REl - 0600219-28.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Tenho que o recurso é tempestivo, visto que a intimação da sentença se deu por publicação no Mural Eletrônico da Justiça Eleitoral na data de 23.10.2024 e o apelo foi interposto no mesmo dia. Presentes os demais requisitos à tramitação recursal, conheço do recurso e passo à análise de seu mérito.

 

MÉRITO

Como já destacado no relatório, a controvérsia trazida a este grau de jurisdição relaciona-se à sentença proferida pelo Juízo da 34ª Zona Eleitoral de Pelotas/RS, que julgou procedente representação formulada pelo recorrido, que resultou na condenação da recorrente por veiculação em rede social de propaganda eleitoral irregular, notadamente por atribuir ao recorrido a prática de crimes como homicídio culposo no trânsito e omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial, impondo à recorrente SUELEN BOZEMBECKER WITTE multa na quantia de cinco mil reais.

As publicações impugnadas, individualizadas nas URLs https://www.instagram.com/stories/sulibw/3478801100325558123/ e https://www.instagram.com/stories/sulibw/3478820607046171849/, apresentaram conteúdo com os dizeres: “O cara mesmo sabendo que atropelou uma pessoa e não prestou socorro depois vai para a igreja pedir votos!!!” e “Ninguém está livre de atropelar alguém. Acidentes acontecem todos os dias...não se façam de besta. O problema todo é NÃO PRESTAR SOCORRO POR EGO.”

A sentença, ao confirmar a decisão liminar que determinou a remoção do conteúdo da internet e abstenção de nova publicação, determinou a aplicação de multa, nos termos do art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23610/19, no seu patamar mínimo (R$ 5.000,00), e decidiu pela remessa de cópia dos autos à Delegacia da Polícia Federal para instauração de procedimento investigatório visando à apuração do crime previsto no art. 325 do Código Eleitoral.

Inicialmente, deve ser rejeitada a tese defensiva de que a condenação ao pagamento de multa somente pode ocorrer em caso de anonimato, pois a sentença expressamente fundamenta a condenação no art. 30, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que regulamenta o art. 57-D da Lei n. 9.504/97.

Na interpretação do referido dispositivo legal, o colendo Tribunal Superior Eleitoral estabeleceu que o sancionamento é devido em caso de violação à honra, conforme o art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/19. A este propósito, destaco o seguinte precedente:

ELEIÇÕES 2022. RECURSOS INOMINADOS. REPRESENTAÇÃO. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR. INTERNET. DESINFORMAÇÃO. FATOS MANIFESTAMENTE INVERÍDICOS. REMOÇÃO DAS PUBLICAÇÕES. APLICAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 57-D DA LEI 9.504/1997. ART. 16 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INAPLICABILIDADE. DESPROVIMENTO. 
 1. O art. 57-D da Lei 9.504/1997 não restringe, de forma expressa, qualquer interpretação no sentido de limitar sua incidência aos casos de anonimato, de forma que é possível ajustar a exegese à sua finalidade de preservar a higidez das informações divulgadas na propaganda eleitoral, ou seja, alcançando a tutela de manifestações abusivas por meio da internet - incluindo-se a disseminação de fake news tendentes a vulnerar a honra de candidato adversário - que, longe de se inserirem na livre manifestação de pensamento, constituem evidente transgressão à normalidade do processo eleitoral. Precedente. 
 2. O entendimento veiculado na decisão monocrática se mostra passível de aplicação imediata, não se submetendo ao princípio da anualidade, previsto no art. 16 da Constituição Federal, tendo em vista a circunstância de que a interpretação conferida pelo ato decisório recorrido não implica mudança de compreensão a respeito do caráter lícito ou ilícito da conduta, mas sim somente quanto à extensão da sanção aplicada, o que não apresenta repercussão no processo eleitoral nem interfere na igualdade de condições dos candidatos. 
 3. Tratando-se de conduta já considerada ilícita pelo ordenamento jurídico, o autor do comportamento ilegal não dispõe de legítima expectativa de não sofrer as sanções legalmente previstas, revelando-se inviável a invocação do princípio da segurança jurídica com a finalidade indevida de se eximir das respectivas penas. 
 4. O Plenário do TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL, no julgamento do Recurso na Representação 0601754-50, Rel. Min. ALEXANDRE DE MORAES, analisando a matéria controvertida, estabeleceu diretriz interpretativa a ser adotada para as Eleições 2022, inexistindo decisões colegiadas desta CORTE que, no âmbito do mesmo pleito eleitoral, veiculem conclusão em sentido diverso. 
 5. Recurso desprovido.
(TSE, Recurso em Representação n. 060178825, Acórdão, Min. Alexandre de Moraes, Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, 24.04.2024). Grifei.

 

Assim, não há que se falar em falta de previsão legal para a aplicação da pena de multa, pois o sancionamento é cabível em caso de publicação de conteúdo de autoria identificada, que represente violação à honra de candidatas e candidatos, nos termos do art. 9º-H da Resolução TSE n. 23.610/19.

