REl - 0600019-39.2020.6.21.0138 - Voto Relator(a) - Sessão: 27/03/2025 00:00 a 28/03/2025 23:59

VOTO

Irresignados, o Diretório Municipal do PARTIDO DOS TRABALHADORES – PT – de Santo Antônio do Palma e seus responsáveis financeiros recorrem da sentença que desaprovou a sua prestação de contas relativa ao exercício financeiro de 2019 e determinou o recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 11.153,00, acrescido de multa de 10% incidente sobre o valor a ser recolhido e a suspensão da distribuição de quotas do Fundo Partidário pelo prazo de um ano.

Em suas razões, os recorrentes entendem que, no ano de 2019, poderiam “receber contribuição de cargos de livre nomeação e exoneração, desde que filiados a um partido político e não ao partido politico na qual procedeu a contribuição”, na medida em que a) havia dúvida jurídica sobre a interpretação da proibição do art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 até a resposta por este Tribunal na consulta n. 0600076.83.2020.6.21.000, publicada em 08.6.2020 e que b) foram aprovadas suas contas em período anterior, exercício 2018, sem qualquer glosa pela percepção de valores de detentores de cargo demissíveis ad nutum, filiados a outros entes partidários.

Sublinho que não há qualquer controvérsia de que a grei recorrente tenha efetivamente recebido o montante de R$ 11.153,00, no ano de 2019, de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, sem vínculo partidário com a agremiação do Partido dos Trabalhadores (PT).

A sentença e o parecer da Procuradoria Regional Eleitoral, com precisão, ponderaram que a posição consolidada da jurisprudência da Corte Eleitoral Gaúcha, inclusive para o exercício financeiro de 2019, seria de interpretar restritivamente o dispositivo permissivo limitando a doação lícita a diretórios partidários de detentores de cargos públicos demissíveis ad nutum apenas a filiados do próprio partido e que, ao analisar o caso concreto, o Juiz não estaria vinculado a decisão de outro magistrado.

Com efeito, com introdução da Lei n. 13.488 de 06.10.2017, houve alteração legislativa modificando a redação do inc. II, que proibia o recebimento de doações de autoridades públicas, e incluindo o inc. V, vedando o financiamento partidário por detentores de cargos demissíveis ad nutum sem vínculo partidário, no art. 31 da Lei n. 9.096/95, regulamentado atualmente pelo art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19 (mesma redação do revogado art. 12, § 1º, da Resolução TSE n. 23.546/17):

Lei 9.096/1995:

Art. 31. É vedado ao partido receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

II - autoridade ou órgãos públicos, ressalvadas as dotações referidas no art. 38; (Redação original)

II - entes públicos e pessoas jurídicas de qualquer natureza, ressalvadas as dotações referidas no art. 38 desta Lei e as proveniente do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; (Redação dada pela Lei nº 13.488, de 2017)

(...)

V - pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. (Incluído pela Lei nº 13.488, de 2017)

 

Resolução TSE n. 23.546/2017 (Revogada)

Art. 12. É vedado aos partidos políticos e às suas fundações receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(...)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

 

Resolução TSE 23.604/2019:

Art. 12. É vedado aos partidos políticos receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pretexto, doação, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de:

(…)

IV - autoridades públicas.

§ 1º Consideram-se autoridades públicas, para fins do inciso IV do caput, pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político.

Noto, por oportuno, que a jurisprudência consolidada no egrégio Tribunal Superior Eleitoral e neste Regional sempre apontou, mesmo antes da mudança legislativa, no sentido de que “não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades”.

Partido político. Contribuições pecuniárias. Prestação por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta. Impossibilidade, desde que se trate de autoridade. Resposta à consulta, nesses termos. Não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, desde que tenham a condição de autoridades.

(TSE, Consulta nº1428, Relator Ministro Cezar Peluso, DJ, 16/10/2007)

 

RECURSO ELEITORAL. CONHECIDO COMO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. ÓRGÃO PARTIDÁRIO MUNICIPAL. PEDIDO DE REVISÃO DA CONDENAÇÃO EM SEDE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. ANISTIA. INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 55-D DA LEI N.9.096/95, INCLUÍDO PELA LEI N. 13.831/19. DESPROVIMENTO. RETORNO DOS AUTOS AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU.

1. Insurgência contra decisão que, em sede de cumprimento de sentença, indeferiu pedido de revisão da condenação das contas prestadas pelo partido, mantendo a obrigação de recolhimento ao erário, em virtude de recebimento de recursos de fonte vedada. Insurgência conhecida como agravo de instrumento, em atenção ao disposto no parágrafo único do art. 1.015 do CPC.

2. Ainda que se admita, em tese, que no exercício de 2015 não havia definição legal acerca do conceito de autoridade, desde 2007, quando da publicação da resposta à Consulta n. 1428, o Tribunal Superior Eleitoral estabelece que não é permitido aos partidos políticos receberem doações ou contribuições de titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta, caso dos autos.

