RC - 547764 - Sessão: 20/08/2014 às 17:00

RELATÓRIO

Cuida-se de recurso criminal interposto pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ELITORAL contra a  sentença do Juiz Eleitoral da 133ª Zona Eleitoral (fls. 573-581v.) que julgou improcedente a denúncia, absolvendo o recorrido PEDRO FRANCISCO TAVARES das sanções previstas no art. 299 do Código Eleitoral pela prática dos seguintes fatos, assim descritos na denúncia:

1º Fato – Da compra de Votos – Art. 299 do Código Eleitoral

Em data e horário não precisados, em meados da campanha eleitoral municipal de 2004, na cidade de Triunfo, PEDRO FRANCISCO TAVARES, atual prefeito daquela cidade, e naquela ocasião candidato a vereador, ofereceu e deu a WANDERLEI FIGUEIRA RODRIGO materiais de construção em troca do seu voto.

Na ocasião o denunciado foi até a casa de Wanderlei, pediu-lhe o voto e perguntou o que poderia dar-lhe em troca. Wanderlei respondeu que tinha intenção de fazer um “puxado”. Pedro, então ofereceu-lhe 15 (quinze) telhas de BRASILIT, 05 (cinco) sacos de cimento, areia e brita.

Cerca de 15 (quinze) a 20 (vinte) dias depois, parte do material foi entregue por um caminhão não identificado e a areia por um funcionário da prefeitura.

O fato descrito encontra respaldo nos depoimentos prestados perante a autoridade policial por Sidnei Camargo dos Santos e Wanderlei Figueira Rodrigo, respectivamente às fls 49 e 56/57 do inquérito.

 

2º Fato – Da compra de Votos – Art. 299 do Código Eleitoral

Aproximadamente 15 (quinze) dias antes das eleições municipais de 2004, na cidade de Triunfo, PEDRO FRANCISCO TAVARES, atual prefeito daquela cidade, naquela ocasião candidato a vereador, procurou a Sra. VIVIANE CRISTINA RODRIGUES OLIVEIRA e deu-lhe R$ 400,00 (quatrocentos reais) em troca do seu voto.

No mesmo dia, pela manhã, Viviane foi procurada por José Ezequiel Meireles de Souza, que lhe deu R$ 400,00 (quatrocentos reais) e questionou-a sobre em quem ela votaria para vereador. Ao responder que votaria em Tomaz, Ezequiel lhe disse que ela seria procurada pelo vereador em quem deveria votar.

Ainda no mesmo dia, na parte da tarde, Viviane foi procurada, no posto Coxilha Velha, pelo denunciado que lhe deu o valor acima mencionado, dizendo que estaria acertando o que tinha sido combinado com Ezequiel.

A denúncia foi julgada improcedente com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo Penal, ao argumento de que o Parquet não se desincumbiu da tarefa de comprovar os fatos alegados, não conseguindo elidir o princípio constitucional da presunção de inocência (fls. 579-581v.).

Nas razões recursais, o Ministério Público Eleitoral sustenta a presença de provas suficientes da autoria e da materialidade do delito, merecendo ser reformada a decisão e condenado o recorrido (fls. 583-588).

Em contrarrazões, a defesa requer a manutenção da sentença absolutória, salientando a ausência de prova robusta para juízo de reprovação penal e o não cabimento de eventual aplicação de concurso material de crimes (fls. 591-603).

A Procuradoria Regional Eleitoral opina pelo parcial provimento do recurso, a fim de que seja reconhecida a ocorrência de crime eleitoral somente quanto ao segundo fato – compra de votos testemunhada por Viviane C. Rodrigues.

É o relatório.

 

VOTO

O recurso é regular, tempestivo e comporta conhecimento.

Não havendo preliminares a analisar, passo ao exame do mérito, e adianto que a sentença merece ser mantida.

O presente recurso visa à condenação do recorrido pela prática, por duas vezes, do crime descrito no art. 299 do Código Eleitoral:

Art. 299. Dar, oferecer, prometer, solicitar ou receber, para si ou para outrem, dinheiro, dádiva ou qualquer outra vantagem, para obter ou dar voto e para conseguir ou prometer abstenção, ainda que a oferta não seja aceita:

Pena - reclusão até quatro anos e pagamento de cinco a quinze-dias multa.

O primeiro fato refere-se à doação, por parte de PEDRO FRANCISCO TAVARES, candidato a vereador, de materiais de construção a WANDERLEI FIGUEIRA RODRIGO em troca do seu voto.

A insurgência ministerial, neste ponto, circunscreve-se a apontar a validade de prova testemunhal colhida somente na fase policial, momento em que não havia a oportunidade de o acusado exercer suas garantias processuais ao contraditório e à ampla defesa.

Ora, muito bem andou o legislador na novel redação do art. 155, caput, do Código de Processo Penal, a qual, contemplando a jurisprudência dominante desde longa data, positivou que O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas.

