REl - 0600022-22.2023.6.21.0127 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/04/2025 00:00 a 04/04/2025 23:59

VOTO

ADMISSBILIDADE

O recurso mostra-se tempestivo e mostra-se adequado à espécie. Por isso, dele conheço e passo à analisar o mérito.

 

MÉRITO

Irresignado, o Diretório Municipal do MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO – MDB – de Giruá recorre da sentença que desaprovou a sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2022, sob o argumento de que regularizada a impropriedade apontada, uma vez que comprovada a origem do dinheiro depositado em espécie em suas contas bancárias no montante de R$ 1.600,00 e, por entender contraditória a decisão, pede a sua reforma para um juízo de aprovação das contas com ressalvas (ID 45606731).

Relativamente ao recebimento de recursos em espécie, reproduzo as razões da decisão recorrida (ID 45606718):

O exame técnico apontou divergências entre os valores registrados no SPCA e na contabilidade partidária, no que diz respeito às obrigações a pagar e registro da movimentação ocorrida na campanha eleitoral, conforme relatado acima, além do registro de o recebimento de recursos de origem não identificada, referente a contribuição de filiado, de valor superior a 1.064,10, realizado por meio de depósito bancário em vez de transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação, ou cheque nominal e cruzado, contrariando o disposto no § 3º do art. 8º, da Resolução TSE nº 23.604/2019. Trata-se de contribuição declarada como sendo de Arlindo Pazini, CPF nº 234.740.250-15, cujo depósito bancário, em dinheiro, foi efetivado no dia 07/07/2022, no valor de R$ 1.600,00, na conta nº 606712001, da agência nº 660, do Banrisul de Giruá.

No que diz respeito às divergências de registro entre as informações declaradas no SPCA e na contabilidade partidária, com base na análise técnica, tratam-se de impropriedades já que não prejudicaram a análise das contas pois os valores declarados se encontram de acordo com as movimentações ocorridas nos extratos bancários.

No entanto, mesma sorte não lhe socorre em relação à doação efetuada mediante depósito bancário.

Com efeito, assim dispõem os arts. 7º, caput, 8º, § 3º e 14, ambos da Resolução TSE nº 23.604/2019:

Art. 7º As contas bancárias somente podem receber doações ou contribuições com identificação do respectivo número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) do doador ou do contribuinte ou no CNPJ, no caso de recursos provenientes de outro partido político ou de candidatos.

Art. 8º As doações realizadas ao partido político podem ser feitas diretamente aos órgãos de direção nacional, estadual ou distrital, municipal e zonal, que devem remeter à Justiça Eleitoral e aos órgãos hierarquicamente superiores do partido o demonstrativo de seu recebimento e da respectiva destinação, acompanhado do balanço contábil (art. 39, § 1º, da Lei nº 9.096/95) .

(...)

§ 3º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

Art. 14. O recebimento direto ou indireto dos recursos previstos no art. 13 sujeita o órgão partidário a recolher o montante ao Tesouro Nacional, por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU), até o último dia útil do mês subsequente à efetivação do crédito em qualquer das contas bancárias de que trata o art. 6º, sendo vedada a devolução ao doador originário.

Importante frisar que a regra do § 3º do art. 8º trata-se de inovação acrescida na prestação de contas partidária anual pelo advento da Resolução TSE nº 23.604/2019, que veio acompanhar as regras já vigentes na resolução das prestações de contas eleitorais.

O objetivo central da norma é tornar mais rígida a fiscalização da origem dos recursos. Referida exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos partidos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso. A transferência eletrônica é a forma que confere maior transparência às doações e a que permite evitar o uso de recursos provenientes de fontes vedadas.

O depósito em espécie, impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obsta a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é “conta a conta”, o que garante a correta identificação da origem do recurso.

No entanto, no caso dos autos, o órgão partidário juntou os extratos bancários da conta do doador, onde se verifica um saque no dia 07/07/2022, assim identificado: "6703 SAQUE RECIBO AVULSO 001927 1.600,00 BNO" e do partido, cujo lançamento de depósito, também na data de 07/07/2022, consta assim identificado: "0022 DEPÓSITO EM DINHEIRO 001933 1.600,00 BNO 0660 CNPJ/CPF 00023474025015 AGÊNCIA DE ORIGEM: 0660". Juntou, também, o recibo de depósito bancário (Id 121191400).

Assim, entendo que, neste caso específico, o prestador de contas logrou êxito em comprovar a origem do recurso, de forma incontroversa, já que os documentos apresentados, mais especificamente os extratos bancários, não são meramente declaratórios como o recibo de depósito.

