REl - 0600349-62.2024.6.21.0084 - Voto Relator(a) - Sessão: 03/04/2025 00:00 a 04/04/2025 23:59

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ candidato eleito ao cargo de prefeito no Município de Tapes/RS, nas Eleições Municipais de 2024, recorre contra a sentença que desaprovou suas contas de campanha e o condenou, de forma solidária com o candidato a vice-prefeito da chapa majoritária, JOÃO PAULO ZIULKOSKI, ao pagamento de multa no valor de R$ 24.014,92, em razão do excesso de autofinanciamento, reconhecida ainda a falha de omissão de nota fiscal eletrônica referente a gasto eleitoral não declarado.

Passo à análise das irregularidades.

1. Da Omissão de Despesas Eleitorais

Conforme apontou a sentença, a unidade técnica identificou divergências entre as informações relativas às despesas lançadas da prestação de contas e aquelas que constam na base de dados da Justiça Eleitoral, obtidas mediante confronto com notas fiscais eletrônicas de gastos eleitorais.

As despesas em questão referem-se às notas fiscais n. 1.523,00 e n. 4.744,00, emitidas, respectivamente, por INFOCOPY INDUSTRIA GRAFICA LTDA. (CNPJ n. 13.219.573/0001-52) e TOK GRAF GRAFICA LTDA. (CNPJ n. 22.083.750/0001-07), no valor total de R$ 6.267,00, no dia 07.10.2024, relacionadas à produção de material gráfico.

Em suas razões, o recorrente alega que, “quanto às notas fiscais de n. 1473 e n. 1523, da empresa Infocopy Indústria Gráfica Ltda., as mesmas foram emitidas erroneamente pela empresa no CNPJ do Candidato LUIZ CARLOS COUTINHO GARCEZ”, mas “a empresa não realizou o cancelamento, trazendo essa inconsistência ao sistema de análise de prestação de contas eleitorais”.

Ocorre que, a existência dos documentos fiscais contra o número de CNPJ do candidato, ausente provas do efetivo cancelamento, retificação ou estorno, tem o condão de caracterizar a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Nessa linha, o TSE entende que “gastos não declarados que tenham sido informados por fornecedores por meio do Sistema de Registro de Informações Voluntárias, e/ou constem de notas fiscais oriundas das Secretarias das Fazendas Estaduais e Municipais, (...) constituem omissão de despesas” (TSE; Prestação de Contas n. 97795, Acórdão, Relator Min. Luís Roberto Barroso, DJE, Tomo 241, Data 16.12.2019, p. 73).

Em não reconhecendo as despesas relacionadas ao CNPJ de campanha, caberia ao recorrente diligenciar para o cancelamento ou a retificação do documento fiscal junto aos órgãos fazendários, nos termos do § 6º do art. 92 da Resolução TSE n. 23.607/19.

Conforme já assentado neste Tribunal Regional, a respeito de emissão de notas fiscais com a anotação alegadamente equivocada do CNPJ da campanha, “o procedimento correto para regularizar a situação seria a candidata buscar o cancelamento das notas junto ao estabelecimento comercial, tal como dispõem os arts. 59 e 92, § 6º, da Resolução TSE n. 23.607/19” (REl n. 0600485-67.2020.6.21.0062, Relator: Des. Eleitoral Amadeo Henrique Ramella Buttelli, julgado em 23.9.2021), providência não demonstrada nos autos.

