RE - 23456 - Sessão: 23/06/2014 às 10:00

RELATÓRIO

Trata-se de recurso interposto por PAULO ROGERIO KERBER FERNANDES, concorrente ao cargo de vereador no Município de Alegrete, contra sentença do Juízo da 5ª Zona Eleitoral, que julgou não prestadas as contas referentes às eleições municipais de 2012, nos termos do artigo 51, IV, da Resolução TSE n. 23.376/12, tendo em vista que o candidato não acostou os documentos necessários de modo a possibilitar a análise dos recursos arrecadados e dos gastos de campanha. Apontou as seguintes irregularidades: a) divergência entre a prestação de contas inicial e a retificadora, quanto aos valores das receitas e despesas; b) divergência entre o montante de débitos financeiros constantes no extrato eletrônico e o declarado no Demonstrativo de Despesas Efetuadas; c) extratos bancários apresentados de forma incompleta; d) despesas com combustíveis sem o correspondente registro de locações ou cessões de veículos; e) contratação de despesas em data posterior à realização do pleito; f) despesas pagas em espécie, superiores ao limite de R$ 300,00;  e) arrecadação de recursos sem a emissão de recibo eleitoral (fls. 147-149).

O candidato recorreu da decisão, suscitando, preliminarmente, nulidade da sentença por cerceamento de defesa, uma vez que não lhe foi dada oportunidade para manifestação sobre o relatório final de exame das contas. Da mesma forma, sustentou que a sentença é sucinta e desprovida de fundamentação legal, em afronta ao art. 93, inc. XI, da Constituição Federal, alegando ainda não ter havido a fixação do prazo em que perdurará a ausência de quitação eleitoral. No mérito, alegou que, em razão da greve que resultou na paralisação do Banco Banrisul, ficou impossibilitado de obter talonário de cheques por mais de 15 dias e, assim sendo, efetuou o pagamento de várias despesas em espécie. Pelo mesmo motivo, não lhe foram fornecidos os extratos bancários para apresentação em cartório. Sustentou que as despesas contraídas após as eleições foram realizadas para compra de material usado na devolução do comitê financeiro. Requereu o acolhimento das preliminares levantadas, com a desconstituição da sentença ou, alternativamente, a aprovação das contas com ou sem ressalvas (fls. 152-167).

Nesta instância, foram os autos com vista à Procuradoria Regional Eleitoral, que opinou pelo afastamento das nulidades apontadas e, no mérito, pela manutenção da sentença que julgou não prestadas as contas (fls. 190-193).

É o relatório.

 

VOTO

1. Admissibilidade

O recurso é tempestivo. A sentença foi publicada em cartório em 12.12.2012 (fl. 181), quarta-feira, e a irresignação interposta em 17.12.2013 (fl. 152), segunda-feira, primeiro dia útil subsequente ao encerramento do prazo de três dias previstos pelo artigo 30, § 5º, da Lei n. 9.504/97.

Presentes os demais requisitos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido.

2. Preliminar de nulidade da sentença

O recorrente suscita a nulidade da sentença, em face de não lhe ter sido oportunizado prazo para manifestação sobre o relatório final de exame das fls. 142-144.

A alegação de cerceamento de defesa, entretanto, não merece acolhida, na medida em que foi dada oportunidade para que o recorrente se manifestasse sobre o relatório preliminar para expedição de diligências.

Apresentados esclarecimentos e nova documentação pelo candidato, o analisador das contas julgou insuficientes as alegações, emitindo parecer conclusivo onde foram mantidas as impropriedades apontadas anteriormente.

Logo, nova vista ao recorrente sobre o parecer técnico apenas seria exigível caso fossem apontadas irregularidades sobre as quais o prestador não houvesse se manifestado, conforme teor do artigo 48 da Resolução TSE n. 23.376/12, verbis:

Art. 48. Emitido relatório técnico que conclua pela existência de irregularidades e/ou impropriedades sobre as quais não se tenha dado oportunidade de manifestação ao candidato, ao partido político ou ao comitê financeiro, o Juízo Eleitoral abrirá nova vista dos autos para manifestação em 72 horas, a contar da intimação. (Grifei.)

Não é esse o caso, pois não foram indicadas novas irregularidades, apenas confirmadas as já existentes e não sanadas. Permanecem imaculados os princípios do contraditório e ampla defesa.

Idêntica é a solução quanto à alegação de nulidade da sentença por ausência de fundamentação legal, pois o decisum abordou todas as irregularidades levantadas no relatório final de exame, indicando os dispositivos legais cuja infringência levou à desaprovação das contas. Não há que se falar, assim, em afronta ao artigo 93, IX, da Constituição Federal, já que declinados pelo juízo de origem todos os motivos utilizados para a formação de seu convencimento, em observância do princípio do livre convencimento motivado, previsto no artigo 131 do Código de Processo Civil.

