RE - 32688 - Sessão: 23/09/2014 às 14:00

RELATÓRIO

A Coligação Frente Trabalhista (PDT – PTB – PSB – PSDB) interpôs recurso (fls. 181-189) contra sentença na qual o Juiz da 84ª Zona Eleitoral – Tapes julgou improcedente a demanda por ela proposta - sob alegado uso indevido da máquina pública, consistente na realização de uma audiência, nos autos da Rp n. 318-14, pelo advogado e procurador do Município de Cerro Grande do Sul, Cícero Wilde de Oliveira, oportunidade em que atuou como defensor da Coligação Unidos Para Continuar Crescendo (PP – PT – PMDB – PPS – PC do B), demandada naquele e neste feito (fls. 169-170).

A peça recursal, que atacou o juízo de improcedência da demanda contra o então Prefeito de Cerro Grande do Sul, Elton Wolfle Schwalm, o assessor jurídico do município, Cícero Wilde de Oliveira, e os candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no pleito de 2012, Sérgio Silveira da Costa e Marlene Heidrich, reapresentou a tese de que houve a prática de conduta vedada, tendo em vista que Cícero Wilde de Oliveira, na data de 04.10.2012, às 11h30min, dentro do horário de expediente, advogou em prol dos candidatos da coligação integrada pelo PP, partido do então prefeito, em processo de divulgação de pesquisa eleitoral (fls. 192-200).

Nesta instância, os autos foram com vista ao Ministério Público Eleitoral, o qual se manifestou pela legitimidade passiva da Coligação Unidos Para Continuar Crescendo, tendo em vista o fato se amoldar à hipótese de conduta vedada, e pelo parcial provimento do recurso para o fim de aplicação de multa, nos termos do art. 73, § 4º, da Lei n. 9.504/97 (fls. 203-206).

Ausentes contrarrazões, os autos foram baixados à origem (fl. 208).

Em contrarrazões, os recorridos alegaram falta de prova da gravidade do fato, ocorrido uma vez. Sustentaram que o cargo em foco comporta horário de trabalho flexível, assim como não exige dedicação exclusiva, pelo que a atuação de Cícero Wilde de Oliveira na Representação Eleitoral n. 318-14.2012.6.21.0084 se deu na qualidade de advogado dos então candidatos. Afirmaram, ainda, que Cícero não era o procurador original, tendo atuado apenas na audiência apontada, em substituição ao efetivo advogado, o qual se encontrava em viagem (fls. 228-233).

Em nova vista dos autos, o Ministério Público Eleitoral reiterou os termos do parecer anterior (fls. 237-238).

É o relatório.

 

VOTO

Admissibilidade

O procurador da recorrente foi intimado da sentença em 21.11.2012, quarta-feira (fl. 171), e a peça recursal aportou em cartório no dia 26.11.2012, segunda-feira (fl. 181); dentro do tríduo legal, portanto.

Presentes os demais pressupostos legais, conheço do recurso.

Questão de Ordem

Trago, de ofício, esclarecimento sobre a participação da Coligação Unidos Para Continuar Crescendo no polo passivo desta demanda.

A coligação, inicialmente demandada, foi afastada do processo na sentença, cujos fundamentos não foram atacados, no ponto, pela recorrente. Ao revés, esta, expressamente, conformou-se com esta decisão: este recurso parcial se volta apenas contra esta última parte da sentença, no seu aspecto dispositivo [...] (fl. 184, in fine).

Não se tratando de litisconsórcio passivo necessário, é de se considerar o recurso voltado somente contra o então Prefeito de Cerro Grande do Sul, Elton Wolfle Schwalm, o assessor jurídico do município, Cícero Wilde de Oliveira, e os candidatos eleitos aos cargos de prefeito e vice-prefeito no pleito de 2012, Sérgio Silveira da Costa e Marlene Heidrich, respectivamente.

Mérito

Como adequadamente refere o Ministério Público Eleitoral, a petição inicial narra fato cujo melhor enquadramento se dá à luz da normatização das condutas vedadas. Não obstante citada, todo o debate nos autos se desenvolveu a partir da Lei Complementar n. 64/90. Nesse cenário, tendo em vista a relação dos fatos com as sanções cuja aplicação se discute, o exame aqui estabelecido se construiu sob a ótica das condutas vedadas.