Assim, diante da constatação de gastos em cruzamento de informações pela Justiça Eleitoral, está caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. “g”, da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

Nesse sentido, menciono julgado semelhante ao caso que ora se examina:

PRESTAÇÃO DE CONTAS. ELEIÇÕES 2022. CANDIDATA ELEITA. DEPUTADA ESTADUAL. ARRECADAÇÃO E DISPÊNDIO DE RECURSOS DE CAMPANHA. PARECER TÉCNICO PELA DESAPROVAÇÃO. ATRASO NA ENTREGA DOS RELATÓRIOS FINANCEIROS. MERA IMPROPRIEDADE. RECURSOS DE ORIGEM NÃO IDENTIFICADAS ¿ RONI. NOTAS FISCAIS NÃO DECLARADAS. OMISSÃO DO REGISTRO DE DESPESA. INFRAÇÃO AO DISPOSTO NO ART. 53, INC. I, AL. "G", DA RESOLUÇÃO TSE N. 23.607/19. MONTANTE INSIGNIFICANTE. REGULARIDADE DAS CONTAS NÃO COMPROMETIDA. BAIXA REPRESENTATIVIDADE DAS FALHAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROPORCIONALIDADE E DA RAZOABILIDADE. DETERMINADO O RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

1. Prestação de contas apresentada por candidata eleita ao cargo de deputada estadual, referente à arrecadação e ao dispêndio de recursos de campanha nas eleições gerais de 2022.

[...]

3. Recursos de origem não identificada. Notas fiscais não declaradas relacionadas ao abastecimento de combustíveis. O DANFE não é, não substitui, e não se confunde com uma nota fiscal eletrônica. A existência de outras despesas contratadas com o mesmo fornecedor impede que se realize o batimento dos gastos para verificação de perfeita coincidência entre o valor das despesas e os pagamentos efetuados. A emissão de nota fiscal para o CNPJ de campanha gera a presunção de existência da despesa, nos termos do art. 60, caput, da Resolução TSE n. 23.607/19. Havendo o registro da transação comercial nos órgãos fazendários, o ônus de comprovar que o gasto eleitoral não ocorreu ou que ocorreu de forma irregular é do prestador de contas, que deve laborar para o cancelamento da nota fiscal, conforme previsto nos arts. 59 e 92, §§ 5º e 6º, da Resolução mencionada. Os elementos constantes nos autos não são aptos a sanar as irregularidades relativas à duplicidade de emissão de registros por fornecedor de combustíveis. Caracterizada a omissão de registro de despesas, infringindo o disposto no art. 53, inc. I, al. "g", da Resolução TSE n. 23.607/19, que impõe que a prestação de contas deva ser composta das informações relativas a todos os gastos eleitorais, devidamente especificados.

4. As despesas resultantes das notas fiscais omitidas e cujo cancelamento não foi devidamente comprovado implicam sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação do gasto de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal da candidata. Caracterizados os recursos como de origem não identificada, cujo montante deve ser recolhido ao Tesouro Nacional, nos termos do art. 32, caput e inc. VI, da Resolução TSE n. 23.607/19.

5. A soma das falhas corresponde a 0,93% da receita declarada e se mostra insignificante diante dos valores totais geridos pela candidata em sua campanha eleitoral. Assim, como as incorreções não têm aptidão para comprometer a regularidade das contas, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é caso de aprovação com ressalvas da contabilidade.

6. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional.

(PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS nº 060311180, Acórdão, Relator(a) Des. DES. VANDERLEI TERESINHA TREMEIA KUBIAK, Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Data 12/12/2022) (Grifei.)

 

Além disso, as despesas resultantes das notas fiscais omitidas implicam, por consequência, sonegação de informações a respeito dos valores empregados para a quitação dos gastos de campanha, cujo trânsito ocorreu de forma paralela à contabilidade formal do recorrente, caracterizando o recurso como de origem não identificada.

Contudo, inviável a determinação de recolhimento de tal quantia em atenção ao princípio da non reformatio em pejus, pois a sentença impugnada não impôs o recolhimento de valores em relação a essa irregularidade.

Logo, deve ser mantida a sentença em relação ao ponto.

 

2. Do Limite de Gastos com Recursos Próprios

Em relação à segunda irregularidade, o limite de gastos para o cargo de prefeito e vice-prefeito no Município de Tapes, nas Eleições 2024, foi de R$ 159.850,76, teto informado pelo Tribunal Superior Eleitoral no Sistema de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, o que impunha aos candidatos a obediência ao limite equivalente a 10% deste valor ao utilizarem recursos próprios, ou seja, R$ 15.985,07.