Quanto às razões de mérito do recurso, nos termos já manifestados quando do julgamento do REl n. 0600208-96.2024.6.21.0034, deste Relator, tenho de assistir razão à recorrente. Naquele feito, este Tribunal, por maioria, ao analisar conteúdo análogo ao destes autos, estabeleceu entendimento de que as afirmações de que o recorrido “atropelou uma pessoa”, "matou um homem atropelado" e "não prestou socorro à vítima" não podem ser interpretadas como fatos sabidamente inverídicos ou passíveis de afetar a honra ou a imagem do recorrido. Não há imputação de crime de homicídio ou de omissão de socorro, mas sim o exercício da livre manifestação do pensamento sobre fatos públicos e notórios e a divulgação de crítica ácida e contundente contra candidato. O feito restou assim ementado:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÕES 2024. RECURSO. REPRESENTAÇÃO. PROCEDENTE. PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR NA INTERNET. NÃO CONFIGURAÇÃO DE FATO SABIDAMENTE INVERÍDICO. AUSÊNCIA DE ANONIMATO. MULTA AFASTADA. RECURSO PROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1.1. Insurgência contra sentença que julgou procedente representação por propaganda eleitoral irregular na internet, sob fundamento de ocorrência da vedação do art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que veda a livre manifestação do pensamento quando ofender a honra ou imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

1.2. A recorrente alega não ser possível a aplicação de multa, visto que a previsão legal seria para sua imputação apenas no caso de anonimato. Aduz, ainda, que a postagem não se afigura como disseminação de notícia sabidamente inverídica, tampouco manifestação caluniosa sobre a conduta do recorrido, mas de publicização de opinião pessoal sobre conteúdo amplamente difundido na imprensa eletrônica sobre os fatos ocorridos. Requer a improcedência da representação e, subsidiariamente, a exclusão da multa.

II. QUESTÕES EM DISCUSSÃO

2.1. A questão em discussão consiste em verificar se a postagem realizada pela recorrente configura propaganda eleitoral irregular, por ofensa à honra do recorrido e disseminação de fato sabidamente inverídico, bem como a possibilidade de aplicação da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A Constituição Federal assegura a liberdade de manifestação do pensamento, vedando o anonimato e a divulgação de informações sabidamente inverídicas, conforme o art. 5º, incs. IV e V.

3.2. Na legislação eleitoral (Lei n. 9.504/97 e Resolução TSE n. 23.610/19), projeta-se a garantia à liberdade de expressão e de pensamento, vedado o anonimato, assegurando-se o exercício à livre manifestação do pensamento, estatuindo, no entanto, balizas e penalidades a fim de coibir eventuais desvirtuamentos e abusos à sua prática no curso de campanhas eleitorais.

3.3. Na hipótese, inexistência de infração à legislação a ponto de justificar a imposição de multa eleitoral. Não obstante a virulência e o baixo nível do conteúdo disseminado pela recorrente em sua postagem, as afirmações de que o recorrido “matou um homem atropelado” e “não prestou socorro” à vítima não podem ser interpretadas como fatos sabidamente inverídicos ou passíveis de afetar a honra ou a imagem do recorrido, visto que não há imputação de crime de homicídio ou de omissão de socorro, mas, tão somente, a transposição de fato amplamente noticiado localmente.

3.4. A postagem realizada pela recorrente não possui conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à imagem ou honra do então candidato, pois tão somente trouxe a foco acontecimento real, envolvendo o recorrido, com circunstâncias ainda a serem devidamente avaliadas.

3.5. Inocorrente o anonimato na publicação, tanto assim que a recorrente figura nominalmente como ré na representação eleitoral contra ela ajuizada pelo recorrido. Afastada a incidência da multa prevista no art. 57-D, § 2º, da Lei n. 9.504/97. Jurisprudência deste TRE-RS.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso provido, para julgar improcedente a representação e afastar a multa aplicada.

Tese de julgamento: "A veiculação de comentários críticos, baseados em fatos amplamente divulgados na imprensa, sem anonimato e sem propagação de fato sabidamente inverídico, não caracteriza propaganda eleitoral irregular passível de multa."

Dispositivos relevantes citados: Constituição Federal, art. 5º, incs. IV e V; Lei n. 9.504/97, art. 57-D, § 2º; Resolução TSE n. 23.610/19, arts. 27, § 1º, e 30, § 1º.

Jurisprudência relevante citada: TRE-RS. Recurso Eleitoral n. 060050957/RS, Rel. Des. Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Acórdão de 22.01.2021. (REL 0600208-96.2024.6.21.0034, Relator: Des. Eleitoral Francisco Thomaz Telles).

 

Em verdade, no caso concreto, a postagem realizada pela recorrente não possui conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à imagem ou honra do então candidato, pois tão somente trouxe a foco acontecimento real, envolvendo o recorrido, no qual houve uma vítima fatal, com circunstâncias ainda a serem devidamente avaliadas.

Assim, o recurso comporta provimento para que seja julgada improcedente a representação e afastada a condenação imposta pela sentença.

Diante do exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso interposto por SUELEN BOZEMBECKER WITTE, para julgar improcedente a representação.