(...)

4. Provimento negado. Mantida a decisão que indeferiu o pedido de revisão da condenação imposta. Retorno dos autos ao juízo de primeiro grau para continuidade do cumprimento se sentença.

(TRE/RS AI n. 5389, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, DJE, 08/10/2020).

 

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2016. APROVAÇÃO. ILEGALIDADE DAS DOAÇÕES RECEBIDAS DOS TITULARES DE CARGOS DEMISSÍVEIS AD NUTUM. FONTE VEDADA. QUANTIA IRRISÓRIA. REFORMA DA SENTENÇA. APROVAÇÃOCOM RESSALVAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL. PARCIAL PROVIMENTO. Constituem recursos oriundos de fontes vedadas as doações a partidos políticos realizadas por titulares de cargos demissíveis ad nutum da administração direta ou indireta que detenham condição de autoridades, vale dizer, que desempenhem função de direção ou chefia. No caso, recebimento de valores procedentes de ocupante de cargo em comissão de secretário executivo da Câmara de Vereadores. Afronta ao art. 31 da Lei n. 9.096/95, vigente ao tempo do exercício financeiro analisado. Insignificância da quantia impugnada. Aplicação dos postulados da proporcionalidade e da razoabilidade. Aprovação com ressalvas. Determinado o recolhimento ao Tesouro Nacional. Provimento parcial.

(TRE/RS, REl n. 2957, Relator Desembargador Eleitoral Silvio Ronaldo Santos de Moraes, DEJERS, 19/10/2018).

Portanto, não há inovação na proibição de recebimento de valores de detentores de cargos demissíveis ad nutum. A partir desse prisma, é que a consulta se fundamenta em uma interpretação restritiva da permissão desses servidores públicos doarem valores a partidos políticos, apenas aqueles vinculados à própria grei, compatibilizando o financiamento partidário aos princípios constitucionais norteadores do serviço público:

CONSULTA. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO REGIONAL. QUESTIONAMENTO ACERCA DA LICITUDE DE DOAÇÕES ORIUNDAS DE FILIADOS EM PARTIDO DIVERSO DA AGREMIAÇÃO DESTINATÁRIA DOS RECURSOS. VEDADO. CONSULTA CONHECIDA E RESPONDIDA.

1. Indagação formulada por partido político, diretório regional, referente à licitude de doações oriundas de filiados a agremiação diversa daquela destinatária dos recursos.

2. O art. 31, inc. V, da Lei n. 9.096/95 estabelece a vedação ao recebimento de doações, pelas agremiações partidárias, advindas de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, ressalvados os filiados a partido político. Norma que institui exceção no ordenamento jurídico eleitoral, devendo receber interpretação restritiva, especialmente por ter sido editada em razão de situação peculiar, não podendo ser ampliada de forma extensa, sob pena de contrariar o próprio sentido da norma geral. Nesse contexto, cabe excluir de seu sentido toda e qualquer interpretação que possibilite que filiados a uma agremiação possam doar recursos financeiros a partido político diverso daquele ao qual estão ligados pelo vínculo de filiação. Cumpre ainda destacar a disposição do art. 22, parágrafo único, da Lei n. 9.096/95, que veda a coexistência de mais de uma filiação partidária, a corroborar a congruência argumentativa.

3. Consulta conhecida e respondida: "Nos termos do inc. V do art. 31 da Lei n. 9.096/95, somente é permitida a doação a partido político por parte de pessoa que exerça função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, quando o doador for pessoa filiada ao partido político beneficiário da doação."

(TRE/RS, Consulta n. 0600076.83.2020.6.21.00, Relator Desembargador Eleitoral Roberto Carvalho Fraga, DEJERS, 15/06/2020)

Consequentemente, este Tribunal tem entendimento pacífico para o exercício de 2019, ora em análise, de que “deve ser considerado que as doações procedentes de ocupantes de função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, somente são consideradas regulares se os doadores forem filiados ao partido político que recebeu a doação, não incidindo a exceção legal caso a filiação seja a partido diverso do prestador de contas.” (Razões de decidir, TRE/RS, PC-PP n. 0600211-95.2020.6.21.0000, Relatora Desembargadora Eleitoral Patrícia da Silveira Oliveira, DJE 30.8.2023; no mesmo sentido: TRE/RS, PC-PP n. 0600174-68.2020.6.21.0000, Relator Desembargador Eleitoral Afif Jorge Simões Neto, DJE 12.9.2023; TRE/RS, REl n. 0600022-79.2020.6.21.0142, Relator Desembargador Eleitoral Caetano Cuervo Lo Pumo, DJE 17.8.2023; TRE/RS, PC-PP n. 0600084-60.2020.6.21.0000; Relatora Desembargadora Eleitoral Kalin Cogo Rodrigues, DJE 02.5.2023; TRE/RS, PC-PP n. 0600198-96.2020.6.21.0000, Relatora Desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, DJE 15.02.2023).

