REl - 0600246-11.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

 VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço, pois consolidado nas decisões desta Corte o entendimento de que, mesmo após o transcurso das Eleições 2024, havendo discussão sobre multa, não há perda do objeto ou do interesse processual.

A sentença hostilizada considerou excedidos os limites da liberdade de expressão e de crítica, especialmente argumentando que “a análise do conteúdo veiculado revela que o representado atribuiu ao representante a prática de crimes ainda não processados pela Justiça Criminal, como o homicídio culposo e a omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial. A disseminação dessas informações de forma antecipada e sem o devido processo legal configura, de fato, violação à honra e à imagem do representante”.

Nesse sentido, colho na sentença (ID 45778127):

Repiso o parecer do DD. Promotor de Justiça Eleitoral, quando destacou que a acusação propalada na postagem combatida não foi processada e julgada na Justiça Criminal, evidenciando a leviana disseminação da informação, a qual, se não desconsiderada, pode impactar negativamente a imagem do candidato.

Considerando também que a defesa apresentada pelo representado, que sustenta a legalidade da publicação e a ausência de inverdade nas informações veiculadas, está em desacordo com o princípio de que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade, especialmente em um contexto eleitoral. A proteção à honra e à imagem dos candidatos é essencial para assegurar um pleito democrático e justo. A mera referência a informações veiculadas por veículos de comunicação, ainda que fossem verdadeiras, não exime da responsabilidade de não propagar acusações que possam ser consideradas ofensivas e que não se sustentam perante a Justiça.

A análise do conteúdo veiculado revela que o representado atribuiu ao representante a prática de crimes ainda não processados pela Justiça Criminal, como o homicídio culposo e a omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial. A disseminação dessas informações de forma antecipada e sem o devido processo legal configura, de fato, violação à honra e à imagem do representante.

Além disso, a publicação possui claro potencial de comprometer a integridade do processo eleitoral, ao influenciar negativamente a opinião dos eleitores sobre o candidato com base em acusações infundadas e sem decisão judicial transitada em julgado.

A conduta do representado extrapola os limites da crítica política legítima e adentra o campo das agressões pessoais, causando danos à honra e à imagem do representante, bem como à lisura do processo eleitoral.

Diante do exposto, e considerando que a veiculação do conteúdo impugnado revela-se ilícita e ofensiva,  JULGO PROCEDENTE a presente representação, tornando definitiva a decisão liminar que determinou a suspensão da veiculação do conteúdo impugnado, como também aplico a multa prevista no artigo 30, §1º, da Resolução TSE nº 23.610/2019 ao representado, pela prática de propaganda eleitoral irregular, no valor de R$ 5.000,00.

Determino, ainda, que seja remetido cópia integral dos autos à Delegacia da Polícia Federal para a instauração de procedimento investigatório policial, a fim de apurar a prática de crime tipificado no artigo 325 do Código Eleitoral.

 

Entretanto, não vislumbro a imputação de crime de homicídio e de omissão de socorro ao candidato, ora recorrido, na mensagem publicada pelo recorrente.

Explico.

A afirmação de que o recorrido “atropelou um ciclista” trata-se de fato amplamente divulgado na imprensa, não podendo ser tratado como “sabidamente inverídico”. Ademais, não se pode atribuir ao recorrente uma acusação de crime de homicídio a partir da afirmação de que “atropelou um ciclista”. Em sua publicação, o recorrente afirma a ocorrência do fato atropelamento, não há menção à consequência do atropelamento. Não se fala se o ciclista sofreu alguma escoriação, se houve lesão corporal ou ainda a morte. Ou seja, qualquer suposição fora do que foi efetivamente dito não passa de ilações.

Quanto à afirmação de que o candidato “não o socorreu”, igualmente considero menção a um fato ocorrido, eis que divulgado na imprensa que não foi prestado socorro. Ao dizer que o candidato não socorreu a vítima, o recorrente não está lhe atribuindo especificamente o crime de omissão de socorro. Existe o fato de não ter socorrido, e esse é o teor da publicação. Já, se esse fato configura ou não o crime de omissão de socorro é algo que será aferido no processo pertinente.

Assim, entendo que o recorrente apenas menciona em sua publicação fatos amplamente divulgados na imprensa, não imputando ao candidato condutas criminosas, sequer referindo se há processos em andamento sobre o ocorrido.

