RC - 14 - Sessão: 26/08/2015 às 17:00

RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL interpõe recurso criminal contra a sentença do Juízo da 56ª Zona Eleitoral – Taquari – que julgou improcedente o pedido condenatório contido na denúncia proposta contra ARSENIO PEREIRA CARDOSO, absolvendo-o da acusação de incursão na conduta prevista no artigo 350 do Código Eleitoral, por 11 (onze) vezes, em continuidade delitiva, na forma do artigo 71 do Código Penal (fl. 170 e segs.), pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na inicial acusatória (fls. 170-172):

1. No dia 03 de julho de 2008, na cidade de Tabaí/RS, perante a 56ª Zona da Justiça Eleitoral, ARSÊNIO PEREIRA CARDOSO inseriu declaração falsa em documentos particulares, consistentes em assinaturas falsas para fins eleitorais nas Declarações de Bens que acompanharam os Requerimentos de Registros de Candidaturas dos seguintes candidatos a vereadores de Tabaí/RS, pela coligação TABAÍ DE TODOS E PARA FRENTE: a) Antônio Pereira Sarmento, b) Auri Azevedo de Oliveira, c) José Miguel de Souza, d) Leni Fruhauf, e) Ulisses Marques de Souza, f) Airton Lopes de Souza, g) Auri Rosa da Silva, h) Lorivaldo de Oliveira Reis, i) Sílvio Leandro Pereira de Souza, j) Oraci de Souza Vargas, e k) Hélio Nascimento Pereira.

2. Referidos documentos estão nos vários volumes que compõem os autos: fl. 08 do Vol. II, referente à declaração de bens de Lorivaldo de Oliveira Reis; fl. 09 do vol. III, referente à declaração de bens de Sílvio Leandro Pereira de Souza; fl. 08 do Vol. IV, referente à declaração de bens de Leni Fruhauf; fl. 08 do Vol. V, referente à declaração de bens de Antônio Pereira Sarmento; fl. 08 do Vol. VI, referente à declaração de bens de Hélio Nascimento Pereira; fl. 08 do Vol. VII, referente à declaração de bens de José Miguel de Souza; fl. 09 do Vol. IX, referente à declaração de bens de Oraci de Souza Vargas; fl. 09 do Vol. X, referente à declaração de bens de Ulisses Marques de Souza; fl. 08 do Vol. XII, referente à declaração de bens de Airton Lopes de Souza; fl. 09 do Vol. XIV, referente à declaração de bens de Auri Azevedo de Oliveira; fl. 08 do Vol. XV, referente à declaração de bens de Auri Rosa da Silva.

3. No dia 03 de julho de 2008, segundo consta nos autos, o denunciado, sua filha Mileide Caroline Oliveira Cardoso, Álvaro Vargas (Presidente do PTB) e Nelson Marques (Presidente do Democratas) entregaram, perante a Justiça Eleitoral de Tabaí/RS, documentos referentes às inscrições dos candidatos que compunham a coligação "TABAÍ DE TODOS E PARA FRENTE", que somavam 23 requerimentos de registro de candidatura e registros anexos (depoimento à fl. 24 e ss. do Vol. II). Após o recebimento dos aludidos documentos, os funcionários do Cartório Eleitoral perceberam semelhanças nas assinaturas dos candidatos, sendo os documentos remetidos à Juíza Eleitoral que determinou a oitiva dos candidatos para ratificarem a pretensão de concorrer ao pleito eleitoral daquele ano.

4. Após desvendados os fatos ora imputados – assinaturas falsas constantes nos documentos referidos os candidatos foram intimados a comparecer no Cartório Eleitoral e assinaram o requerimento após a data limite para registro de candidatura, que era 05-072008.

5. A perícia – fls. 36-44 do Vol. II – realizada nos referidos documentos (declaração de bens dos nominados acima e nos registros de candidaturas) apurou que os característicos gerais de grafismos atribuídos ao ora denunciado Arsênio Pereira Cardoso apresentam compatibilidade do gesto gráfico com os lançamentos atribuídos às pessoas referidas no item 1, que foram apostos nas aludidas declarações de bens.

