REl - 0600812-33.2020.6.21.0055 - Voto Relator(a) - Sessão: 01/09/2021 às 14:00

VOTO

O recurso é adequado, tempestivo e comporta conhecimento.

No mérito, a prestação de contas foi desaprovada na origem, devido à aplicação de recursos próprios no valor de R$ 6.500,00, excedendo em R$ 1.433,87 o limite de 10% dos gastos de campanha previstos para o cargo em disputa.

O tema encontra a sua regulamentação no art. 27, § 1º, da Resolução TSE n. 23.607/19, verbis:

Art. 27. As doações realizadas por pessoas físicas são limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano-calendário anterior à eleição (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 1º).
§ 1º O candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o total de 10% (dez por cento) dos limites previstos para gastos de campanha no cargo em que concorrer (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 2º-A).
§ 2º É vedada a aplicação indireta de recursos próprios mediante a utilização de doação a interposta pessoa, com a finalidade de burlar o limite de utilização de recursos próprios previstos no artigo 23, § 2º-A, da Lei 9.504/2017.
§ 3º O limite previsto no caput não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador ou à prestação de serviços próprios, desde que o valor estimado não ultrapasse R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 7º).
§ 4º A doação acima dos limites fixados neste artigo sujeita o infrator ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso, sem prejuízo de o candidato responder por abuso do poder econômico, nos termos do art. 22 da Lei Complementar nº 64/1990  (Lei nº 9.504/1997, art. 23, § 3º). (Grifei.)

Com efeito, o candidato aplicou recursos financeiros próprios na campanha, em espécie, no valor de R$ 5.000,00, bem como realizou a cessão do veículo próprio estimada em R$ 1.500,00. Portanto, considerados os recursos financeiros e os estimáveis em dinheiro, o montante alcança R$ 6.500,00.

Entretanto, como referido, o limite de gastos para o cargo em tela era de R$ 50.661,28, estando o candidato restrito ao uso de 10% desse valor em recursos próprios, ou seja, R$ 5.066,13, havendo, portanto, o excesso de R$ 1.433,87.

Em sua defesa, o recorrente alega que os recursos estimáveis, consistentes na cessão do veículo próprio, não deveriam ser considerados para fins de aferição do limite de gastos, pois excepcionados pelo art. 27, § 3º, da Resolução TSE n. 23.607/19.

Ocorre que a exceção invocada não alcança as doações em questão, conforme bem concluiu a sentença prolatada pelo Juiz Eleitoral da 55ª Zona, Dr. Juliano Etchegaray Fonseca:

Irrefutável, portanto, a irregularidade mediante a identificação de recursos próprios no valor de R$ 6.500,00 sendo o limite de gastos para o cargo no município de PAROBÉ R$ 50.661,28. Restou configurado o valor de R$ 1.433,87 acima do limite legal, o que representa 10,37% do total arrecadado para a campanha.

Ao contrário do que alga o candidato em sua manifestação, a resolução não exclui as doações estimáveis em dinheiro deste limite quando utilizados os recursos próprios do candidato. A exceção a que se refere o § 3º do art. 27 é somente quanto às doações de pessoas físicas. Entendo que a falha identificada compromete a regularidade das contas apresentadas e que a desaprovação é a medida que se impõe.

Assim, nos termos do art. 74, inciso III, da Resolução TSE nº 23.607/2019, cabível a desaprovação das contas.

Com efeito, o art. 5º, inc. III, da Resolução TSE n. 23.607/19 dispõe expressamente sobre a contabilização das doações estimáveis em dinheiro para efeito de cálculo de limite de gastos realizados pelo candidato, litteris:

Art. 5º Os limites de gastos para cada eleição compreendem os gastos realizados pelo candidato e os efetuados por partido político que possam ser individualizados, na forma do art. 20, II, desta Resolução, e incluirão:
[…].
III - as doações estimáveis em dinheiro recebidas.
(Grifei.)

Por sua vez, não obstante seja o uso de recursos próprios do candidato disciplinado no § 1º do art. 27 do citado diploma normativo, alocando-se no mesmo dispositivo que trata das doações de pessoas físicas e permitindo a confusão apresentada na tese recursal, resta claro que a ressalva contida no § 3º se direciona apenas à hipótese prevista no caput, qual seja, as doações de terceiros, pessoas físicas, e não àquelas advindas do próprio candidato, reguladas pelo respectivo § 1º.