Logo, não é possível ao Estado-Juiz cogitar ou perquirir acerca de um tema que, a par de ser apenas jurisprudência quando da ocorrência do suposto fato delituoso, agora é imposição legalmente instituída, cuja aplicabilidade é imediata (art. 3º do Código de Processo Penal). Por isso, cabe transcrever a manifestação exarada pelo Ministério Público Eleitoral em seu parecer, diante da correção de seus fundamentos:

O exame da sentença combatida revela que o juízo de origem entendeu, relativamente ao primeiro fato deduzido na inicial, que os depoimentos prestados na fase pré-processual não se prestam como elementos de prova suficientes a fim de assegurar a condenação do recorrido, dada a ausência de sua confirmação em sede judicial.

Contra esse entendimento, insurgiu-se o Ministério Público Eleitoral, não merecendo acolhida, com a devida vênia, a pretensão recursal nesse ponto.

Por mais que as declarações lançadas por SIDENEI CARMAGO DOS SANTOS (fl. 54) e WANDERLEI FIGUEIREDO DOS SANTOS (fl. 61) perante a autoridade policial acenem para uma provável prática do crime previsto no art. 299 do Código Eleitoral, as oitivas judiciais não andaram no mesmo sentido.

Observa-se que, instados em juízo (fls. 461-2 e 489), ambos declararam expressamente desconhecerem a prática da compra de votos pelo então candidato a vereador de Triunfo/RS, Pedro Francisco Tavares, nas eleições de 2004, não restando apuradas as razões pelas quais anteriormente aduziram de modo diverso.

Por conta disso, em vista da inovação introduzida pelo legislador no Código de Processo Penal – há muito consagrada na jurisprudência –, pela qual se veda ao juiz fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação (art. 155 do CPP), e inexistindo outros elementos de prova acerca do fato, é de manter-se inalterada a sentença absolutória nesse ponto. (fls. 609-609v)

Dessa forma, meu voto é no sentido da manutenção da decisão do julgador monocrático em relação ao primeiro fato narrado na denúncia.

Por sua vez, o segundo fato delituoso trata da entrega de R$ 400,00 (quatrocentos reais) a VIVIANE CRISTINA RODRIGUES OLIVEIRA em troca do seu voto.

Analisando os autos, concluo, igualmente, que a pretensão recursal não merece ser acolhida no que diz respeito à segunda conduta delitiva.

A única testemunha que confirmou o fato em juízo, Viviane Cristina Rodrigues (fls. 499-501), foi a própria destinatária da corrupção eleitoral e denunciou o crime em dezembro de 2004, depois de ter sido demitida da Prefeitura Municipal de Triunfo. Essa circunstância é relevante no contexto dos autos, à medida que infirma a credibilidade dessa prova, tornando-a insuficiente para demonstrar a compra de votos por meio de doação em dinheiro e, consequentemente, embasar um juízo condenatório.

Embora, em tese, seja possível admitir uma condenação criminal fundada no depoimento de uma única testemunha, essa situação é de estrita excepcionalidade e requer sua comprovação pelos demais elementos de convicção, garantido certeza quanto ao cometimento da infração eleitoral. Nesse sentido, a seguinte decisão do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina:

DIREITO PENAL - CRIME ELEITORAL - CORRUPÇÃO (ART. 299 DO CÓDIGO ELEITORAL)- COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO TRIBUNAL REGIONAL - PROCEDÊNCIA PARCIAL. - O crime de corrupção eleitoral é, por excelência, praticado de maneira oculta, sem deixar provas materiais. Relatos de testemunhas podem ser admitidos para sua comprovação. Como sempre, devem ser recebidos com senso crítico, mas o só fato de a acusação se basear em prova oral não vale antecipadamente por uma causa de absolvição. Os depoimentos devem ser avaliados em seu contexto, pesando-se a sua força de convencimento e também se apurando a paixão que possa turvar a veracidade do descrito. Um único depoimento pode até ser o necessário para a condenação, se coerente e não conseguir ser efetivamente desacreditado por outros elementos de convicção. Em contrapartida, há necessidade de que a prova decisiva para a condenação seja colhida sob o contraditório. Se a testemunha (única prova existente) desmente as declarações acusatórias havidas na fase policial, a denúncia, no ponto, deve ser rejeitada. Denúncia julgada parcialmente procedente.

(TRE-SC - PCRIME: 1020652 SC , Relator: Hélio do Valle Pereira, Data de Julgamento: 22.07.2013, Data de Publicação: DJE - Diário de JE, Tomo 139, Data 30.07.2013, Página 8.) (Grifei.)

Subsistindo dúvida e diante da necessidade de um quadro probatório robusto acerca da responsabilidade criminal no caso concreto, tem-se que a acusação não se desincumbiu do ônus que lhe cabia. Resta inafastável, assim, a absolvição do acusado, já que, sem demonstração cabal da sua culpa, prevalece a inocência com base no princípio in dubio pro reo, dada a gravidade dos efeitos da condenação criminal.

Do exposto, voto no sentido de negar provimento ao recurso ministerial.