Entretanto, a chapa majoritária injetou recursos próprios em campanha no total de R$ 40.000,00 (https://divulgacandcontas.tse.jus.br/divulga/#/candidato/SUL/RS/2045202024/210002049527/2024/89257 ), excedendo em R$ 24.014,92 o limite prescrito.

A matéria está regulamentada na Resolução TSE n. 23.607/19:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pela doadora ou pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º) .

 

§ 1º A candidata ou o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A) .

 

§ 1º-A Na hipótese de utilização de recursos próprios das candidatas ou dos candidatos a vice ou suplente, os valores serão somados aos recursos próprios da pessoa titular para aferição do limite estabelecido no § 1º deste artigo. (Incluído pela Resolução nº 23.665/2021)

 

[…].

 

§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita a infratora ou o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de a candidata ou o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990 (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º) .

 

O recorrente se insurge contra a sentença argumentando que “o autofinanciamento de campanha tem como limite ‘10% da renda bruta do doador no ano anterior’, e a soma da doação de ambos os candidatos não extrapolou esse limite”.

Ocorre que o recorrente confunde o critério legal para limite de doações eleitorais de terceiros, que se utiliza da renda bruta do doador no exercício anterior, com o parâmetro estabelecido para o teto de recursos próprios aplicados em campanha, o qual tem por base o limite de gastos estabelecidos para o cargo na correspondente circunscrição, conforme bem aduzido na sentença recorrida:

(...), no que tange à extrapolação do limite de autofinanciamento, a defesa apresenta confusão conceitual entre dois institutos distintos.

 

O artigo 27, caput, da Resolução TSE 23.607/19, regula o limite aplicável às doações realizadas por pessoas físicas, ou seja, por terceiros, baseando-se nos rendimentos brutos obtidos pelo doador ou pela doadora no ano-calendário anterior à eleição.

 

Já § 1º do art. 27 da Resolução TSE 23.607 disciplina o uso de recursos próprios pelo candidato ou candidata, conhecido como autofinanciamento, cujo limite está atrelado ao teto de gastos estabelecido para o cargo em disputa.

 

A diferença entre as duas hipóteses é clara: enquanto o teto para doações de terceiros visa garantir que os doadores não influenciem desproporcionalmente o processo eleitoral, o teto de autofinanciamento busca prevenir desigualdades provocadas pelo uso excessivo de recursos pessoais de candidatos. Assim, os dois institutos possuem finalidades e regulamentações distintas.

 

No caso concreto, verificou-se a extrapolação do limite de autofinanciamento, e não de doações realizadas por terceiros, motivos pelos quais, não se tese sustenta a defensiva, uma vez que o §1º c/c §1º-A do art. 27 da Resolução TSE n.º 23.607/2019 estabelece, de forma inequívoca, que o uso de recursos próprios está limitado a 10% do teto de gastos para o cargo em disputa, considerando, ainda, a soma dos valores com o vice, (…).

 

Entretanto, consoante se vislumbra dos relatórios contábeis, os candidatos despenderam R$ 8.000,00 com honorários advocatícios (ID 45841668) e R$ 4.500,00 com serviços de contabilidade (ID 45841669), os quais devem ser desconsiderados na aferição do limite legal de autofinanciamento, o que não ocorreu na espécie.

Nesses termos, os arts. 18-A, parágrafo único, 26, § 4º, e 27, § 1º, da Lei n. 9.504/97 excluem expressamente os gastos com serviços contábeis e advocatícios dos limites financeiros de campanha, bem como de quais outros que possam obstar ou limitar o exercício da ampla defesa e das faculdades processuais, in verbis:

Art. 18-A. Serão contabilizadas nos limites de gastos de cada campanha as despesas efetuadas pelos candidatos e as efetuadas pelos partidos que puderem ser individualizadas. (Incluído pela Lei nº 13.165, de 2015)

 

Parágrafo único. Para fins do disposto no caput deste artigo, os gastos advocatícios e de contabilidade referentes a consultoria, assessoria e honorários, relacionados à prestação de serviços em campanhas eleitorais e em favor destas, bem como em processo judicial decorrente de defesa de interesses de candidato ou partido político, não estão sujeitos a limites de gastos ou a limites que possam impor dificuldade ao exercício da ampla defesa. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

 

[…].

