REl - 0600273-91.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Tenho o recurso por tempestivo, visto que a intimação da sentença se deu por publicação no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral 08.11.2024 e o apelo foi interposto na mesma data. Presentes os demais requisitos à tramitação recursal, conheço do recurso e passo à análise de seu mérito.

 

MÉRITO

Primeiramente, consigno não merecer acolhimento a tese da recorrente de que a condenação ao pagamento de multa somente pode ocorrer em caso de anonimato, pois a sentença expressamente fundamenta a condenação no artigo 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/2019, que regulamenta o art. 57-D da Lei n. 9.504/1997.

É cediço que o colendo TSE estabeleceu a diretriz jurisprudencial de que o sancionamento é devido em caso de violação à honra, conforme art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/2019, ao dizer que "a remoção de conteúdos que violem o disposto no caput do art. 9º e no caput e no § 1º do art. 9º-C não impede a aplicação da multa prevista no art. 57-D da Lei nº 9.504/1997 por decisão judicial em representação". A este propósito, colaciono o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO.

1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente.

2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos.

3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas.

4. O Plenário do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, analisando a matéria controvertida, estabeleceu diretriz interpretativa a ser adotada para as Eleições 2022, inexistindo decisões colegiadas desta CORTE que, no âmbito do mesmo pleito eleitoral, veiculem conclusão em sentido diverso.

5. Recurso desprovido. (TSE, Recurso em Representação n. 060178825, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24/04/2024).

Assim, não há que se falar em falta de previsão legal para a aplicação da pena de multa.

Com relação à questão de fundo, como já relatado, a controvérsia trazida a este grau de jurisdição cinge-se ao desiderato recursal de obter a reforma da sentença da 34ª Zona Eleitoral, que julgou procedente representação formulada pelo recorrido, resultando na condenação da recorrente por veiculação, em rede social, de propaganda eleitoral irregular, notadamente por atribuir ao recorrido a prática de crimes ainda não processados pela Justiça, como homicídio culposo e omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial, impondo-lhe multa na quantia de cinco mil reais.

A postagem objeto da presente representação ora em recurso, foi veiculada nos perfis da recorrente nas redes sociais Facebook e Instagram, individualizadas nas URLs <https://www.instagram.com/p/DBg9ONjp8HHlqb2Q2fCGtKfzR9S8UVPdu7F99E0/?igsh=eTA0OGQ2bHg4cWtj> e <https://www.facebook.com/share/p/Ls74XQNSWFST8u8s/> possui o seguinte conteúdo:

Na publicação, lê-se os seguintes dizeres:

"Quem é Perondi? Tu realmente sabe?

* é aquele que fugiu do local do acidente e poderá ser indiciado por homicídio culposo;

* se diz dono de 2 prédios no centro da cidade, porém nenhum consta como seu patrimônio na JE;

*demitiu uma professora em licença-maternidade;

NÃO cumpre acordo salarial;

AMEAÇOU funcionários a votarem nele;

*fez denunciação caluniosa contra seu adversário político;

*chama de “teatrinho” o histórico Teatro 7 de Abril (desconhecendo a importância do teatro);

*NÃO conhece os bairros da cidade; e

*é INTOLERANTE RELIGIOSO.

Continue…

Dia 27 é 13 por uma Pelotas melhor, vote em quem sabe administrar! É Marroni e Dani!!!!"

No caso em tela, observo que a petição inicial, a sentença e o recurso eleitoral ora em análise se debruçaram somente sobre o trecho da publicação que fazem referência ao acidente automobilístico e a alegação de fuga do local do acidente.

Adianto que, nos termos já manifestados quando do julgamento do REl 0600208-96.2024.6.21.0034, tenho de assistir razão à recorrente.

Com efeito, a liberdade de pensamento é valor albergado pela Constituição Federal, que, vedando o anonimato, o elenca na condição de direito fundamental previsto em seu art. 5º, IV, para tanto dispondo que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, prevendo também o texto constitucional no mesmo art. 5º, V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

No âmbito do Direito Eleitoral, igualmente projeta-se a garantia à liberdade de expressão e de pensamento, vedado o anonimato, assegurando a legislação eleitoral o exercício à livre manifestação do pensamento, estatuindo, no entanto, balizas e penalidades a fim de coibir eventuais desvirtuamentos e abusos à sua prática no curso de campanhas eleitorais.

Neste sentido, colhe-se a previsão insculpida no art. 57-D, da Lei n. 9.504/1997 – Lei das Eleições:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Outrossim, no que concerne à matéria em apreço, impende também trazer a lume dispositivos da Resolução n. 23.610/2019, do Tribunal Superior Eleitoral, sobre a propaganda eleitoral na internet, os limites da manifestação de eleitores e eventual responsabilização por excessos:

Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).

§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º).