A ação penal foi ajuizada com base em inquérito instaurado pela Polícia Civil de Tabaí, em 28.10.2008, a fim de investigar a prática do delito previsto no art. 348 do Código Eleitoral (falsificação de documento público para fins eleitorais), com autoria a apurar, conforme relatório das fls. 150-151.

O feito tramitou inicialmente perante a 56ª Zona Eleitoral – Taquari - e, em decorrência do indiciamento de Arsênio Pereira Cardoso, detentor de prerrogativa de foro em razão do exercício da função de prefeito municipal, pela prática do crime tipificado no art. 350 do Código Eleitoral, bem como do indiciamento de sua filha, Mileide Caroline Oliveira Cardoso, foi remetido a este TRE e distribuído à relatoria da Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, que encaminhou os autos à Procuradoria Regional Eleitoral, aplicando o rito previsto na Lei n. 8.038/90.

Foi suscitado conflito negativo de jurisdição e requerido o processamento de Mileide Cardoso junto à primeira instância (fls. 160-163) pelo Parquet Eleitoral. Contra Arsênio Pereira Cardoso foi oferecida denúncia (fls. 170-172).

Por maioria, foi reconhecida a competência deste Tribunal para julgar a indiciada Mileide Cardoso, conforme acórdão das fls. 177-179.

A Procuradoria Regional Eleitoral requereu o arquivamento do inquérito quanto à indiciada Mileide Cardoso, com remessa dos autos ao Ministério Público Federal para manifestação quanto ao pedido de arquivamento, e o prosseguimento da ação conta o réu Arsênio Cardoso (fls. 183-184).

O acusado foi notificado (fls. 175, 187 e 237v.), apresentou resposta (fls. 217-225) e informou a impetração de habeas corpus para trancamento da ação, HC 291145, distribuído à relatoria do Des. Marco Aurélio dos Santos Caminha.

Na sessão de 20.7.2010, este Tribunal, por maioria, denegou a ordem de habeas corpus requerida, recebeu a denúncia quanto ao indiciado Arsênio Cardoso e acolheu o pedido de arquivamento do inquérito em relação a Mileide Cardoso (fls. 252-260v.).

Às fls. 270-271, a Procuradoria Regional Eleitoral informou o descabimento de proposta de suspensão condicional do processo, em razão do concurso de crimes, nos termos da Súmula 243 do STJ.

Determinada a remessa de cópia dos autos ao Ministério Público Federal para manifestação quanto ao arquivamento, a citação e a realização de audiência para interrogatório (fl. 273), o acusado manifestou-se pela aplicação do procedimento previsto na Lei n. 11.719/08, que alterou o procedimento do Código de Processo Penal atinente ao interrogatório do réu, postergando-o para o final da instrução (fls. 285-286).

O pedido de realização de interrogatório ao final foi indeferido pela Desa. Federal Marga Inge Barth Tessler, que invocou o princípio da especialidade e precedente do TSE no mesmo sentido (fls. 290-291).

Foi realizado o interrogatório do acusado (fls. 303-306) e apresentada a defesa prévia (fls. 307-309).

Sobreveio aos autos o procedimento do Ministério Público Federal que, em relação ao pedido de arquivamento do inquérito formulado pelo Procurador Regional Eleitoral, definiu a competência do juízo eleitoral de primeiro grau para processo e julgamento da indiciada Mileide Cardoso (fls. 346-348), restando determinada a baixa de cópia dos autos para apuração dos fatos quanto à acusada (fls. 334-335).

Inquiridas as testemunhas (fls. 359-360v., 380, 427-432, 436-459 e 469-479v.), o réu postulou a realização de prova pericial grafodocumentoscópica para contraditar o laudo pericial realizado pela Polícia Civil às fls. 38-45 (fls. 511-512).

Deferido o pedido (fl. 514) e formulados os quesitos (fls. 517-518 e 527-529), a Polícia Federal requereu o envio dos documentos originais a serem periciados (fl. 538), reproduzidos às fls. 143-144. A solicitação da autoridade policial foi acolhida, com determinação de que a 56ª Zona Eleitoral efetuasse a remessa dos documentos solicitados (fl. 540).

