REl - 0600209-81.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

VOTO

ADMISSIBILIDADE

Tenho que o recurso é tempestivo, visto que a intimação da sentença se deu por mandado de intimação, cumprido em 30.10.2024, e o apelo foi interposto na data seguinte. Presentes os demais requisitos à tramitação recursal, conheço do recurso e passo à análise de seu mérito.

 

MÉRITO

Porquanto já destacado no relatório, a controvérsia trazida a este grau de jurisdição cinge-se ao desiderato recursal em obter a reforma da sentença da 34ª Zona Eleitoral, que julgou procedente representação formulada pelo recorrido, que resultou na condenação da recorrente por veiculação em rede social de propaganda eleitoral irregular, notadamente por atribuir ao recorrido a prática de crimes ainda não processados pela Justiça, como homicídio culposo e omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial, impondo à Lívia Martins Silveira multa na quantia de cinco mil reais.

O presente feito é mais uma das representações movidas pelo recorrido questionando as manifestações de eleitores relacionadas ao acidente de trânsito no qual se envolveu durante o período antecedente à campanha eleitoral de 2024. As representações foram intentadas sob fundamento de ocorrência de violação ao art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.610/19, que veda a livre manifestação do pensamento quando ofender a honra ou a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos.

A manifestação da ora recorrente, publicada em seu perfil na rede social Instagram, individualizada na URL - https://www.instagram.com/p/DAzN8KEvwif/, teve o seguinte conteúdo:

“Eu defendo a moral e os bons costumes, mas eu atropelei o pai de alguém. Eu defendo a saúde pública, mas quando eu atropelei alguém eu omiti socorro. É óbvio que eu vou tapar os buracos das ruas dos bairros, mas eu jamais vou entrar com meu carro lá, até porque o meu carro é mais importante que a vida de uma pessoa. Eu sei né, tudo que eu falei é um absurdo. Me diz uma coisa? Tu votaria em alguém que atropelou o teu pai, o teu vô, pior, alguém que atropelou essa pessoa e foi embora e não fez absolutamente nada pra ajudar. Nada, nada, nada. Se a tua resposta, for não, ou se tu tiver achado o que eu falei absurdo, eu acho que tu tem que repensar um pouquinho o teu voto na próxima eleição municipal”

Nos termos já manifestados quando do julgamento do REl 0600208-96.2024.6.21.0034, tenho que assistir razão à recorrente.

Com efeito, a liberdade de pensamento é valor albergado pela Constituição Federal, que, vedando o anonimato, o elenca na condição de direito fundamental previsto em seu art. 5º, IV, para tanto dispondo que “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”, prevendo também o texto constitucional no mesmo art. 5º, V, que “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.

No âmbito do Direito Eleitoral, igualmente projeta-se a garantia à liberdade de expressão e de pensamento, vedado o anonimato, assegurando a legislação eleitoral o exercício à livre manifestação do pensamento, estatuindo, no entanto, balizas e penalidades, a fim de coibir eventuais desvirtuamentos e abusos à sua prática no curso de campanhas eleitorais.

Neste sentido, colhe-se a previsão insculpida no art. 57-D, da Lei n. 9.504/97 – Lei das Eleições:

Art. 57-D. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da rede mundial de computadores - internet, assegurado o direito de resposta, nos termos das alíneas a, b e c do inciso IV do § 3o do art. 58 e do 58-A, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica. (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 1o (VETADO) (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

§ 2o A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais). (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)

Outrossim, no que concerne à matéria em apreço, impende também trazer a lume dispositivos da Resolução n. 23.610/19, do Tribunal Superior Eleitoral, sobre a propaganda eleitoral na internet, os limites da manifestação de eleitores e eventual responsabilização por excessos:

Art. 30. É livre a manifestação do pensamento, vedado o anonimato durante a campanha eleitoral, por meio da internet, assegurado o direito de resposta, nos termos dos arts. 58, § 3º, IV, alíneas a, b e c, e 58-A da Lei nº 9.504/1997, e por outros meios de comunicação interpessoal mediante mensagem eletrônica e mensagem instantânea (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, caput).

§ 1º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 30.000,00 (trinta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 57-D, § 2º).

Portanto, consoante se depreende de todo o conjunto normativo supratranscrito, é assegurada a liberdade de manifestação e expressão do pensamento, sendo vedados o anonimato e a divulgação de notícias inverídicas e de ofensas à honra e a imagem de candidatas, candidatos, partidos, federações ou coligações, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral.

Ainda, deve-se ter em mente que o indivíduo que adentra a cena política como candidato, está sujeito a maiores escrutínios públicos quanto a fatos da vida privada, como nos ensina o doutrinador José Jairo Gomes, do qual seleciono o excerto a seguir:

“Dada a natureza de suas atividades, o código moral seguido pelo político certamente não se identifica com o da pessoa comum em sua faina diuturna. Tanto é que os direitos à privacidade, ao segredo e à intimidade sofrem acentuada redução em sua tela protetiva. Afirmações e apreciações desairosas, que, na vida privada, poderiam ofender a honra objetiva e subjetiva de pessoas, chegando até mesmo a caracterizar crime, perdem esse matiz quando empregadas no debate político–eleitoral. Assim, não são de estranhar assertivas apimentadas, críticas contundentes, denúncias constrangedoras, cobranças e questionamentos agudos. Tudo isso insere–se na dialética democrática” (Direito Eleitoral, Ed. Atlas, 13ª edição, 2017, p. 587/588).