Outrossim, não prospera a alegação de omissão quanto ao período em que o recorrente permaneceria impossibilitado de obter a certidão de quitação eleitoral. O art. 53 da Res. TSE n. 23.376/12 é claro ao prever o impedimento até o final da legislatura, persistindo os efeitos da restrição após esse período até a efetiva apresentação das contas. O prazo, portanto, é automático e decorre de lei, sendo desnecessário fixá-lo por ocasião da sentença.

Dessa forma, rejeito as preliminares suscitadas.

3. Mérito

O entendimento da magistrada a quo foi de julgar as contas “não prestadas”, em razão da existência de vícios materiais relevantes na prestação de contas, tais como a divergência de valores nos demonstrativos contábeis, a contratação irregular de despesas após as eleições e a ausência de registro de cessão/doação de bens móveis.

A Resolução TSE n. 23.376/12 regula o assunto, especificamente no artigo 51, verbis:

Art. 51.  O Juízo Eleitoral verificará a regularidade das contas, decidindo:

I – pela aprovação, quando estiverem regulares;

II – pela aprovação com ressalvas, quando verificadas falhas que não lhes comprometam a regularidade;

III – pela desaprovação, quando constatadas falhas que comprometam a sua regularidade;

IV – pela não prestação, quando:

a) não apresentados, tempestivamente, as peças e documentos de que trata o art. 40 desta resolução;

b) não reapresentadas as peças que as compõem, nos termos previstos no § 2º do art. 45 e no art. 47 desta resolução;

c) apresentadas desacompanhadas de documentos que possibilitem a análise dos recursos arrecadados e dos gastos realizados na campanha.

§ 1º Também serão consideradas não prestadas as contas quando elas estiverem desacompanhadas de documentos que possibilitem a análise dos recursos arrecadados e dos gastos de campanha e cuja falta não seja suprida no prazo de 72 horas, contado da intimação do responsável.

Analisando as contas apresentadas, não vejo como enquadrá-las nas hipóteses de não prestação, pois veio acompanhada de documentação, ainda que incompleta.

Relativamente às despesas irregularmente realizadas, a Resolução TSE n. 23.376/12, que disciplina a matéria dos gastos eleitorais, estabelece no seu art. 30 a obrigatoriedade do uso de cheques nominais ou transferência bancária para as operações financeiras da campanha, excepcionando despesas de pequeno valor, as quais poderiam ser pagas em dinheiro, conforme segue:

Art. 30 São gastos eleitorais, sujeitos a registro e aos limites fixados (Lei n. 9.504/97, art. 26):

[...]

§ 1º Os gastos eleitorais de natureza financeira só poderão ser efetuados por meio de cheque nominal ou transferência bancária, ressalvadas as despesas de pequeno valor previstas nos §§ 2º e 3º.

§ 2º Para o pagamento de despesas de pequeno valor, poderão o candidato, o comitê financeiro e o partido político constituir reserva individual rotativa em dinheiro (Fundo de Caixa), por todo o período da campanha eleitoral, observado o trânsito prévio desses recursos na conta bancária específica, devendo ser mantida a documentação correspondente para fins de fiscalização, e respeitados os seguintes critérios:

[...]

b) nos Municípios com mais de 40.000 (quarenta mil) até 100.000 (cem mil) eleitores o montante da reserva deverá ser de até R$ 10.000,00 (dez mil reais);

[...]

§ 3º Consideram-se de pequeno valor as despesas individuais que não ultrapassem o limite de R$ 300,00 (trezentos reais). (Grifei.)

À vista da orientação, cumpre referir que o Município de Alegrete conta com mais de 77 mil eleitores, enquadrando-se na faixa que permite um total de despesas pagas em espécie no montante de R$ 10.000,00.

No caso em tela, o recorrente pagou em moeda as seguintes despesas de campanha: R$ 2.700,00, à empresa Print Press Formulários Ltda, e R$ 2.200,00, à Susi Rittmann Haag ME, conforme demonstram os comprovantes de depósito da fl. 136, as quais totalizaram R$ 4.900,00.

Além de tais quantias, conforme se verifica a partir do relatório Fundo de Caixa, diversos outras gastos foram adimplidos em espécie, totalizando, juntamente com os supracitados, a monta de R$ 12.516,29 (fl. 111).

Agindo dessa forma, os gastos não podem ser incluídos na excepcionalidade estabelecida na disposição normativa, pois extrapolado o limite individual previsto.

Verifica-se, assim, que o candidato descumpriu mais de uma vez o determinado pelo referido artigo 30, na medida em que realizou dívidas que ultrapassaram o limite de dez mil reais, previsto no § 2º, alínea “b”; e por ter efetuado duas despesas não consideradas de pequeno valor, já que excedem a quantia de trezentos reais, em afronta ao § 3º dispositivo mencionado.