Nesse sentido, embora tenha a operação sido realizada em desacordo com a norma, tenho que, no caso, pode ser afastada a penalidade de recolhimento ao erário do valor.

A Procuradoria Regional Eleitoral, a seu turno, pondera que inexiste contradição na sentença e que a irregularidade pode ser considerada para efeitos de juízo de desaprovação ou aprovação com ressalvas, ainda que afastada a determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional.

Com efeito, entendo que o depósito em espécie em conta bancária partidária acima de R$ 1.064,10 é procedimento irregular e caracteriza recursos de origem não identificada, ainda que o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador. Nesse sentido, a propósito, consolida-se o atual posicionamento deste Tribunal:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2022. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. MULTA. DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DOAÇÕES EFETUADAS EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. DESPROVIMENTO.

1. Insurgência contra sentença que desaprovou prestação de contas de órgão municipal de partido político, relativas ao exercício financeiro do ano de 2022, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional da quantia irregular, acrescido de multa de 20%, e a suspensão do recebimento de verbas do Fundo Partidário pelo período de um ano.

2. Recebimento de recursos de origem não identificada - RONI. Doações efetuadas em espécie, acima do limite estipulado na norma de regência. Embora o depósito tenha sido realizado com a anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do TSE no sentido de que se trata de ato meramente declaratório prestado à instituição bancária. A operação somente poderia ser realizada mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal, nos exatos termos do art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19. Configurada a irregularidade. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

3. Em relação à pretensão de aprovação das contas com ressalvas, com base na pequena expressão do valor irregular, a jurisprudência considera inexpressivo o montante que não ultrapassar: (a) em termos absolutos, o valor de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos); ou (b) em termos relativos, o percentual de 10% (dez por cento) do total de recursos arrecadados (REspEl - Agravo Regimental no Recurso Especial Eleitoral n. 060166587/MA, Acórdão de 12.11.2020, relator Min. Edson Fachin, DJ-e 20.11.2020), circunstâncias não verificadas no caso dos autos.

4. Na hipótese, a irregularidade representa 100% das receitas do exercício, inviabilizando a incidência dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, para que a falha seja considerada pouco relevante no conjunto das contas, e impondo a sua desaprovação. Considerando que as irregularidades alcançaram a totalidade da arrecadação do partido político, a sentença não merece reparos quanto à fixação das sanções em seus patamares máximos.

5. Desprovimento.

(TRE/RS, REl n. 0600021-52.2023.6.21.0025, Relator Desembargador Mario Crespo Brum, DJE, 03/09/2024).

Portanto, ainda que identificado o depósito, nos extratos bancários, o CPF do doador Arlindo Nelson Pazini (ID 45606715) no valor de R$ 1.600,00, em 07.7.2022, configura descumprimento da norma do art. 8º, § 3º, da Resolução TSE n. 23.604/19 e importaria no recolhimento integral dos valores aos cofres públicos.

Ao dispensar o recolhimento dos valores e as penalidades, a sentença posiciona-se de forma mais favorável ao recorrente e, no ponto, não deve ser alterada sob pena de reformatio in pejus. A esse respeito, lembro do precedente desta Corte no sentido de que, em não havendo recurso específico em contrário, deve ser mantido o entendimento mais favorável do Juízo de origem em relação ao posicionamento deste Tribunal, relatado pelo Desembargador Volnei do Santos Coelho, nos autos do recurso 0600267-95.2024.6.21.0095:

DIREITO ELEITORAL. ELEIÇÃO 2024. RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. DOAÇÃO EM ESPÉCIE ACIMA DO LIMITE LEGAL. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. RECURSO DESPROVIDO.

I. CASO EM EXAME

1. Recurso interposto contra sentença que desaprovou prestação de contas de candidato ao cargo de vereador, referente à campanha de 2024, por recebimento de doações, em espécie, acima do limite legal diário de R$ 1.064,10, em desconformidade com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19. Determinação de recolhimento do valor excedente ao Tesouro Nacional.

II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO

2.1. Verificar se a falha apontada compromete a regularidade das contas, justificando sua desaprovação.

2.2. Avaliar se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade podem ser aplicados para afastar a desaprovação das contas ou minimizar seus efeitos.