Portanto, consoante se depreende de todo o conjunto normativo supratranscrito, é assegurada a liberdade de manifestação e expressão do pensamento, sendo vedados o anonimato e a divulgação de notícias inverídicas e de ofensas à honra e a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

Ainda, deve-se ter em mente que o indivíduo que adentra a cena política como candidato, está sujeito a maiores escrutínios públicos quanto a fatos da vida privada, como nos ensina o doutrinador José Jairo Gomes, do qual seleciono o excerto a seguir:

“Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que os direitos à privacidade, ao segredo e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela protetiva. Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político–eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere–se na dialética democrática” (Direito Eleitoral, Ed. Atlas, 13ª edição, 2017, p. 587/588).

Da análise dos autos verifica-se que a recorrente não infringiu a nenhum dispositivo da legislação a ponto de justificar a imposição de multa eleitoral.

Efetivamente, as afirmações manifestadas pela recorrente quanto ao acidente no qual se envolveu o recorrido (“é aquele que fugiu do local do acidente e poderá ser indiciado por homicídio culposo”) não podem ser interpretados como fatos sabidamente inverídicos ou passíveis de afetar a honra ou a imagem do recorrido, visto que não há imputação de crime, mas, tão somente, da transposição de fato amplamente noticiado localmente, como na matéria publicada no site “A Hora do Sul”, em 12.07.2024, disponível em https://ahoradosul.com.br/conteudos/2024/07/12/policia-apura-omissao-de-socorro-apos-atropelamento-que-matou-ciclista/ (acesso em 21.11.2024), do qual destaco o excerto:

“Polícia apura omissão de socorro após atropelamento que matou ciclista

Marciano Perondi não aguardou a PRF depois do acidente que vitimou Jairo Oliveira Camargo no último dia 25.

A 3ª Delegacia de Polícia de Pelotas investiga a circunstância do acidente de trânsito ocorrido no dia 25 de junho, e que levou à morte o ciclista Jairo de Oliveira Camargo, 63, no dia 8, na Santa Casa de Pelotas. O autor do atropelamento, o pré-candidato à prefeitura de Pelotas pelo Partido Liberal (PL), Marciano Perondi, não teria aguardado a presença da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e se apresentou horas depois na unidade de Eldorado do Sul, onde passou pelo teste do bafômetro e foi liberado.

De acordo com a delegada Maria Angélica Gentili, como no dia do ocorrido, a tipificação ficou como lesão corporal, a ocorrência foi encaminhada para a Central de Termos Circunstanciados (TCs). Entretanto, com a morte da vítima, o caso passa a ser de Homicídio de Trânsito Culposo, em tese.

(...)

De fato, a publicação acima, dentre muitas outra veiculadas sobre o incidente, afirma a ocorrência do fato atropelamento e que a polícia investigaria eventual omissão de socorro, visto que quando a autoridade policial rodoviária chegou ao local do acidente, o recorrido já não se encontrava lá. Ou seja, a averiguação dos fatos, suas circunstâncias e eventuais capitulações penais serão devidamente aferidos em eventual processo pertinente.

Tal sequência de fatos é corroborada quando se observa a narração do policial rodoviário federal JEFERSON WEEGE DA ROCHA, na ocorrência policial 13890/2024/152010, ao chegar no local do acidente, a equipe da concessionária ECOSUL informou que o motorista do veículo envolvido na colisão (no caso, o veículo do recorrido MARCIANO PERONDI) não estava no local mas, antes de sair do local do acidente, acionou o socorro e, na chegada da referida equipe, seguiu sua viagem deixando foto de sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, que fora repassada à Polícia Rodoviária. Tais fatos estão também narrados no Laudo Pericial de Acidente de Trânsito apresentado pelo recorrido.

Em verdade, no caso concreto, a postagem realizada pela recorrente não possui conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à imagem ou honra do então candidato, pois tão somente trouxe sua interpretação pessoal quanto a acontecimento real, envolvendo o recorrido, no qual houve uma vítima fatal, com circunstâncias ainda a serem devidamente avaliadas.

Reforço que, no caso em tela, não há, no meu ver, nem mesmo como aventar a eventual imputação de cometimento de crime ao recorrido, visto que a recorrente indica uma conduta (“fugiu do local do acidente”) e uma possibilidade (“poderá ser indiciado por homicídio culposo”).

Por fim, trago à baila a manifestação do eminente Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira quando da sua manifestação de voto no REl 0600208-96.2024.6.21.0034, o qual muito bem pontuou o sentido a ser dado à intervenção desta Justiça Especializada no debate político-eleitoral ao lembrar que “o vetor principiológico trazido pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.610/19, no sentido de que a intervenção da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, sob pena de que o Poder Judiciário funcione como ‘curador da qualidade de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas - especialmente quando construídas a partir de fatos de conhecimento público’ (Ac. de 28.10.2022 na Ref-Rp n. 060158041, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri)”.

Isso posto, acolho as razões recursais para dar provimento ao recurso manejado.

Diante do exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso interposto por KARINA SOUZA BERNARDES, para julgar improcedente a representação, afastando a multa cominada de cinco mil reais.