A Polícia Federal encaminhou ofício informando que apenas parte dos documentos originais solicitados foram-lhe enviados (fls. 547-548) e apresentou o laudo pericial das folhas (fls. 549-550), restando novamente determinada a remessa da documentação original referida nas fls. 143-144, agora à Polícia Civil de Tabaí (fl. 552), que atendeu à determinação (fls. 557-581), sobrevindo aos autos o laudo pericial das fls. 587-598, elaborado pela Polícia Federal.

Acusação e defesa requereram complementação do laudo pericial, restando o pedido acolhido e renovada a determinação de que a Polícia Civil de Tabaí enviasse o documento original solicitado pela Polícia Federal às fls. 547-548, o qual ainda não havia sido encaminhado (fl. 630). Remetidos os autos à Polícia Federal, sobreveio ofício informando que o documento original solicitado para complementar a perícia não foi entregue, restando apresentadas apenas reproduções coloridas de melhor qualidade que as examinadas anteriormente, mas cuja análise não modifica o parecer anteriormente exarado (fls. 646-647).

A Procuradoria Regional Eleitoral requereu que a determinação de envio do documento original pela Polícia Civil fosse reiterada (fls. 650-651v.), restando acolhido o pedido (fl. 654), e oficiada a autoridade policial de Tabaí, que respondeu informando não possuir os documentos originais solicitados, apenas cópias em formato de imagens (fl. 662).

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela coleta de prova do padrão gráfico diretamente do punho do acusado, em vista da ausência de juntada do documento original que embasaria a prova pericial (fls. 668-669).

Foi noticiado no feito o término do mandato de prefeito do acusado e a consequente perda da prerrogativa de foro (fl. 670), restando os autos remetidos ao Juízo Eleitoral de Taquari.

O feito foi remetido ao Ministério Público Eleitoral com atribuição junto à 56ª Zona Eleitoral, que requereu o encerramento da instrução (fl. 675-v.). A defesa manifestou-se nos autos, requerendo a improcedência da denúncia (fl. 676) e noticiando que Mileide Cardoso foi absolvida na ação penal que apurava os mesmos fatos imputados ao acusado, por acórdão deste Tribunal nos autos do RC-1-03 (fls. 682-693).

Considerando a ausência de requerimentos de diligências, foi declarada encerrada a instrução pelo juízo a quo (fl. 695) e apresentados os memoriais (fls. 696-700 e 701-719), sobrevindo sentença absolutória fulcrada na ausência de demonstração da autoria delitiva, nos termos do art. 386, V, do Código de Processo Penal (fls. 721-723v.).

Contra essa decisão, recorre o MINISTÉRIO PÚBLICO ELEITORAL, sustentando ter sido comprovada a materialidade do delito por meio do boletim de ocorrência da fl. 40 e documentos das fls. 06-08, laudos periciais elaborados pela Polícia Civil (fls. 37-144) e pela Polícia Federal (fls. 587-598), bem como pela prova oral coligida, nos termos em que consignado na sentença. Quanto à autoria, alega que a maioria das pessoas inquiridas durante a instrução eram correligionários do acusado, razão pela qual não contribuíram para a elucidação dos fatos ainda que soubessem ser ele o autor da falsificação. Entende que houve equívoco na valoração da prova, que o dolo no agir do acusado está devidamente evidenciado e que a condenação é medida que se impõe (fls. 724-727v.).

Contrarrazões pelo recorrido, postulando a manutenção da sentença absolutória às fls. 730-732.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifesta-se pelo provimento do recurso, reformando-se a sentença para o fim de ser condenado o recorrente (fls. 736-738v.).

É o relatório.

 

VOTO

Eminentes colegas:

O Ministério Público Eleitoral foi intimado da sentença em 16.12.2014 (fl. 723v.) e recorreu no dia seguinte (fl. 724), dentro, portanto, do prazo de 10 dias previsto no art. 362 do Código Eleitoral para os recursos criminais eleitorais.

Presentes os demais pressupostos de admissibilidade, conheço do apelo e passo ao enfrentamento do mérito.