Nessa mesma linha é o posicionamento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, em trecho que transcrevo:

O comentário pode ser considerado uma crítica dura e ácida, porém embasada em notícias amplamente divulgadas na mídia, como refere o recorrente, o que pode ser facilmente constatado por meio de pesquisa em fontes abertas na internet.

[...]

Desse modo, ainda que possa macular a honra e a imagem de cidadão comum, o comentário está inserido no contexto dos acalorados debates político-eleitorais, sem ultrapassar os contornos da dialética política por não envolver “fato sabidamente inverídico”.

[...]

A publicação veiculada na rede social do recorrente, portanto, não veiculou fato sabidamente inverídico com relação ao recorrido, atingindo a sua imagem e honra perante o eleitorado, pois houve de fato o atropelamento com morte da vítima, e MARCIANO não aguardou a chegada da Polícia Rodoviária Federal. Cumpre ressaltar que é peculiar das campanhas eleitorais a exposição potencializada dos equívocos dos candidatos, o que, por si, não torna a manifestação irregular. Ademais, ela foi feita na rede social do recorrente, de forma identificada, de maneira que claramente amparada pela liberdade de manifestação. (Grifo nosso)

 

Dessa forma, as críticas, ainda que ácidas, são inerentes ao debate político, máxime porque o ora recorrido foi candidato ao cargo de prefeito:

Eleições 2022 [...] Representações por propaganda irregular. Divulgação de notícias falsas. Não demonstrada. Quantidade excessiva de irregularidades graves. Inocorrência. Não caracterização do ilícito eleitoral [...] No ponto, não foi comprovado nos autos o contexto descrito na inicial de que a campanha dos ora recorrentes teria utilizado sua propaganda eleitoral no horário eleitoral gratuito e, também, nas redes sociais, para divulgar grave desinformação e notícias falsas prejudiciais a candidato adversário. O que se constatou foi apenas a veiculação, pelo candidato ora recorrente, de críticas, ainda que agressivas, próprias da disputa eleitoral.

(Ac. de 14.5.2024 no RO-El n. 060250020, rel. Min. André Ramos Tavares.)

 

 

Eleições 2022 [...] Propaganda eleitoral irregular. Art. 45 da lei nº 9.504/1997. Programação normal. Emissora de TV. Liberdade de expressão. Ilícito não configurado [...] 2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a garantia da livre manifestação de pensamento não possui caráter absoluto, afigurando–se possível a condenação por propaganda eleitoral negativa no caso de a mensagem divulgada ofender a honra ou a imagem de candidato, partido ou coligação, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos. 3. A hipótese dos autos é distinta. A moldura fática do acórdão regional revela que as manifestações do agravado em programa de TV, transmitido em 8.9.2022, traduziram–se em reprodução de matéria amplamente divulgada em âmbito nacional sobre suposto superfaturamento do preço de remédios praticado durante a gestão do agravante em governo anterior, acompanhada de crítica que, ainda que ácida, não desborda do limite da liberdade de expressão [...] 5. A mera abordagem, em programa televisivo, de supostos fatos veiculados na imprensa envolvendo a gestão pretérita de candidato, enquanto agente político, não ultrapassa os limites da liberdade de imprensa e do direito à informação, sendo inerente ao debate político, logo não caracteriza propaganda eleitoral negativa. 6. Conflita com o Estado Democrático de Direito o estabelecimento de severas e automáticas restrições à liberdade de expressão com supedâneo no mero início do período eleitoral, impondo–se como regra assegurar a livre circulação de ideias, o debate sadio e a veiculação de críticas, ainda que ácidas e enfáticas.

(Ac. de 3.5.2004 no AgR-REspEl n. 060149544, rel. Min. Benedito Gonçalves.)

 

 

Eleições 2022 [...] Propaganda eleitoral negativa [...] a Corte regional compartilha do mesmo entendimento do TSE no sentido de que as limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação, sendo possível a divulgação de conteúdo restrito a críticas inerentes ao debate político, que não importe em ofensa à honra e à dignidade do candidato [...]”.

(Ac.de 19.2.2024 no AgR-AREspE n. 060144295, rel. Min. Raul Araujo Filho.)

 

Assim o é justamente porque a doutrina tem reconhecido que a tutela da honra de pessoas públicas ou que exerçam cargos públicos possui um caráter diferenciado em relação à análise dos limites da liberdade de expressão.

Dessa forma, tenho que na publicação em tela o recorrente apenas apresentou fatos e teceu considerações de cunho político, próprias do debate eleitoral.

Diante o exposto, VOTO pelo provimento do recurso, para julgar improcedente a representação, nos termos da fundamentação.