REl - 0600218-43.2024.6.21.0034 - Voto Relator(a) - Sessão: 08/04/2025 às 14:00

VOTO

O recurso é tempestivo e dele conheço, uma vez que consolidado nas decisões desta Corte o entendimento de que, mesmo após o transcurso das Eleições 2024, havendo discussão sobre multa, não há perda do objeto ou do interesse processual.

A sentença hostilizada considerou excedidos os limites da liberdade de expressão e de crítica, argumentando,  especialmente, que "a análise do conteúdo veiculado revela que o representado atribuiu ao representante a prática de crimes ainda não processados pela Justiça Criminal, como o homicídio culposo e a omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial. A disseminação dessas informações de forma antecipada e sem o devido processo legal configura, de fato, violação à honra e à imagem do representante".

 

Nesse sentido, colho na sentença (ID 45779740):

 

Repiso o parecer do DD. Promotor de Justiça Eleitoral, quando destacou que a acusação propalada na postagem combatida não foi processada e julgada na Justiça Criminal, evidenciando a leviana disseminação da informação, a qual, se não desconsiderada, pode impactar negativamente a imagem do candidato.

Considerando também que a defesa apresentada pelo representado, que sustenta a legalidade da publicação e a ausência de inverdade nas informações veiculadas, está em desacordo com o princípio de que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade, especialmente em um contexto eleitoral. A proteção à honra e à imagem dos candidatos é essencial para assegurar um pleito democrático e justo. A mera referência a informações veiculadas por veículos de comunicação, ainda que fossem verdadeiras, não exime da responsabilidade de não propagar acusações que possam ser consideradas ofensivas e que não se sustentam perante a Justiça.

A análise do conteúdo veiculado revela que o representado atribuiu ao representante a prática de crimes ainda não processados pela Justiça Criminal, como o homicídio culposo e a omissão de socorro, fatos que ainda dependem de investigação e decisão judicial. A disseminação dessas informações de forma antecipada e sem o devido processo legal configura, de fato, violação à honra e à imagem do representante.

Além disso, a publicação possui claro potencial de comprometer a integridade do processo eleitoral, ao influenciar negativamente a opinião dos eleitores sobre o candidato com base em acusações infundadas e sem decisão judicial transitada em julgado.

A conduta do representado extrapola os limites da crítica política legítima e adentra o campo das agressões pessoais, causando danos à honra e à imagem do representante, bem como à lisura do processo eleitoral.

Diante do exposto, e considerando que a veiculação do conteúdo impugnado revela-se ilícita e ofensiva, JULGO PROCEDENTE a presente representação, tornando definitiva a decisão liminar que determinou a suspensão da veiculação do conteúdo impugnado, como também aplico a multa prevista no artigo 30, §1º, da Resolução TSE nº 23.610/2019 ao representado, pela prática de propaganda eleitoral irregular, no valor de R$ 5.000,00.

Determino, ainda, que seja remetido cópia integral dos autos à Delegacia da Polícia Federal para a instauração de procedimento investigatório policial, a fim de apurar a prática de crime tipificado no artigo 325 do Código Eleitoral.

 

Entretanto, não vislumbro a imputação de crime de homicídio e de omissão de socorro ao candidato, ora recorrido, na mensagem publicada pela recorrente.

Explico.

A afirmação de que o ciclista (vítima) "foi atropelado" trata-se de fato amplamente divulgado na imprensa, não podendo ser tratado como "sabidamente inverídico". Ademais, não se pode atribuir à recorrente uma acusação de crime de homicídio a partir da afirmação "foi atropelado". Em sua publicação, a recorrente afirma a ocorrência do fato atropelamento, não há menção à consequência do atropelamento. Não se fala se o ciclista sofreu alguma escoriação, se houve lesão corporal ou ainda a morte. Ou seja, qualquer suposição fora do que foi efetivamente dito não passa de ilações.

Quanto à afirmação de que o candidato "não prestou socorro", igualmente considero menção a um fato ocorrido, eis que divulgado na imprensa que não foi prestado socorro. Ao dizer que o candidato não socorreu a vítima, o recorrente não está lhe atribuindo especificamente o crime de omissão de socorro. Existe o fato de não ter socorrido, já se esse fato configura ou não o crime de omissão de socorro é algo que será aferido no processo pertinente.

Assim, entendo que a recorrente apenas menciona em sua publicação fatos amplamente divulgados na imprensa, não imputando ao candidato condutas criminosas, sequer referindo se há processos em andamento sobre o ocorrido.