Não afasto a via da ação de investigação judicial eleitoral - AIJE, eleita para a demanda, como sede válida para tanto, pois as condutas vedadas são espécie de abuso de autoridade, examinado em AIJE. Porém, a despeito dos fundamentos do juízo a quo, tecidos com base em premissas próprias do abuso em si, entendo que o viés adequado para exame dos fatos seja o conformado no art. 73 da Lei das Eleições.

O teor dos artigos 73 a 78 da Lei das Eleições tem por escopo tutelar a isonomia entre os concorrentes ao pleito, coibindo as condutas que, tendencialmente, possam interferir na igualdade de condições entre eles.

Assim leciona Rodrigo López Zilio:

O bem juridicamente tutelado pelas condutas vedadas é o princípio da igualdade entre os candidatos. Assim, despiciendo qualquer cotejo com eventual malferimento à lisura, normalidade ou legitimidade do pleito. Basta, apenas, seja afetada a isonomia entre os candidatos; nada mais. Neste sentido, aliás, o próprio caput do art. 73 da LE prescreve que são condutas vedadas porque “tendentes” a afetar a igualdade entre os candidatos. Ou seja, o legislador presume que tais condutas, efetivamente, inclinam-se a desigualar os contendores.

Do exposto, a prática de um ato previsto como conduta vedada, de per si e em regra, salvo fato substancialmente irrelevante – é suficiente para a procedência da representação com base no art. 73 da LE, devendo o juízo de proporcionalidade ser aferido, no caso concreto, para a aplicação das sanções previstas pelo legislador (cassação do registro ou do diploma, multa, suspensão da conduta, supressão dos recursos do fundo partidário). (Grifei.)

(Zilio, Rodrigo López. In Direito Eleitoral, Editora Verbo Jurídico, 3ª edição, pág. 502-3).

Incontroversa a prática apontada, reside o cerne da contenda recursal na configuração da conduta como vedada.

No caso, a moldura legal aplicável é a traçada no art. 73, III, da Lei das Eleições:

Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:

[…]

III – ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado; (Grifei.)

A representante carreou aos autos prova de que o assessor jurídico do Município de Cerro Grande do Sul, Cícero Wilde de Oliveira, atuou como advogado da Coligação Unidos Para Continuar Crescendo em audiência de natureza eleitoral realizada às 11h30min do dia 04.10.2012 (fl. 28). Trouxe, ainda, impressão da página de internet do município, em cuja aba “Estrutura Administrativa” consta o nome do referido assessor, acompanhado das informações acerca dos respectivos meios para contato e horário de atendimento, esse descrito como sendo “das 7h45min às 11h45min e das 13h às 17h” (fl. 26).

Do cotejo das provas com a previsão legal, a conduta se conformaria à hipótese vedada, pois Cícero Wilde de Oliveira, dentro do noticiado pela prefeitura como seu horário de expediente, advogou para a coligação integrada pelo PP, partido do então Prefeito, Elton Wolfle Schwalm, alcançando proveito a ela e a seus candidatos à eleição majoritária, Sérgio Silveira da Costa e Marlene Heidrich.

Nesse contexto, cabe aos representados a elisão das provas que lhes desfavorecem. Com tal intuito, os ora recorridos, fundamentalmente, escudaram-se na natureza não exclusiva do exercício do cargo em foco, bem como na legislação municipal que, dentre outras providências, estipula que o assessor jurídico deve cumprir a carga horária à disposição do prefeito (fl. 57).

Entretanto, os recorridos não se desincumbiram do ônus que para si atraíram. O que se extrai dos autos é que, efetivamente, o assessor em questão exerceu a advocacia em horário de expediente.

Não obstante o horário de atendimento informado no site da prefeitura, os documentos juntados pelos próprios recorridos comprovam a flexibilidade das horas de trabalho, como se vê da descrição do Cargo em Comissão CC4, ou Função Gratificada FG4, pertinente ao cargo em foco, bem como as suas condições de trabalho (fl. 57):

CONDIÇÕES DE TRABALHO:

a) Horário: à disposição do Prefeito Municipal;

b) Contato com o público, o exercício do Cargo e/ou Função poderá determinar a realização de viagens e trabalhos aos sábados, domingos e feriados.

Assim, o expediente informado aos cidadãos na referida página transparece a título de jornada mínima, abarcando, inclusive, contato com o público, a ser alargada consoante a conveniência e a necessidade do alcaide, uma vez que do cargo se exige a permanência à disposição do Chefe do Executivo Municipal.