Em síntese, a denúncia aponta que Arsênio Pereira Cardoso apôs assinaturas falsas, para fins eleitorais, nas declarações de bens que acompanharam os requerimentos de registros de candidaturas de onze candidatos à vereança do município de Tabaí, todos vinculados a sua coligação partidária, razão pela qual teria cometido o delito previsto no art. 350 do Código Eleitoral, por onze vezes, em continuidade delitiva, assim descrito o tipo penal:

Art. 350 – Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, para fins eleitorais.

Pena – reclusão até cinco anos e pagamento de 5 a 15 dias-multa, se o documento é público, e reclusão até três anos e pagamento de 3 a 10 dias-multa se o documento é particular.

Parágrafo único. Se o agente da falsidade documental é funcionário público e comete o crime prevalecendo-se do cargo ou se a falsificação ou alteração é de assentamentos de registro civil, a pena é agravada.

Em que pesem as judiciosas razões recursais trazidas pelo Ministério Público Eleitoral junto à origem, e corroboradas pela douta Procuradoria Regional Eleitoral em seu parecer, tenho que não há elementos suficientes para a condenação do recorrido, devendo ser mantida a decisão de improcedência da denúncia.

No caso concreto, a materialidade restou comprovada pela demonstração da falsidade das assinaturas das declarações de bens de onze registros de candidaturas, conforme laudos periciais elaborados tanto pela Polícia Civil (fls. 37-45) quanto pela Polícia Federal (fls. 587-598).

Quanto à apuração da autoria delitiva, em sede investigatória preliminar, o Departamento de Criminalística da Polícia Civil, a partir de coleta de material gráfico autêntico, concluiu que os grafismos atribuídos ao recorrido eram compatíveis com os lançados nos registros de candidatura de onze candidatos que concorriam ao pleito pela sua coligação partidária: a) Antônio Pereira Sarmento, b) Auri Azevedo de Oliveira, c) José Miguel de Souza, d) Leni Fruhauf, e) Ulisses Marques de Souza, f) Airton Lopes de Souza, g) Auri Rosa da Silva, h) Lorivaldo de Oliveira Reis, i) Sílvio Leandro Pereira de Souza, j) Oraci de Souza Vargas, e k) Hélio Nascimento Pereira. Concluiu, assim, que os lançamentos apostos nas respectivas declarações de bens foram produzidos pelo mesmo punho escritor que elaborou os padrões atribuídos a Arsênio Pereira Cardoso (fls. 43-44).

Em sede judicial, elaborada a prova pericial pelo Setor Técnico Científico da Polícia Federal (fls. 587-598), apontou-se que, devido ao não encaminhamento do material original, não foi possível a visualização adequada dos escritos padrões, e que, apesar da existência de semelhanças de construção gráfica, estas não foram suficientes para emissão de uma conclusão categórica quanto a autoria das assinaturas, uma vez que a cópia de material utilizada para a realização da perícia possui baixa visibilidade, inadequada para utilização no exame grafoscópico (fl. 593).

Consoante se verifica, a prova pericial realizada em juízo foi inconclusiva quanto à autoria da falsidade das assinaturas, merecendo relevo ressaltar que a Polícia Civil de Tabaí, por meio do ofício da fl. 662, informou que a Polícia Civil, após realização do laudo pericial das fls. 37-45, descartou o material original utilizado como prova e arquivou apenas cópias em formato de imagens.

A prova oral, de igual modo, não contribuiu para a elucidação da questão, apontando o órgão ministerial recorrente que a maioria das testemunhas arroladas são candidatos que integravam o mesmo partido político do recorrido, razão pela qual não colaborariam para a edificação do acervo probatório contrário ao imputado, ainda que soubessem ser ele o autor da falsificação de assinaturas para fins eleitorais (fl. 726).

