decisão de inadmissibilidade, é de se prover o agravo para julgamento do recurso especial.

2. Hipótese em que o candidato ultrapassou o limite de uso de recursos próprios para quitar despesas com serviços advocatícios.

3. Nos termos dos arts. 18-A, parágrafo único; 26, § 4º; 27, § 1º; e 100-A, § 6º, todos da Lei 9.504/1997, os honorários advocatícios são despesas eleitorais que não compõem o teto global de gastos de campanha.

4. A interpretação sistemática do art. 23, § 2º-A da Lei das Eleições exclui os honorários advocatícios e contábeis pagos pelo candidato do cálculo do limite de 10% para o autofinanciamento de campanha.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo Em Recurso Especial Eleitoral 060043041/SC, Relator(a) Min. Ricardo Lewandowski, Acórdão de 29/09/2022, Publicado no(a) Diário de Justiça Eletrônico 217, data 27/10/2022.

Este o argumento trazido no recurso, e entendo ser esta a solução a ser conferida ao caso posto.

No campo probatório, verifica-se nos autos os Recibos nº 12/Eleições 2024, de R$ 1.000,00, e n. 26/Eleições 2024, de R$ 400,00 (ID 45815894 e ID 45820735), emitidos na quitação de despesas contratadas junto a Renato Luiz de Souza e Elisete Barcella Berte, respectivamente, escritórios de assessoria contábil e advocatícia, cujos pagamentos aos credores declarados podem ser confirmados por meio do extrato bancário disponibilizado no DivulgaCandContas.

Ou seja, as despesas sujeitas ao limite de autofinanciamento restaram computadas em R$ 647,00 (R$ 2.047,00 – R$ 1.400,00), abaixo do teto legal estabelecido para o caso.

Nessa linha de raciocínio, merece provimento total o recurso.

Diante do exposto, VOTO para dar integral provimento ao recurso de MARCOS JOSÉ CARNIEL, para julgar as contas aprovadas e afastar a multa imposta na sentença.