Nesse contexto, resta caracterizada como fonte vedada a percepção de R$ 11.153,00, no ano de 2019, de pessoas físicas que exerçam função ou cargo público de livre nomeação e exoneração, ou cargo ou emprego público temporário, sem vínculo partidário com a agremiação do Partido dos Trabalhadores (PT), nos exatos termos da sentença, por infração ao art. 31, inc. V, da Lei 9.096/95.

De outro lado, não merece prosperar a expectativa dos recorrentes em obter sentença em desacordo com a jurisprudência pacífica deste Tribunal. A propósito, compete a esta Corte a uniformização de sua jurisprudência, mantendo-a estável, integra e coerente (art. 926 do CPC).

Além disso, a decisão não está limitada pela decisão anterior, visto que o direito brasileiro adota o sistema de livre convencimento da prova motivado pela persuasão racional, nem possui direito a interpretação jurídica diversa da jurisprudência uniforme desta Casa.

Por conseguinte, adoto a conclusão da sentença e da Procuradoria Regional Eleitoral de inexistência de insegurança jurídica na hipótese dos autos, na medida em que “as decisões de um magistrado não são vinculadas à decisão de outro magistrado. O papel de consolidação do entendimento jurídico e da consequente formação de jurisprudência é das instâncias superiores. Desta forma, não cabe aqui analisar ou julgar as razões que sustentaram o entendimento do magistrado pela aprovação das contas partidárias do exercício de 2018 do diretório partidário, mas sim demonstrar as razões, fatos e fundamentos jurídicos que baseiam a presente decisão, sobre as contas de 2019”.

Assim, considera-se como de fonte vedada a importância de R$ 11.153,00, a qual deve ser recolhida ao Tesouro Nacional, com fundamento no art. 14, § 1º, da Resolução TSE n. 23.604/19.

Em relação à aplicação da multa prevista no art. 37 da Lei n. 9.096/95, c/c o art. 48 da Resolução TSE n. 23.604/19, tenho que no caso, levando em consideração o somatório indevido de 15% do total dos recursos recebidos (R$ 69.978,88), a multa de 10% aplicada na sentença, incidente sobre o valor total irregular de R$ 11.153,00, mostra-se adequada.

Por fim, quanto à penalidade de suspensão do Fundo Partidário, concluindo que a sanção estaria limitada à condenação por recebimento de R$ 11.153,00 procedentes de fonte vedada, entendo que, apesar de a pena de multa ter sido fixada com equidade, a determinação da suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário pelo período de um ano é excessiva; principalmente considerando os precedentes do Tribunal Superior Eleitoral, que afirmam ser indispensável ponderar todas as circunstâncias do caso concreto na análise da sanção mais adequada e compatibilizar a necessidade de sobrevivência dos diretórios partidários e a inibição de práticas irregulares (Recurso Especial Eleitoral n. 3757, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Diário de justiça eletrônico de 02.8.2019; Recurso Especial Eleitoral n. 7237, Acórdão, Relator Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Diário de justiça eletrônico de 02.10.2018).

Tal solução já fora adotada por este Tribunal, conforme a jurisprudência que colaciono:

RECURSO. PRESTAÇÃO DE CONTAS. PARTIDO POLÍTICO. DIRETÓRIO MUNICIPAL. EXERCÍCIO FINANCEIRO DE 2017. DESAPROVAÇÃO. FONTE VEDADA. DUPLO TRATAMENTO JURÍDICO DAS DOAÇÕES. INAPLICABILIDADE DO ART. 55-D DA LEI N. 9.096/95. ALTO PERCENTUAL DA IRREGULARIDADE. MANTIDA DESAPROVAÇÃO DAS CONTAS. RECOLHIMENTO AO TESOURO NACIONAL, ACRESCIDO DE MULTA. REDUÇÃO DA SUSPENSÃO DO FUNDO PARTIDÁRIO. PARCIAL PROVIMENTO.

(...)

3. A irregularidade corresponde a 33,59% das contribuições recebidas pela agremiação, inviabilizando a aplicação dos postulados da razoabilidade e da proporcionalidade. Mantida a desaprovação das contas.4. Sanções. Mantido recolhimento ao Tesouro Nacional, acrescido de multa de 5%. Reduzido período de suspensão do Fundo Partidário para dois meses.5. Parcial provimento. (TRE-RS - RE: 1258 SANTIAGO - RS, Relator: ROBERTO CARVALHO FRAGA, Data de Julgamento: 14/09/2020, Data de Publicação: DJE - Diário de Justiça Eletrônico, Tomo 182, Data 01/10/2020, Página 5-6) Grifei.

Portanto, com amparo nessa diretiva e nos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, reduzo o período de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário para 2 (dois) meses.

Ante o exposto, VOTO por DAR PARCIAL PROVIMENTO ao recurso, unicamente para reduzir a sansão de suspensão de recebimento de novas quotas do Fundo Partidário pelo prazo de 2 (dois) meses, mantidos os demais termos da sentença.