Quanto às declarações prestadas pela servidora do cartório eleitoral, Francine Porto Vicente, no curso do inquérito (fls. 25-26), que no entender do recorrente contribuiriam à formação do juízo condenatório, importa gizar que a servidora afirmou, perante a autoridade policial, ter questionado o recorrido quando recebeu os registros de candidatura no tocante à semelhança das assinaturas apostas nos documentos, e que ele respondeu foi uma dificuldade para localizar todo esse pessoal na última hora. A afirmação atribuída ao recorrido, a toda evidência, não importa confirmação dos fatos imputados na inicial acusatória.

De igual modo, tenho que o fato de a testemunha José Eduardo de Leon Marques (fls. 436-438), chefe de cartório eleitoral, ter afirmado que o recorrido acompanhou a entrega dos registros de candidatura, em nada contribuiu para a condenação de Arsênio.

Não obstante a Procuradoria Regional Eleitoral tenha concluído, do cotejo do fato, que foi o próprio acusado, Arsênio, uma das pessoas que efetivamente entregou os referidos documentos à Justiça Eleitoral, com as provas periciais juntadas aos autos, seria possível firmar a compreensão de que efetivamente foi o recorrido o responsável pelas falsificações, considero que a prova é por demais fraca e indiciária para amparar o juízo condenatório, mormente considerando-se que o juízo a quo, próximo aos fatos e provas, concluiu pela incerteza quanto à autoria delitiva.

Além disso, é preciso considerar que, apesar de as instâncias cível e penal serem independentes, a conduta imputada ao recorrido foi alvo de apreciação por este Tribunal em sede de AIME, a de número 70, restando assentado por este Tribunal: Ainda que reprovável, a falsidade em documentos apresentados quando do registro de candidatura não é capaz de causar impacto em número significativo de eleitores e de gerar benefício expresso aos candidatos. Possibilidade de eventual falta de assinatura ser suprida em fase posterior do processo de registro. Transcrevo a ementa do acórdão:

Recurso. Sentença que julgou procedente impugnação de mandato eletivo. Prática de abuso de poder econômico e de fraude pelos recorrentes, gerando a cassação de seus mandatos e a sua inelegibilidade.

Preliminar de nulidade da demanda afastada. Possibilidade, segundo entendimento do TSE e deste Regional, de o abuso de poder político configurar também abuso do poder econômico.

Ainda que reprovável, a falsidade em documentos apresentados quando do registro de candidatura não é capaz de causar impacto em número significativo de eleitores e de gerar benefício expresso aos candidatos. Possibilidade de eventual falta de assinatura ser suprida em fase posterior do processo de registro.

A prova quanto à ocorrência de captação ilícita de sufrágio precisa ser robusta a ponto de justificar o afastamento da vontade soberana das urnas e exige a potencialidade lesiva da conduta. Fragilidade de gravação não submetida ao crivo do contraditório. Baixa repercussão de alegada irregularidade quanto aos contratos prorrogados em período eleitoral.

Provimento.

(Ação de Impugnação de Mandato Eletivo n. 70, Acórdão de 30.03.2010, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS – Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 51, Data 07.04.2010, Página 2.)

Em princípio, tem-se que a natureza de ultima ratio da persecução penal não autoriza o reconhecimento de que uma conduta considerada sem força relevante para atrair punição na seara civil seja considerada ato penalmente relevante em sede de apuração dos fatos pelo juízo criminal.

Nesse sentido, transcrevo o seguinte excerto do acórdão em questão:

A falsificação de assinaturas nos registros de candidatura não teve o condão de induzir em erro o eleitor, a ponto de influenciar o seu voto. Os candidatos que tiveram suas assinaturas falsificadas vieram a confirmar a sua intenção de participar do pleito, captando recursos e realizando campanha eleitoral.

Nesse sentido, não se pode falar que as falsificações, destinadas a admitir o registro de candidatos efetivamente interessados em se candidatar, tenham induzido o eleitorado local em erro.

Da mesma forma, não se pode dizer que tal conduta tenha beneficiado Arsênio Cardoso ou prejudicado seus adversários. O fato de a candidatura de Arsênio ter sido apoiada por candidatos a vereador ao invés de meros cabos eleitorais, após a falsificação das assinaturas, não merece prosperar, pois tal circunstância não causa impacto significativo sobre os eleitores.