Nessa mesma linha é o posicionamento da douta Procuradoria Regional Eleitoral, em trecho que transcrevo:

 

No caso em questão, não demonstrou o representante dimensão suficiente da publicação para "causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral" nem se autoriza inferir tamanha relevância só do teor da publicação.

[…]

Com efeito, os fatos questionados como "propaganda irregular" tratam-se de mera reprodução de matéria jornalística. Aliás, outros veículos de imprensa também publicaram sobre o tema.

[…]

Constata-se disso que a publicação veiculada na rede social do recorrente não veiculou fato sabidamente inverídico com relação ao recorrido, atingindo a sua imagem e honra perante o eleitorado, pois houve de fato o atropelamento com morte da vítima, e o recorrido não aguardou a chegada da Polícia Rodoviária Federal.

[...]

Com efeito, é peculiar das campanhas eleitorais a exposição potencializada dos equívocos dos candidatos, o que, por si, não torna a manifestação irregular. Ademais, ela foi feita na rede social do recorrente, de forma identificada e em defesa de direito próprio. Hipótese claramente acolhida pela liberdade de manifestação.

 

Dessa forma, as críticas, ainda que ácidas, são inerentes ao debate político, máxime porque o ora recorrido foi candidato ao cargo de prefeito:

 

Eleições 2022 [...] Representações por propaganda irregular. Divulgação de notícias falsas. Não demonstrada. Quantidade excessiva de irregularidades graves. Inocorrência. Não caracterização do ilícito eleitoral [...] No ponto, não foi comprovado nos autos o contexto descrito na inicial de que a campanha dos ora recorrentes teria utilizado sua propaganda eleitoral no horário eleitoral gratuito e, também, nas redes sociais, para divulgar grave desinformação e notícias falsas prejudiciais a candidato adversário. O que se constatou foi apenas a veiculação, pelo candidato ora recorrente, de críticas, ainda que agressivas, próprias da disputa eleitoral.

(Ac. de 14/5/2024 no RO-El n. 060250020, rel. Min. André Ramos Tavares.)

 

Eleições 2022 [...] Propaganda eleitoral irregular. Art. 45 da lei nº 9.504/1997. Programação normal. Emissora de TV. Liberdade de expressão. Ilícito não configurado [...] 2. Consoante a jurisprudência desta Corte Superior, a garantia da livre manifestação de pensamento não possui caráter absoluto, afigurando-se possível a condenação por propaganda eleitoral negativa no caso de a mensagem divulgada ofender a honra ou a imagem de candidato, partido ou coligação, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos. 3. A hipótese dos autos é distinta. A moldura fática do acórdão regional revela que as manifestações do agravado em programa de TV, transmitido em 8.9.2022, traduziram-se em reprodução de matéria amplamente divulgada em âmbito nacional sobre suposto superfaturamento do preço de remédios praticado durante a gestão do agravante em governo anterior, acompanhada de crítica que, ainda que ácida, não desborda do limite da liberdade de expressão [...] 5. A mera abordagem, em programa televisivo, de supostos fatos veiculados na imprensa envolvendo a gestão pretérita de candidato, enquanto agente político, não ultrapassa os limites da liberdade de imprensa e do direito à informação, sendo inerente ao debate político, logo não caracteriza propaganda eleitoral negativa. 6. Conflita com o Estado Democrático de Direito o estabelecimento de severas e automáticas restrições à liberdade de expressão com supedâneo no mero início do período eleitoral, impondo-se como regra assegurar a livre circulação de ideias, o debate sadio e a veiculação de críticas, ainda que ácidas e enfáticas.

(Ac. de 3/5/2004 no AgR-REspEl n. 060149544, rel. Min. Benedito Gonçalves.)

 

Eleições 2022 [...] Propaganda eleitoral negativa [...] a Corte regional compartilha do mesmo entendimento do TSE no sentido de que as limitações impostas à propaganda eleitoral não afetam os direitos constitucionais de livre manifestação do pensamento e de liberdade de informação, sendo possível a divulgação de conteúdo restrito a críticas inerentes ao debate político, que não importe em ofensa à honra e à dignidade do candidato [...]".

(Ac.de 19/2/2024 no AgR-AREspE n. 060144295, rel. Min. Raul Araujo Filho.)

 

 

Assim o é justamente porque a doutrina tem reconhecido que a tutela da honra de pessoas públicas ou que exerçam cargos públicos possui um caráter diferenciado em relação à análise dos limites da liberdade de expressão.

Dessa forma, tenho que na publicação em tela a recorrente apenas apresentou fatos e teceu considerações de cunho político, próprias do debate eleitoral.

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso, ao efeito de julgar improcedente a representação, com o afastamento da multa aplicada.