III. RAZÕES DE DECIDIR

3.1. A legislação eleitoral estabelece que doações financeiras iguais ou superiores a R$ 1.064,10 devem ser realizadas exclusivamente por transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal, conforme o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3.2. No caso, incontroverso que os depósitos foram realizados em espécie (na boca do caixa). Tal procedimento desatende o estabelecido no texto legal. As doações realizadas no mesmo dia, acima de R$ 1.064,10, sejam de pessoas físicas ou oriundas de recursos próprios, devem observar o trânsito eletrônico entre as contas bancárias do doador e do recebedor. Realizados os depósitos em espécie, não há comprovação da origem dos recursos.

3.3. O desconhecimento legislativo ou a ausência de má-fé não se prestam a um juízo absolutório, pois o interesse nas reais fontes financiadoras de campanha vai além desta Justiça Especializada, alcançando toda a sociedade.

3.4. O juízo de origem aplicou entendimento mais favorável ao recorrente ao determinar o recolhimento apenas do valor excedente. Este Tribunal posiciona-se no sentido de que a regra seria o recolhimento integral da doação irregular. No entanto, não há que se alterar a sentença no ponto, para que não se incorra em reformatio in pejus.

3.5. Doação irregular. Inviabilidade de aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional.

IV. DISPOSITIVO E TESE

4.1. Recurso desprovido.

Teses de julgamento: 1. O recebimento de doações em espécie acima do limite legal diário, em desconformidade com o art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, configura irregularidade que compromete a confiabilidade e a transparência das contas, uma vez que inviabiliza a verificação da origem da contribuição. 2. O desconhecimento da legislação ou a ausência de má-fé no ilícito não afastam a responsabilidade pela prática irregular, considerando o interesse público na fiscalização da origem dos recursos de campanha.

Dispositivos relevantes citados: Resolução TSE n. 23.607/19, art. 21, § 1º; art. 32.

Jurisprudência relevante citada: TSE, AgR-AREspE n. 0600481-94, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJE 23.8.2022; TSE, AgR-AREspE n. 0601618-41, Rel. Min. Floriano De Azevedo Marques, DJE 09.8.2024.

(TRE/RS, REl 0600267-95.2024.6.21.0095, Relator Desembargador Volnei Dos Santos Coelho, DJE, 12/02/2025).

Ao mesmo tempo, adoto o preciso argumento da Procuradoria Regional Eleitoral de que inexiste contradição na manutenção da falha apenas para aferição do juízo de reprovabilidade das contas, sem determinação de recolhimento de valores, o qual se encontra alinhado com a posição deste Colegiado:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA NÃO ELEITA. DEPUTADA FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. APLICAÇÃO IRREGULAR DE RECURSOS DO FUNDO ESPECIAL DE FINANCIAMENTO DE CAMPANHA - FEFC. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE MILITÂNCIA. AUSÊNCIA DE DOCUMENTAÇÃO. DESPESAS DE ALIMENTAÇÃO. CARÁTER PESSOAL. IMPOSSIBILIDADE DE PAGAMENTO COM RECURSOS PÚBLICOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE GASTOS COM IMPULSIONAMENTO. IMPROPRIEDADES NA MOVIMENTAÇÃO FINANCEIRA. IRREGULARIDADES QUE REPRESENTAM ELEVADO PERCENTUAL. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO DO VALOR IRREGULAR AO TESOURO NACIONAL. DESAPROVAÇÃO.

1. Prestação de contas apresentada por candidata não eleita ao cargo de deputada federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Aplicação irregular de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC.

(...)

2.4. Impropriedade na movimentação financeira proveniente de outros recursos na conta bancária destinada especificamente ao Fundo de Financiamento de Campanha. Manutenção da falha apenas para aferição do juízo de reprovabilidade das contas, sem recolhimento de valores, em razão de descumprimento da norma prevista no § 2º do art. 9º da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. As irregularidades somadas representam 13,22% do total de recursos recebidos pela candidata em sua campanha e extrapolam os parâmetros fixados na jurisprudência desta Justiça Especializada, de aplicação dos princípios de razoabilidade e de proporcionalidade, para formar juízo de aprovação com ressalvas da contabilidade (ou seja, montante superior a R$ 1.064,10 e excedente a 10% da arrecadação financeira).

4. Desaprovação. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS, PCE n. 060290566, Relatora Desembargadora Eleitoral Patricia Da Silveira Oliveira, DJE, 05/06/2024, sublinhei e grifei)

Por conseguinte, no caso concreto, remanescem as irregularidades apenas para aferição do juízo de reprovabilidade das contas.

Logo, a falha, no valor de R$ 1.600,00, representa 28,48% das receitas declaradas (R$ 5.617,50), percentual superior a 10% e com valor acima de R$ 1.064,10, os quais são considerados como critério para a aprovação com ressalvas, por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Com essas considerações, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.