O que poderia ser admitido como relevante em uma campanha eleitoral é o volume de apoiadores de determinado candidato, mas a qualidade destes, se candidatos a vereador ou cabos eleitorais, não é capaz de influenciar de forma relevante a intenção de voto. Pelo contrário, é de conhecimento notório que qualquer candidato à Casa Legislativa apoiará o candidato à majoritária do seu partido ou coligação, seja por afinidade de ideologia, seja por conveniência partidária, não sendo isso relevante para o eleitor.

Ademais, o art. 11, § 3º, da Lei n. 9.504/97 admite a abertura de diligências para sanar eventuais vícios no registro de candidatura:

Art. 11. Os partidos e coligações solicitarão à Justiça Eleitoral o registro de seus candidatos até as dezenove horas do dia 5 de julho do ano em que se realizarem as eleições.

§ 3º. Caso entenda necessário, o juiz abrirá prazo de setenta e duas horas para diligências.

Explicitando o alcance na norma, o art. 33 da Resolução 22.717/08, que regulamentou o registro de candidatura do pleito de 2008, esclarece que qualquer falha ou omissão pode ser suprida em diligência:

Art. 33. Havendo qualquer falha ou omissão no pedido de registro, que possa ser suprida pelo candidato, partido político ou coligação, o juiz converterá o julgamento em diligência para que o vício seja sanado, no prazo de 72 horas, contado da respectiva intimação, que poderá ser feita por fax-símile ou telegrama.

Dessa forma, eventual ausência de assinatura poderia ser suprida pelos candidatos após o requerimento de candidatura, motivo pelo qual não há que se falar em potencial desequilíbrio do pleito, pois o vice-prefeito e os vereadores poderiam obter de forma regular o que obtido de forma antiética.

Pela mesma razão, resta afastada a alegação de benefício de Arsênio por ter conseguido efetivar o registro de candidatura do seu vice, compondo a chapa majoritária.

É cediço que uma conduta pode ser considerada, concomitantemente, ilícito cível (ou administrativo) e ilícito penal, desde que haja alto grau de reprovação social da conduta tipificada como crime pelo legislador, situação comum no Código Eleitoral e na Lei n. 9.504/97.

No presente caso, porém, há de se observar que o conteúdo do acórdão da AIME 70 apontou que o fato, considerada a ilicitude da conduta, não teve potencialidade para desequilibrar o pleito, não possuindo relevância enquanto ilícito extrapenal, sendo que, na seara penal, sequer alcançada conclusão quanto à autoria.

Noutro passo, conforme refere a defesa, igualmente importante e pertinente ter em conta que Mileide Caroline de Oliveira Cardoso, filha do recorrido e representante da coligação pela qual concorria, foi denunciada pelos mesmos fatos aqui tratados e restou absolvida por este Tribunal, em acórdão unânime que concluiu pela não configuração de lesão ao bem jurídico tutelado pela norma. Transcrevo a ementa da decisão:

Recurso criminal. Falsidade ideológica eleitoral. Art. 350 do Código Eleitoral. Eleições 2008.

Procedência da denúncia. Pena de reclusão, substituída por prestação de serviços à comunidade.

Rejeitada preliminar de cerceamento de defesa em razão do indeferimento do pedido de perícia grafotécnica. Não evidenciado o prejuízo para defesa quando a providência for desnecessária para elucidação dos fatos. No caso, a diligência já havia sido realizada em fase de investigação, sendo recusada sua reiteração na fase processual, quando já não havia mais circunstâncias a serem esclarecidas.

Prefacial de atipicidade da conduta afastada. A lei não exige circunstância especial do agente - eleitor ou candidato - para o delito do art. 350 do Código Eleitoral. A falsidade ideológica eleitoral é crime formal, podendo ter como agente qualquer pessoa.

Preliminar de nulidade do interrogatório, por ter ocorrido antes da oitiva das testemunhas, não pronunciada, em virtude do provimento do mérito do recurso - art. 563 do Código de Processo Penal.