Ao não excepcionar os recursos estimáveis em dinheiro do parâmetro para aferição do limite de gastos de cada cargo em disputa, a norma visa à igualdade, ainda que relativa, entre os concorrentes, ou seja, uma forma de mitigar eventuais desequilíbrios patrimoniais prévios dos candidatos que poderiam interferir de modo substancial nos resultados da campanha.

Nesse aspecto, convém trazer à colação as judiciosas considerações da Procuradoria Regional Eleitoral:

E a razão de ser da inclusão, no limite do autofinanciamento com recursos próprios, das doações estimáveis em dinheiro é assegurar o princípio da isonomia entre os candidatos. Caso contrário, por exemplo, um candidato que não possuísse um automóvel próprio para utilizar na campanha, teria que incluir, para o cômputo dos seus limites de gastos, as despesas realizadas com recursos próprios com aluguel do veículo, enquanto o candidato que possuísse veículo próprio não teria qualquer gasto incluído para aferição do mesmo limite legal, para a realização de idêntico gasto de campanha.

O entendimento relativo à contabilização das receitas financeiras e estimáveis em dinheiro para a verificação do atendimento ao limite de gastos de campanha restou acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral quanto a pleitos anteriores, justamente com o escopo de assegurar tratamento isonômico entre os candidatos, conforme ilustra o seguinte julgado:

AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. ELEIÇÕES 2016. VEREADOR. CONTAS DE CAMPANHA DESAPROVADAS. EXTRAPOLAÇÃO DO LIMITE DE GASTOS. BENS ESTIMÁVEIS. FALHA GRAVE. MULTA. DESPROVIMENTO.
1.  Autos recebidos no gabinete em 25.8.2017.
2.  No caso, o TRE/SE julgou desaprovadas contas do agravante por exceder em R$ 1.805,12 o limite de gastos de campanha estipulado pelo TSE em R$ 10.803,91.
3.  É falha grave a atrair multa e rejeição do ajuste contábil ultrapassar em quase 18% o limite de gasto previsto no pedido de registro de candidatura, sem justificativas plausíveis para prática do ilícito, ainda que os valores em excesso se refiram a bens estimáveis em dinheiro. Precedentes.
4.  Agravo regimental desprovido.

(Recurso Especial Eleitoral n. 16966, Relator Min. Herman Benjamin, Publicação: DJE de 15.6.2018.) (Grifei.)

As razões recursais referem, ainda, que erros formais ou materiais irrelevantes inviabilizam a rejeição das contas, de sorte que a desaprovação do ajuste contábil restaria inviabilizada.

Ora, a violação à norma que restringe o aporte de recursos próprios em campanha eleitoral não se caracteriza como falha meramente formal, mas consubstancia irregularidade eivada de gravidade, posto que a limitação tem o escopo, em última análise, de proteger a igualdade na disputa, impedindo a utilização de recursos financeiros em medida desproporcional por candidatos que detêm maior capacidade monetária ou patrimonial.

Demais disso, a falha na monta de R$ 1.433,87 não pode ser considerada irrelevante, uma vez que atingiu percentual equivalente a 11,7 % do total de recursos arrecadados (R$ 12.257,93), bem como seu montante é superior a mil UFIR. Nessa toada, inviabiliza-se a aplicação do critério do valor nominal diminuto ou dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade para mitigar a repercussão do apontamento sobre o conjunto das contas, de sorte que se impõe a manutenção do decreto que desaprovou a contabilidade.

Noutro giro, a penalidade de multa fixada na sentença, no valor de R$ 430,20, equivalente a 30% da quantia em excesso, com supedâneo no art. 27, §§ 1º e 4º, da Resolução TSE n. 23.607/19, há de ser mantida, pois afigura-se razoável, adequada e proporcional à falha verificada e às peculiaridades do caso, consoante fundamentação da sentença:

No entanto, entendo que, por se tratar de recursos próprios estimáveis em dinheiro, comprovadamente de propriedade do candidata o automóvel declarado nas contas, resultando a monta de R$1.500,00 em doação, sendo o valor total excedido em R$1.433,87, aplicável o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade para a aplicação de multa no patamar de 30% do valor irregular.

 

ANTE O EXPOSTO, VOTO pelo desprovimento do recurso, para manter a desaprovação das contas e a condenação à multa correspondente a 30% da quantia em excesso, equivalente a R$ 430,20, nos termos da sentença.