Da análise dos autos verifica-se que a recorrente não infringiu nenhum dispositivo da legislação a ponto de justificar a imposição de multa eleitoral.

Efetivamente, frases manifestadas pela recorrente (“Eu defendo a moral e os bons costumes, mas eu atropelei o pai de alguém. Eu defendo a saúde pública, mas quando eu atropelei alguém eu omiti socorro”) não podem ser interpretadas como fatos sabidamente inverídicos ou passíveis de afetar a honra ou a imagem do recorrido, visto que não há imputação de crime, mas, tão somente, da transposição de fato amplamente noticiado localmente, como na matéria publicada no site “A Hora do Sul”, em 12.7.2024, disponível em https://ahoradosul.com.br/conteudos/2024/07/12/policia-apura-omissao-de-socorro-apos-atropelamento-que-matou-ciclista/ (acesso em 21.11.2024), do qual destaco o excerto:

“Polícia apura omissão de socorro após atropelamento que matou ciclista

Marciano Perondi não aguardou a PRF depois do acidente que vitimou Jairo Oliveira Camargo no último dia 25.

A 3ª Delegacia de Polícia de Pelotas investiga a circunstância do acidente de trânsito ocorrido no dia 25 de junho, e que levou à morte o ciclista Jairo de Oliveira Camargo, 63, no dia 8, na Santa Casa de Pelotas. O autor do atropelamento, o pré-candidato à prefeitura de Pelotas pelo Partido Liberal (PL), Marciano Perondi, não teria aguardado a presença da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e se apresentou horas depois na unidade de Eldorado do Sul, onde passou pelo teste do bafômetro e foi liberado.

De acordo com a delegada Maria Angélica Gentili, como no dia do ocorrido, a tipificação ficou como lesão corporal, a ocorrência foi encaminhada para a Central de Termos Circunstanciados (TCs). Entretanto, com a morte da vítima, o caso passa a ser de Homicídio de Trânsito Culposo, em tese.

(...)

Sem dúvida, a publicação acima, dentre muitas outras veiculadas sobre o incidente, afirma a ocorrência do fato atropelamento e declara que a polícia investigaria eventual omissão de socorro. Ou seja, a averiguação dos fatos, suas circunstâncias e eventuais capitulações penais serão devidamente aferidas em eventual processo pertinente.

De outra feita, conforme se observa da narração do policial rodoviário federal JEFERSON WEEGE DA ROCHA, na ocorrência policial 13890/2024/152010, ao chegar no local do acidente, a equipe da concessionária ECOSUL informou que o motorista do veículo envolvido na colisão (no caso, o veículo do recorrido MARCIANO PERONDI) não estava no local,  mas que, antes de sair do local do acidente, acionou o socorro e, na chegada da referida equipe, seguiu sua viagem deixando foto de sua carteira da Ordem dos Advogados do Brasil, que fora repassada à Polícia Rodoviária. Tais fatos estão também narrados no Laudo Pericial de Acidente de Trânsito apresentado pelo recorrido.

Em verdade, no caso concreto, a postagem realizada pela recorrente não possui conteúdo fabricado ou manipulado para difundir fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, com potencial para causar danos ao equilíbrio do pleito ou à imagem ou à honra do então candidato, pois tão somente trouxe a foco acontecimento real, envolvendo o recorrido, no qual houve uma vítima fatal, com circunstâncias ainda a serem devidamente avaliadas.

Por fim, trago à baila a manifestação do eminente Desembargador Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, quando da sua manifestação de voto no REl 0600208-96.2024.6.21.0034, o qual muito bem pontuou o sentido a ser dado à intervenção desta Justiça Especializada no debate político-eleitoral ao lembrar que “o vetor principiológico trazido pelo art. 38 da Resolução TSE n. 23.610/19, no sentido de que a intervenção da Justiça Eleitoral em relação a conteúdos divulgados na internet deve ser realizada com a menor interferência possível no debate democrático, sob pena de que o Poder Judiciário funcione como ‘curador da qualidade de discursos e narrativas de natureza eminentemente políticas - especialmente quando construídas a partir de fatos de conhecimento público’ (Ac. de 28.10.2022 na Ref-Rp n. 060158041, rel. Min. Maria Claudia Bucchianeri)”.

Isso posto, acolho as razões recursais para dar provimento ao recurso manejado.

Diante do exposto, VOTO por DAR PROVIMENTO ao recurso interposto por LIVIA MARTINS SILVEIRA, para julgar improcedente a representação, afastando a multa cominada de cinco mil reais.