Assinatura, pela recorrente, de requerimentos de registros de candidatura em nome de postulantes ao cargo de vereador. Posterior ratificação das assinaturas pelos candidatos interessados, em diligência realizada pelo Cartório Eleitoral. Viabilização do processo de registro e da participação na campanha eleitoral. Não configurada lesão ao bem jurídico tutelado pela norma. Descaracterizada a finalidade do tipo penal. Conduta atípica.

Provimento.

(Recurso Criminal n. 103, Acórdão de 05.11.2013, Relator DR. JORGE ALBERTO ZUGNO, Publicação: DEJERS - Diário de Justiça Eletrônico do TRE-RS, Tomo 206, Data 07.11.2013, Página 2. )

No caso concreto, conforme consignado na sentença, sequer há falar-se em tipicidade, uma vez que não superada a autoria delitiva, tendo em vista que a prova produzida durante a instrução não logrou demonstrá-la, evidenciando-se que o caderno probatório não se mostra suficiente ao juízo condenatório

Ademais, e é princípio constitucional, a dúvida deve militar em favor do réu, que é presumido inocente até que se prove o contrário. Acerca da dúvida no processo penal, ensina Eugênio Pacelli de Oliveira (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de processo penal - 11. ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009, p. 294-298):

Toda verdade judicial é sempre uma verdade processual. E não somente pelo fato de ser produzida no curso do processo, mas, sobretudo, por tratar-se de uma certeza de natureza exclusivamente jurídica.

De fato, embora utilizando critérios diferentes para a comprovação dos fatos alegados em juízo, a verdade (que interessa a qualquer processo, seja cível, seja penal) revelada na via judicial será sempre uma verdade reconstruída, dependente do maior ou menor grau de contribuição das partes e, por vezes do juiz, quanto à determinação de sua certeza.

Enquanto o processo civil aceita uma certeza obtida pela simples ausência de impugnação dos fatos articulados na inicial (art. 302, CPC), sem prejuízo da iniciativa probatória que se confere ao julgador, no processo penal não se admite tal modalidade de certeza (frequentemente chamada de verdade formal, porque decorrente de uma presunção legal), exigindo-se a materialização da prova. Então, ainda que não impugnados os fatos imputados ao réu, ou mesmo confessados, compete à acusação a produção de provas da existência do fato e da respectiva autoria, falando-se, por isso, em uma verdade material.

[…] o nosso processo penal, por qualquer ângulo que se lhe examine, deve estar atento à exigência constitucional da inocência do réu, como valor fundamental do sistema de provas.

Afirmar que ninguém poderá ser considerado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória implica e deve implicar a transferência de todo o ônus probatório ao órgão da acusação. A este caberá provar a existência de um crime, bem como sua autoria.

[…]

Cabe, assim, à acusação, diante do princípio da inocência, a prova quanto à materialidade do fato (sua existência) e de sua autoria, não se impondo o ônus de demonstrar a inexistência de qualquer situação excludente da ilicitude ou mesma da culpabilidade. Por isso é perfeitamente aceitável a disposição do art. 156 do CPP, segundo a qual a prova da alegação incumbirá a quem a fizer.

[…]

E nesse campo nem sequer há divergências: o Estado, no processo penal, atua em posição de superioridade de forças, já que é ele responsável tanto pela fase de investigação quanto pela de persecução em juízo, quanto, finalmente, pela de decisão.

Por mais surpreendente que possa parecer, no processo civil pode-se perfeitamente aceitar uma posição mais atuante do juiz no campo probatório, tendo em vista que, ali, em tese, desenvolvem-se disputas entre partes em condições mais próximas da igualdade. […]

A dúvida somente instala-se no espírito a partir da confluência de proposições em sentido diverso sobre determinado objeto ou idéia. No campo probatório, ela ocorreria a partir de possíveis conclusões diversas acerca do material probatório então produzido, e não sobre o não produzido. Assim, é de se admitir a dúvida do juiz apenas sobre prova produzida, e não sobre a influência ou a ausência da atividade persecutória.

Nestes termos, entendo que não merece reparos a decisão a quo, pois frágil é o conjunto probatório.

POR TODO O EXPOSTO, voto pelo desprovimento do recurso.

É como voto, senhor Presidente.