REl - 0601054-50.2024.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/04/2025 00:00 a 04/04/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, trata-se de recurso interposto por ANA ELISA DE LIMA, candidata ao cargo de vereadora no Município de Parobé/RS, nas Eleições Municipais de 2024, contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha e determinou o recolhimento ao erário do valor de R$ 3.200,00.

O exame técnico identificou doação financeira recebida de pessoa física por meio de um depósito único, em espécie, realizado em 01.10.2024, no valor de R$ 3.200,00 (ID 45826556), contrariando o disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 21. As doações de pessoas físicas e de recursos próprios somente poderão ser realizadas, inclusive pela internet, por meio de:

I - transação bancária na qual o CPF do doador seja obrigatoriamente identificado;

(…).

§ 1º As doações financeiras de valor igual ou superior a R$ 1.064,10 (mil e sessenta e quatro reais e dez centavos) só poderão ser realizadas mediante transferência eletrônica entre as contas bancárias do doador e do beneficiário da doação ou cheque cruzado e nominal.

(…).

§ 3º As doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo não podem ser utilizadas e devem, na hipótese de identificação do doador, ser a ele restituídas ou, se isso não for possível, devem ser consideradas de origem não identificada e recolhidas ao Tesouro Nacional, na forma prevista no caput do art. 32 desta Resolução.

§ 4º No caso da utilização das doações financeiras recebidas em desacordo com este artigo, ainda que identificado o doador, os valores devem ser recolhidos ao Tesouro Nacional, na forma do disposto caput do art. 32 desta Resolução.

A legislação eleitoral exige que todos os recursos sejam movimentados por meio de transações bancárias que assegurem a rastreabilidade e identificação clara da origem dos valores, condição indispensável para evitar irregularidades e garantir a transparência no financiamento de campanhas.

Nessa senda, a jurisprudência do TSE assevera que “a ratio essendi da norma é identificar a origem de recurso arrecadado, com o rastreamento a partir da transferência eletrônica efetivada entre estabelecimentos bancários” (Recurso Especial Eleitoral n. 26535, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, Relatora designada Min. Rosa Weber, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 20.11.2018, p. 32).

Da mesma forma, está consolidado o entendimento de que a mera anotação do CPF do suposto doador no depósito em espécie é incapaz de comprovar a efetiva origem dos recursos, haja vista a ausência de seu trânsito prévio pelo sistema bancário e a natureza essencialmente declaratória desse ato bancário:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. PRESTAÇÃO DE CONTAS. CAMPANHA ELEITORAL. VEREADOR. APROVAÇÃO COM RESSALVAS. INCONFORMISMO. RESSARCIMENTO. VALORES DE DOAÇÃO. TESOURO NACIONAL.

1. A atual jurisprudência deste Tribunal é no sentido de que as doações acima de R$ 1.064,10 devem ser feitas mediante transferência eletrônica, nos exatos termos do art. 18, § 1º, da Res.-TSE 23.463, e o descumprimento da norma regulamentar não é reputado como falha meramente formal. Nesse sentido, já se assentou que "a aceitação de doações eleitorais em forma diversa da prevista compromete a transparência das contas de campanha, dificultando o rastreamento da origem dos recursos" (AgR-REspe 313-76, rel. Min. Luís Roberto Barroso, DJE de 3.12.2018).

2. O Tribunal a quo assentou que "foram realizados dois depósitos em espécie realizados diretamente na conta de campanha, acima do limite legal, em desobediência ao art. 18, § 1º, da Resolução TSE n. 23.463/15" (fl. 143), acrescentando que tal irregularidade representou 74,95% do somatório dos recursos financeiros arrecadados e que seria inviável atender ao pleito de devolução da quantia aos pretensos doadores, em detrimento do seu recolhimento ao Tesouro Nacional, diante da falibilidade da identificação da origem desses recursos.

3. Em face da jurisprudência consolidada no tema, se não se admite a realização de depósito na "boca do caixa" para fins de prova da origem de doação, também a mera emissão do recibo eleitoral pelo candidato não possibilita, por si só, comprovar tal fato, o que ocorre justamente pela providência alusiva à transferência eletrônica entre contas bancárias, modalidade preconizada na resolução destinada a possibilitar a confirmação das informações prestadas.

Agravo regimental a que se nega provimento.

(Recurso Especial Eleitoral n. 25476, Acórdão, Relator Min. Sergio Silveira Banhos, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Data 02.8.2019) (Grifei.)

 

AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2016. PREFEITO. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. DOAÇÃO. PESSOA FÍSICA. DEPÓSITO. ART. 18, §§ 1º E 3º, DA RES.-TSE 23.463/2015. PERCENTUAL EXPRESSIVO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE. NÃO INCIDÊNCIA. DESPROVIMENTO.

1. A teor do art. 18, §§ 1º e 3º, da Res.-TSE 23.463/2015, doações de pessoas físicas para campanhas, em valor igual ou superior a R$ 1.064,10, devem ser obrigatoriamente realizadas por meio de transferência eletrônica, sob pena de restituição ao doador ou de recolhimento ao Tesouro Nacional na hipótese de impossibilidade de identificá-lo.