Da permissão para a atuação causídica paralela não decorre que a prática em apreço se tenha dado de forma regular. A afirmação de que Cícero Wilde de Oliveira não era representante da Coligação Unidos Para Continuar Crescendo, por si só, não evidencia a alegada advocacia particular. De fato, sugere atuação pontual, não rotineira, como alegam os próprios recorrentes ao sustentar que foi ato isolado e em processo de natureza eleitoral. No entanto, configura o conflito de interesses e a utilização da mão de obra institucional vinculada a atos da eleição – o que a legislação pretende evitar.

Na mesma linha, trazer documentação dando conta de que o Bel. Alexsandro Barbosa Pacheco, este sim procurador da coligação, estava fora do município na data da audiência, não faz nada além disto: demonstrar que o causídico estava em outro local. E tal demonstração não guarda qualquer aptidão como prova de que a prática advocatícia em exame se tenha dado ao abrigo da exceção invocada.

Não olvido que a jurisprudência desta Casa ressalva a incidência do art. 73, III, da Lei Eleitoral, admitindo a assessores jurídicos o exercício da advocacia particular. Entretanto, tenho que as especificidades do caso não permitem tal entendimento. Não é condenável que o servidor da prefeitura complemente os seus proventos com atividade laboral que não seja incompatível com os princípios da administração e não ofenda as diretrizes que orientam a concorrência eleitoral, pautada em equilíbrio entre contendores. Todavia, veiculam estes autos que o serviço prestado foi afeto ao âmbito desta Especializada, o que confere vedação à conduta.

A própria jurisprudência colacionada nas contrarrazões opera em desfavor dos recorridos. Foi citado o seguinte trecho do voto da lavra do Dr. Artur dos Santos e Almeida, proferido nos autos da Representação n. 654 (fl. 232):

Dessa forma, a prestação do serviço, por si só, não configura a ofensa ao artigo 73, III, da Lei n. 9.504/97, sendo necessária a prova de que o profissional tenha atuado durante o horário de expediente.

A cópia da ata da audiência na qual o causídico, reconhecidamente, atuou – a qual dá conta de que a solenidade ocorreu no dia 04.10.2012, às 11h30min -, somada à impressão da página de internet da Prefeitura do Município de Cerro Grande do Sul, informando que o servidor Cícero Wilde de Oliveira desempenha suas atividades laborais no horário das 7h45min às 11h45min e das 13h às 17h, constituem a prova necessária, consoante apontado no voto daquele relator, para configurar a ofensa ao artigo 73, III, da Lei Eleitoral.

Assim, tendo em vista a incontrovérsia da conduta, bem como a prova trazida pela representante, ora recorrente, e considerando que os recorridos, ao fundarem sua defesa em exceção ao regramento, atraíram para si ônus probatório do qual não se desincumbiram, a conclusão é de que Cícero Wilde de Oliveira, procurador de Cerro Grande do Sul, durante seu horário de expediente como servidor público do referido município, advogou em favor dos candidatos eleitos, Sérgio Silveira da Costa e Marlene Heidrich, o que configura a prática vedada, nos termos do artigo retrocitado.

Sanção

Assente juízo diverso do absolutório, proferido em primeira instância, cumpre fixar qual a penalidade a ser estabelecida para os infratores.

A desobediência à vedação em foco admite como sanção tanto a cassação do registro ou diploma, quanto a aplicação de multa no valor de cinco a cem mil UFIR, nos termos dos § § 5º e 4º do artigo 73, respectivamente.

A alegação de que a prática constituiu ato isolado há de ter relevo. Também é de ser levado em conta que a conduta, apesar da sua gravidade, não representou desequilíbrio forte a ensejar a cassação de registro ou diploma. É passível de reprovação, mas esta pode ser suficientemente demonstrada por meio da cominação de multa, a qual, tendo em vista a natureza do fato, e considerando que ocorreu apenas em única oportunidade, é a medida que melhor se amolda ao caso. Sobre o quantum a ser cominado, por todo o exposto, tenho por suficiente a estipulação no grau mínimo, a ser aplicada a cada um dos representados.

Descabe, aqui, falar em inelegibilidade, uma vez que, embora seja consectário lógico da ação de investigação judicial eleitoral, não é aventada quando se trata de conduta vedada.

Dispositivo

Diante do exposto, VOTO pelo provimento do recurso interposto pela Coligação Frente Trabalhista (PDT – PTB – PSB – PSDB), para o fim de reformar a sentença e julgar procedente a ação, fixando a multa em cinco mil UFIR, individualmente, para Elton Wolfle Schwalm, Cícero Wilde de Oliveira, Sérgio Silveira da Costa e Marlene Heidrich.