REl - 0600531-40.2024.6.21.0022 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/04/2025 00:00 a 04/04/2025 23:59

VOTO

ITAMARA FRANCESCHINI recorre da sentença que aprovou com ressalvas suas contas referentes às Eleições Municipais de 2024 e determinou o recolhimento de R$ 3.000,00 ao Tesouro Nacional, em virtude do recebimento de recursos de origem não identificada relativos a três depósitos bancários sucessivos realizados na mesma data, em espécie, no valor de R$ 1.000,00 cada, identificados com o CPF de Norma Hedwig de Oliveira Brito.

Em suas razões, alega a ausência de prejuízo à lisura e à transparência das contas eleitorais, indicando o CPF da doadora. Defende estar amparada na boa-fé e pede a aplicação dos princípios de proporcionalidade e de razoabilidade para que as contas sejam aprovadas sem ressalvas e que seja afastada a determinação de recolhimento dos recursos ao erário.

A sentença ponderou que os depósitos deveriam ter sido realizados entre contas bancárias do doador e do beneficiário ou mediante cheque cruzado e nominal, na medida em que, “embora o depósito tenha sido realizado com anotação do CPF do doador, é firme o posicionamento do TSE no sentido de que se trata de ato meramente declaratório prestado à instituição bancária”.

A Procuradoria Regional Eleitoral entende que para verificar a origem do recurso é necessário conhecer o percurso da doação a partir das transferências eletrônicas, e que o depósito de dinheiro em espécie identificado por determinada pessoa física seria, por si só, incapaz de comprovar a procedência dos valores recebidos pela candidatura.

Do exame dos autos constato que houve três doações sucessivas realizadas pela doadora Norma Hedwig de Oliveira Brito no mesmo dia, 16.9.2024, representando o montante total de R$ 3.000,00, sem a devida transferência eletrônica entre contas bancárias ou emissão do respectivo cheque nominal e cruzado. O procedimento descumpre norma expressa de contabilidade eleitoral e impacta diretamente a confiabilidade das contas.

Os valores não deveriam ser utilizados no financiamento de campanha e, no caso de utilização, como na hipótese dos autos, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional na forma do disposto nos arts. 21, §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º; 32, caput; e 79, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

(...)

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias da doadora ou do doador e da beneficiária ou do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

§ 2º O disposto no § 1º aplica-se também à hipótese de doações sucessivas realizadas por uma mesma doadora ou um mesmo doador em um mesmo dia.

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação da doadora ou do doador, ser a ela ou a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificada(o) a doadora ou o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

§ 5º Além da consequência disposta no parágrafo anterior, o impacto sobre a regularidade das contas decorrente da utilização dos recursos recebidos em desacordo com este artigo será apurado e decidido por ocasião do julgamento.

(…)

Art. 32. Os recursos de origem não identificada não podem ser utilizados por partidos políticos e candidatas ou candidatos e devem ser transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU).

(…)

Art. 79. A aprovação com ressalvas da prestação de contas não obsta que seja determinada a devolução dos recursos recebidos de fonte vedada ou a sua transferência para a conta única do Tesouro Nacional, assim como dos recursos de origem não identificada, na forma prevista nos arts. 31 e 32 desta Resolução.

(...)

(Grifei.)

A decisão merece ser mantida, pois de fato o procedimento adotado na doação contraria o art. 21, inc. I, §§ 1º e 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, que estabelece o limite de R$ 1.064,10 para doações bancárias sucessivas em espécie, realizadas por um mesmo doador em um mesmo dia.

Tal exigência normativa visa assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso, como feito pela recorrente.

Nesse cenário, ainda que os comprovantes de depósitos indiquem o CPF do doador, o candidato, há irregularidade porque houve superação do limite diário de recebimento de doação em dinheiro, a qual inviabiliza o rastreamento. Os depósitos foram realizados de maneira sucessiva, estando correta a conclusão do juízo a quo no sentido de que os valores não estão com a origem devidamente identificada, o que conduz ao recolhimento ao erário, na forma prevista no caput do art. 32 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ressalto que o egrégio Tribunal Superior Eleitoral entende que a obrigação de as doações acima de R$ 1.064,10 serem realizadas mediante transferência bancária não se constitui em mera exigência formal, sendo que o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas, consoante precedente a seguir colacionado:

ELEIÇÕES 2016. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CANDIDATO. VEREADOR. DOAÇÃO. DEPÓSITO BANCÁRIO. EM ESPÉCIE. VALOR SUPERIOR A R$ 1.064,10. TRANSFERÊNCIA ELETRÔNICA. EXIGÊNCIA. ART. 18, § 1º DA RES. TSE Nº 23.463/2015. DETERMINAÇÃO DE RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PROVIMENTO.

(...)

2. Nas razões do regimental, o Parquet argumenta que não foi observado o art. 18, § 1º, da Res.-TSE nº 23.463/2015, segundo o qual "as doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação". 3. A Corte Regional, soberana na análise dos fatos e provas, atestou a identificação da doadora do valor apontado como irregular por meio do número do CPF impresso no extrato eletrônico da conta de campanha.