2. Na espécie, é incontroverso que os candidatos, a despeito da expressa vedação legal, utilizaram indevidamente recursos financeiros R$ 5.000,00, o que corresponde a 16% do total de campanha oriundos de depósito bancário, e não de transferência eletrônica, o que impediu que se identificasse de modo claro a origem desse montante.

3. A realização de depósito identificado por determinada pessoa é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário. Precedentes, com destaque para o AgR-REspe 529-02/ES, Rel. Min. Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, DJe de 19.12.2018.

[…].

7. Agravo regimental desprovido.

(TSE – AgR-REspe n. 251-04, Relator Min. Jorge Mussi, julgado em 19.3.2019, publicado no DJE, tomo 66, de 05.4.2019, pp. 68-69) (Grifei.)

Embora a recorrente argumente que o equívoco foi cometido pela doadora e que não houve dolo, a responsabilidade pela conformidade da movimentação financeira é, em última instância, da própria candidata.

É dever do beneficiário do recurso, enquanto ordenador e gestor de sua prestação de contas, garantir que todas as operações financeiras sejam realizadas de acordo com os limites e requisitos fixados pela legislação eleitoral.

Além disso, a relevância percentual da irregularidade em relação ao total de receitas arrecadadas demonstra sua natureza grave. O valor de R$ 3.200,00, que equivale a mais de um quarto das receitas declaradas, afeta significativamente a consistência das contas, distanciando-se das hipóteses em que a irregularidade, por ser irrelevante ou irrisória no conjunto das contas, permite aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade para a aprovação com ressalvas.

Embora a recorrente argumente que o equívoco foi cometido pela doadora e que não houve dolo, a responsabilidade pela conformidade da movimentação financeira é, em última instância, da própria candidata.

É dever do beneficiário do recurso, enquanto gestor de sua prestação de contas, garantir que todas as operações financeiras sejam realizadas de acordo com os limites e requisitos fixados pela legislação eleitoral.

Ainda que se reconheça a ausência de má-fé ou de qualquer indício de ocultação intencional das informações financeiras, não é possível relativizar o impacto de uma falha que atinge parcela significativa do total arrecadado, sobretudo diante da exigência legal de observância rigorosa às normas de controle financeiro.

Nesse contexto, este Tribunal considera que a mitigação de irregularidades, por meio da aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, somente se justifica quando o impacto das falhas seja limitado. Para tanto, é necessário que as inconsistências apresentem um valor nominal inferior a R$ 1.064,10, ou representem menos de 10% do total da receita arrecadada, requisitos claramente não atendidos no caso em análise.

Em idêntico sentido se posiciona o Tribunal Superior Eleitoral:

ELEIÇÕES 2020. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. ELEIÇÕES MUNICIPAIS. OMISSÃO DE DESPESAS. VÍCIO GRAVE. PERCENTUAL ELEVADO. INAPLICABILIDADE DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. REJEIÇÃO DAS CONTAS NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA. ENTENDIMENTO EM CONFORMIDADE COM A JURISPRUDÊNCIA DO TSE. ENUNCIADO Nº 30 DA SÚMULA DO TSE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O TRE/PR manteve a sentença que desaprovou as contas de campanha do agravante, que concorreu ao cargo de vereador pelo Município de Nova Cantu/PR nas eleições de 2020, ao entendimento de que foi constatada irregularidade grave, capaz de comprometer a lisura e a confiabilidade da prestação das contas, totalizando a quantia de R$ 970,15, correspondente a 40,23% do total de recursos movimentados pelo candidato. 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, nos processos em que se examina prestação de contas, devem ser observados alguns critérios que podem viabilizar a aprovação das contas com ressalvas sob a ótica dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sendo eles: (a) irregularidade não pode ultrapassar o valor nominal de 1.000 Ufirs (R$ 1.064,00); (b) seu percentual não pode superar 10% do total; e (c) a natureza não pode ser grave. Precedentes. 3. Na espécie, como registrado alhures, a irregularidade é de natureza grave e o seu percentual ultrapassa, em muito, o limite de 10% dos recursos aplicados na campanha, o que impossibilita a aplicação dos referidos princípios ao caso em debate. 4. A decisão regional está em consonância com o entendimento desta Corte Superior sobre o tema. Dessa forma, incide na espécie o Enunciado Sumular nº 30 do TSE, segundo o qual “não se conhece de recurso especial eleitoral por dissídio jurisprudencial, quando a decisão recorrida estiver em conformidade com a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral”. 5. Negado provimento ao agravo em recurso especial.

(TSE - AREspEl: 06003973720206160169 NOVA CANTU - PR 060039737, Relator: Min. Mauro Campbell Marques, Data de Julgamento: 29/08/2022, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 175) (Grifei.)

 

Assim, tendo em vista que a mácula atinge R$ 3.200,00, que representa 26,21% do total das receitas declaradas (R$ 12.210,00), resta inviabilizada a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade como forma de mitigar a gravidade das falhas, impondo-se a manutenção do juízo de desaprovação das contas e a determinação de recolhimento da quantia equivalente ao Tesouro Nacional, consoante prescreve o art. 32, caput e § 1º, inc. I, da Resolução TSE n. 23.607/19

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso.