PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS Nº 0600138-88.2020.6.21.0141 / 141ª ZONA ELEITORAL DE SANTO ANTÔNIO DAS MISSÕES RS

REQUERENTE: IZALDA MARIA BARROS BOCCACIO

FELISBERTO DOS SANTOS FERREIRA







 

 

Eminente Relator,

 

para conferir maior celeridade na tramitação das prestações de contas das eleições de 2020, os pareceres desta Procuradoria serão encaminhados em formato simplificado, como segue.

 

Trata-se de prestação de contas dos(a) candidatos(a) a prefeito e vice-prefeito IZALDA MARIA BARROS BOCCACIO e FELISBERTO DOS SANTOS FERREIRA, relativamente às eleições de 2020 no município de Santo Antônio das Missões.

 

A sentença desaprovou as contas tendo como fundamentos o recebimento de doações em valores superiores a R$ 1.064,10 com violação ao disposto no art. 21, § 1º, da Resolução TSE 23.607/2019, que exige a transferência eletrônica ou utilização de cheque cruzado e nominal, bem como a extrapolação do limite legal de doações com recursos próprios em R$ 4.350,26, determinando, em face da primeira irregularidade, com base no art. 32 da Resolução TSE nº 23.607/2019, o recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 6.594,00, e, com relação à segunda irregularidade, impondo multa no valor de R$ 4.350,00, correspondente a 100% da quantia em excesso, com fulcro no art. 27, §4º, da referida Resolução.

 

No que se refere aos pressupostos de admissibilidade recursal, restam presentes todos os requisitos, quais sejam: tempestividade, cabimento, interesse e legitimidade para recorrer, inexistência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, e regularidade formal.

 

Preliminarmente, contudo, necessário, ante a constatação de falecimento da candidata conforme certidão de óbito acostada, seja intimado o administrador financeiro ou, na sua ausência, a direção partidária, no âmbito municipal, para prosseguir na presente prestação de contas, nos termos do art. 45, § 7º, da Resolução TSE 23.607/2019. Ademais, considerando a possibilidade de condenação em sanção pecuniária ou devolução de recursos, necessária a intimação do procurador para que informe o nome dos sucessores da prestadora falecida, a fim de serem citados para integrar a lide.

 

No mérito, os recorrentes alegam que o art. 23, § 4º, II, da Lei nº 9.504/97, autoriza o depósito em espécie em favor de candidato quando devidamente identificado o doador, exigência que foi atendida no caso em apreço, pois constou, nas operações, o nome e o CPF dos depositantes dos valores, conforme demonstram os extratos anexos ao recurso. Asseveram que as doações efetivadas constituíram aportes de recursos próprios em sua maior parte da candidata a Prefeita, a qual possuía rendimentos compatíveis com as doações realizadas. Salientam que, mesmo que não tenha sido observada a forma do art. 21, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, esta não pode se sobrepor à lei. No que se refere à extrapolação do limite de recursos próprios, sustentam que, a partir da leitura do art. 27, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, não fica claro se o limite de 10% é para ambos os candidatos ou se é para cada um deles em separado. Postulam pela aplicação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, asseverando que não houve má-fé nem ofensa à igualdade entre os candidatos, apontando, ainda, que os recursos irregulares representam percentual módico e que as falhas não comprometem a lisura do balanço contábil. Pugnam pela aprovação das contas e afastamento da multa e da devolução, ou, subsidiariamente, pela aprovação das contas com ressalvas.

 

Pois bem. Inicialmente, verifica-se que, já na fase recursal, foram juntados documentos pelo prestador, notadamente recibos de depósitos bancários em dinheiro na conta de campanha, contando com informação acerca do nome e do CPF dos doadores.

 

Contudo, além de não ter sido adotada a forma legal (transferência eletrônica ou cheque cruzado e nominal), já que os valores, acima de R$ 1.064,00 conforme apontado pela unidade técnica, foram depositados em espécie, o prestador não comprovou a efetiva origem dos valores depositados.

 

Outrossim, como muito bem frisado pela unidade técnica no parecer conclusivo no tocante à exigência do art. 21, § 1º, da Resolução TSE nº 23.607/2019: “O objetivo central da norma é tornar mais rígida a fiscalização da origem dos recursos. Referida exigência normativa visa a assegurar a rastreabilidade dos recursos (origem e destino) recebidos pelos candidatos, o que resta comprometido quando a operação é feita por meio diverso. A transferência eletrônica é a forma que confere maior transparência às doações e a que permite evitar o uso de recursos provenientes de fontes vedadas. O montante de R$ 6.594,00 recebido em desacordo com a norma, ou seja, sob a forma de depósito em espécie, impossibilita o cruzamento de informações com o sistema financeiro nacional e obstam a confirmação da exata origem dos recursos recebidos, uma vez que para o depósito em espécie são lançadas as informações declaradas pelo depositante, diferentemente da transferência bancária, onde a operação é “conta a conta”, o que garante a correta identificação da origem do recurso”.

 

Tal entendimento encontra amparo na jurisprudência do TSE, segundo a qual “a finalidade da norma insculpida no art. 22 da Res.–TSE nº 23.553/2017 é possibilitar à Justiça Eleitoral rastrear os recursos que transitaram pelas contas de campanha. O depósito identificado ‘é incapaz, por si só, de comprovar sua efetiva origem, haja vista a ausência de trânsito prévio dos recursos pelo sistema bancário’ (AgR–REspe nº 251–04/BA, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 5.4.2019)” (Agravo de Instrumento nº 060560516, Acórdão, Relator(a) Min. Tarcisio Vieira De Carvalho Neto, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 195, Data 29/09/2020, Página 80-88).

 

Importante referir que a previsão em tela encontra amparo no poder regulamentar do Tribunal Superior Eleitoral, dando-se no interesse da transparência das contas. Na prática, seria um absurdo aceitar depósitos em dinheiro em valores altos, pois o CPF é colocado pelo depositante sem qualquer controle da instituição financeira a respeito da veracidade. Ademais, a candidata certamente conhecia a Resolução do TSE, e a referida disposição já constava nas regulamentações das prestações de contas das eleições anteriores.

 

Assim, caracterizado o recebimento de recursos de origem não identificada, está correta a sentença na parte em que reconheceu a irregularidade em tela, determinando o recolhimento dos valores equivalentes ao Tesouro Nacional nos termos do art. 21, § 3º, da referida Resolução.

 

No que tange à segunda irregularidade, alusiva ao autofinanciamento acima do limite legal, deve ser afastada, vez que incompatível com a primeira irregularidade. Com efeito, foram considerados de origem não identificada R$ 6.594,00, ao passo que a receita declarada com doações de pessoas físicas ficou em somente R$ 1.964,00, sendo o restante dos recursos declarados como recursos próprios (R$ 16.658,00) e recursos do FEFC (R$ 24.000,00) (ID 27223633).

 

Portanto, parece lógico que parte dos recursos próprios considerados como extrapolados também foram computados como recursos de origem não identificada, devendo, pois, ser excluídos do excedente de recursos de autofinanciamento, uma vez que, como dito, é contraditório conceber valores como de origem desconhecida e ao mesmo tempo considerá-los como provenientes dos próprios candidatos. A partir do momento em que se entendeu presente a primeira irregularidade alusiva ao pagamento acima de R$ 1.064,10 fora das hipóteses legais, restou afastada a declaração do prestador e passou a valer o entendimento da unidade técnica e do juízo no sentido de que se tratam de recursos de origem não identificada, daí a determinação de recolhimento ao Tesouro.

 

Compulsando o relatório preliminar do ID 27223683, percebe-se, segundo a tabela do item 1.2, que todos os recursos de origem não identificada apontados pela unidade técnica teriam sido indicados como recursos próprios pelo prestador, visto que a prestação de contas os teria apontado como provenientes de Felisberto dos Santos Ferreira e de Izalda Maria Barros Bocaccio.

 

Portanto, se o valor utilizado com recursos próprios acima do limite legal atingiu, segundo o mesmo relatório, R$ 4.350,26, e os recursos de origem não identificada declarados como recursos próprios atingiram R$ 6.594,00, tem-se, à luz do quanto afirmado, que a irregularidade em tela merece ser totalmente afastada.

 

Destarte, resta afastada a irregularidade alusiva ao autofinanciamento irregular.

 

Finalmente, não é o caso de aprovação das contas com ressalvas, vez que o valor das irregularidades remanescentes (R$ 6.594,00) representa 15,47% das receitas declaradas (R$ 42.622,00), percentual superior ao utilizado (10%) como critério pela Justiça Eleitoral para aprovação com ressalvas.

 

Ante o exposto, opina-se, preliminarmente: a) pelo conhecimento do recurso; b) pela intimação do administrador financeiro ou, na sua ausência, a direção partidária, no âmbito municipal, para prosseguir na presente prestação de contas, nos termos do art. 45, § 7º, da Resolução TSE 23.607/2019; c) pela intimação do procurador da prestadora falecida, para que informe o nome dos seus sucessores, a fim de serem citados para integrar a lide. No mérito, pelo provimento parcial do recurso para afastar tão somente a irregularidade alusiva ao autofinanciamento irregular e a respectiva multa, mantida a desaprovação das contas e a determinação do recolhimento ao Tesouro Nacional de R$ 6.594,00.

 

Porto Alegre, 29 de março de 2021.

 

 

Fábio Nesi Venzon

Procurador Regional Eleitoral