O argumento trazido pelo recorrente, de que não lhe foi fornecido talonário de cheques em razão de greve bancária, também não o exime de cumprir a legislação eleitoral no ponto. É que a falta de talonário poderia ser suprida pelo expediente de transferência bancária, igualmente previsto na resolução.

No que alude à aquisição de despesas após a data das eleições, verifica-se, a partir do relatório de Fundo de Caixa, a ocorrência de gastos em 09 e 10.10.12 (fls. 109-111), representados pelas notas fiscais de fl. 134, as quais revelam a aquisição de combustível (R$ 22,00) e material de construção (R$ 55,00).

Nota-se que o recorrente deixou de sustentar justificativa para a divergência ocorrida, alegando apenas ter sido necessária a contratação de despesas para compra de material usado na devolução do comitê eleitoral (fl. 164).

No entanto, entendo que tal fato afronta explicitamente o disposto no art. 29, § 5º, da Res. TSE n. 23.376/2012, verbis:

Art. 29. Os candidatos, partidos políticos e comitês financeiros poderão arrecadar recursos e contrair obrigações até o dia da eleição.

Embora a lei autorize o adimplemento posterior de dívidas contraídas até a data da eleição, observa-se, no caso sob exame, que tais despesas foram, simplesmente, realizadas em momento posterior, em total desobediência ao dispositivo antes citado.

Outra irregularidade presente nos autos diz respeito à realização de diversos gastos com combustíveis, efetuados em espécie, sem que haja comprovação por notas ou cupons fiscais e, especialmente, sem contabilizar nos autos qualquer informação quanto à existência de cessão ou doação de veículos.

Em se tratando de utilização de veículo em campanha, deveria o candidato observar o disposto no art. 41 da Res. TSE n. 26.376/12, verbis:

Art. 41. A receita estimada, oriunda de doação/cessão ao candidato, ao comitê financeiro e ao partido político de bens e/ou serviços estimáveis em dinheiro, deverá ser comprovada com a apresentação dos seguintes documentos:

I – documento fiscal emitido pela pessoa jurídica doadora e termo de doação por ele firmado;
II – documentos fiscais emitidos em nome do doador ou termo de doação por ele firmado, quando se tratar de doação feita por pessoa física;
III – termo de cessão, ou documento equivalente, quando se tratar de bens pertencentes ao cedente, pessoa física ou jurídica, cedidos temporariamente ao candidato, comitê financeiro ou partido político.

Não bastasse a ausência dos documentos mencionados acima, é de ressaltar ter havido total omissão quanto à apresentação do correspondente recibo eleitoral. Conforme a exigência do art. 4º da supracitada resolução, toda e qualquer arrecadação de recursos para a campanha eleitoral, financeiros ou estimáveis em dinheiro, só poderá ser efetivada mediante a emissão do recibo eleitoral.

O relatório técnico apontou, também, divergências de valores entre os débitos constantes nos extratos eletrônicos (R$ 43.160,00) e nos Demonstrativo de Despesas Efetuadas (R$ 48.425,76). Não sendo suficiente, com a prestação de contas retificadora, o valor deste último passou a ser de R$ 43.063,34, sem que houvesse justificativa plausível para tal modificação.

A análise detectou, ainda, a ausência de comprovação quanto às despesas nos valores de R$ 2.200,00, R$ 2.700,00 e R$ 3.560,00, posto que unicamente representadas pela juntada de depósitos bancários (as duas primeiras) e por autorização para veiculação de publicidade (última); e a apuração de saldo final negativo (R$ 3,34) no Demonstrativo de Receitas e Despesas, o que demonstra haver desequilíbrio entre o total de receitas e as despesas efetivamente pagas (fl. 91).

De outra banda, compulsando os autos, vislumbro que o recorrente apresentou documentação complementar, ainda que apenas em sede recursal.

Conforme reiterada jurisprudência desta Casa, não vejo óbice ao conhecimento e análise de tais documentos, conforme autorizado pelo disposto no art. 266 do Código Eleitoral.

Providenciou o recorrente a juntada dos extratos bancários (fls. 170-174) em sua integralidade. Tenho, assim, por sanada essa irregularidade, na medida em que contempla toda a movimentação financeira de campanha.

Os demais documentos acostados com o recurso, contudo, são insuficientes para modificar o juízo de reprovação das contas.

Não obstante plenamente sanada a inconsistência pertinente aos extratos bancários, entendo que as demais irregularidades examinadas, dada sua extensão e gravosidade, revelam elementos indicativos de má-fé por parte do candidato, de modo a comprometer, totalmente, a confiabilidade e a transparência das contas prestadas à Justiça Eleitoral.

Ante o exposto, VOTO pelo provimento parcial do recurso interposto, reformando a sentença de 1º grau, apenas no sentido de, julgando-as prestadas, desaprovar as contas de PAULO ROGERIO KERBER FERNANDES, relativas às eleições municipais de 2012, com fulcro no art. 51, III, da Resolução TSE n. 23.376/12.