4. Consoante decidido nesta sessão, no julgamento do AgR-REspe nº 265-35/RO, a maioria deste Tribunal assentou que a exigência de que as doações acima de R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) sejam feitas mediante transferência eletrônica não é meramente formal e o seu descumprimento enseja, em tese, a desaprovação das contas.

(...)

7. Agravo regimental acolhido para dar provimento ao recurso especial, com determinação de recolhimento ao erário do valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais).

(Recurso Especial Eleitoral n. 52902, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 250, Data: 19.12.2018, pp. 92-93.) (Grifei.)

O raciocínio é o de que o descumprimento da exigência de realização de transferência bancária ou de emissão de cheque nominal cruzado não fica suprido pela realização de depósito em espécie, ainda que identificado por determinada pessoa, circunstância que não se mostra apta para comprovar a efetiva origem do valor devido à ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário.

Na hipótese em tela, inexiste comprovação adicional mínima sobre a origem dos recursos ou por qual motivo não foram realizados depósitos através de transferências bancárias de modo conjunto, impossibilitando que a falha seja relevada.

Não se trata de irregularidade meramente formal, nem de análise da boa ou má-fé dos prestadores, ou de hipótese de malversação, desvio de recursos ou de locupletamento indevido, mas de manifesto e injustificável descumprimento de norma eleitoral aplicável a todos os candidatos.

A propósito, a decisão está em sintonia com a jurisprudência pacífica deste Tribunal no sentido de vedar depósitos de dinheiro em espécie, ainda que identificado o CPF do doador, quando realizados depósitos sucessivos, no mesmo dia, burlando artificialmente o limite de doações de até R$ 1.064,10 nessa modalidade:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO. DEPUTADO FEDERAL. RECURSO DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA. BAIXO PERCENTUAL. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato não eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

2. Recurso de origem não identificada. Realização de três depósitos sucessivos em espécie, na mesma data, identificados com o número do CPF do próprio candidato. Matéria disciplinada nos arts. 21 e 32 da Resolução TSE n. 23.607/19. Na hipótese, o montante do aporte superou objetivamente o limite de R$ 1.064,10 permitido por lei para depósitos em espécie, e a doação deveria ter observado a exigência de transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal. Ademais, o depósito identificado, em situações como a dos autos, é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato financeiro. Caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, impondo o recolhimento do valor ao Tesouro Nacional.

3. A irregularidade representa 1,88% do total das receitas declaradas na campanha, sendo adequado, razoável e proporcional o juízo de aprovação das contas com ressalvas, na linha do que vem decidindo este Tribunal Regional e o Tribunal Superior Eleitoral.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE/RS, PCE nº 0602178-10.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Voltaire De Lima Moraes, Publicação: DJE 23/10/2023).

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATO ELEITO. DEPUTADO FEDERAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. RECEBIMENTO DE RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADA - RONI. DEPÓSITO EM ESPÉCIE REALIZADO NO MESMO DIA SUPERIOR AO MÍNIMO PERMITIDO. INFRAÇÃO AO ART. 21, § 2º, DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. QUANTIA DE BAIXO VALOR. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidato eleito ao cargo de deputado federal, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas Eleições Gerais de 2022.

2. Identificados de seis depósitos em espécie, realizados por um mesmo doador, em um mesmo dia, em valor acima do limite regulamentar. O art. 21, § 2º, da Resolução TSE n. 23.607/19, estipula que as doações sucessivas, realizadas por um mesmo doador, em uma mesma data, devem ser somadas para fins de aferição do limite. Ainda que os depósitos glosados, isoladamente, não tenham excedido o valor de R$ 1.064,10, o conjunto de transações alcançou cifra superior. O montante recebido em desacordo com a norma impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obsta a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é "conta a conta", o que garante a correta identificação da origem dos recursos. Portanto, reputam-se como sendo de origem não identificada os recursos advindos da doação em tela. Dever de recolhimento ao Tesouro Nacional, conforme prescreve o art. 32, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19.

3. A irregularidade representa 0,20% da receita total declarada pelo candidato, razão pela qual, de acordo com a pacífica jurisprudência do TSE, seguida por este Regional, cabe no caso a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade, a fim de aprovar as contas com ressalvas. Mantida a obrigação do recolhimento do montante apontado como irregular ao Tesouro Nacional.

4. Aprovação com ressalvas. Recolhimento ao Tesouro Nacional.

(TRE, PCE nº 0602403-30.2022.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, Publicado em Sessão, 23/11/2022.)  (Grifei.)

Assim, permanece a irregularidade, sendo inviável acolher o pedido de aprovação integral das contas.

As falhas totalizam o valor de R$ 3.000,00 e representam 9,02% das receitas declaradas (R$ 33.223,00), percentual inferior a 10% do total de recursos arrecadados, razão pela qual é acertada a aprovação com ressalvas por aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Com essas considerações, em linha com o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, concluo que o recurso merece ser desprovido porque a manutenção do juízo de aprovação das contas com ressalvas e da determinação de recolhimento dos valores ao Tesouro Nacional é medida que se impõe.

Ante o exposto, VOTO pelo desprovimento do recurso.