 

Art. 26. (…).

[…].

§ 4º As despesas com consultoria, assessoria e pagamento de honorários realizadas em decorrência da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade no curso das campanhas eleitorais serão consideradas gastos eleitorais, mas serão excluídas do limite de gastos de campanha. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

 

[…].

 

Art. 27. Qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados.

§ 1º Fica excluído do limite previsto no caput deste artigo o pagamento de honorários decorrentes da prestação de serviços advocatícios e de contabilidade, relacionados às campanhas eleitorais e em favor destas. (Incluído pela Lei nº 13.877, de 2019)

 

De acordo com a jurisprudência do TSE, o art. 23, § 2º-A e § 3º, da Lei n. 9.504/97, que fixa o teto de recursos próprios em campanha, deve receber uma interpretação sistemática com os demais dispositivos da Lei das Eleições que excetuam os gastos com honorários contábeis e advocatícios dos limites de gastos eleitorais, de modo que “o percentual de 10% para o autofinanciamento de campanha aplica-se ao limite previsto para gastos de campanha no cargo em que o candidato concorre, excetuadas as despesas com honorários advocatícios e contábeis pagas pelo candidato” (Agravo em Recurso Especial Eleitoral n. 0600430-41/SC, Relator: Min. Ricardo Lewandowski, Acórdão de 29.9.2022, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 217, data 27.10.2022).

Nessa linha, este Tribunal Regional firmou, para o pleito de 2024, a tese de julgamento de que “as despesas com contador e advogado devem ser excluídas da aferição do total de recursos próprios aplicados na campanha” (Recurso Eleitoral n. 060044007/RS, Relator: Des. Eleitoral Nilton Tavares da Silva, Acórdão de 25.02.2025, Publicado no Diário de Justiça Eletrônico n. 38, data 27.02.2025).

Dessa forma, na hipótese concreta, as despesas quitadas com recursos próprios dos candidato e sujeitas aos limites legais somam R$ 27.500,00 (R$ 40.000,00 – R$ 8.000,00 – R$ 4.500,00), decotando-se do parâmetro os gastos realizados com serviços advocatícios e contábeis, de modo que o teto de gastos foi superado em R$ 11.514,92.

De outra senda, o valor da irregularidade (R$ 11.514,92) representa um excesso de 72% sobre o limite de autofinanciamento (R$ 15.985,07), devendo ser mantida a proporcionalidade como forma justa e razoável de graduação da multa de até 100% prevista no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, consoante já definido por este Tribunal no julgamento da PCE n. 0603259-91.2022.6.21.0000, relatora: Desa. Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, DJE de 10.9.2024.

Assim, promovo a readequação da penalidade em 72% do valor excedido (R$ 11.514,92), observando o critério objetivo adotado por esta Corte na análise das contas eleitorais, fixando a multa em R$ 8.290,74.

 

3. Do Julgamento das Contas

A soma das irregulares constatadas alcança R$ 17.781,92 (R$ 6.267,00 + R$ 11.514,92), que representa 32% do total das receitas arrecadadas pelos candidatos (R$ 55.115,00), distanciando-se das hipóteses em que as falhas, por serem diminutas e de pouco repercussão, permitem a aprovação com ressalvas por aplicação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, devendo ser mantido o juízo de desaprovação das contas.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo parcial provimento do recurso, apenas para reduzir o valor da multa imposta por excesso de gastos com recursos próprios para o valor de R$ 8.290,74.