PRESTAÇÃO DE CONTAS ELEITORAIS Nº 0600138-88.2020.6.21.0141 / 141ª ZONA ELEITORAL DE SANTO ANTÔNIO DAS MISSÕES RS
REQUERENTES: IZALDA MARIA BARROS BOCCACIO
FELISBERTO DOS SANTOS FERREIRA
GEDERSON LUIZ ORTIZ RIBEIRO
Eminente Relator,
No parecer de ID 40122433, este órgão ministerial, ante a juntada da certidão de óbito da candidata IZALDA MARIA BARROS BOCCACIO, requereu a intimação do administrador financeiro da campanha, na forma do art. 45, § 7º, da Resolução TSE nº 23.607/2019, bem como, tendo em vista a possibilidade de condenação em sanção pecuniária ou devolução de recursos, a intimação do procurador, a fim de que informasse o nome dos sucessores da prestadora falecida para que estes fossem citados para integrar a lide.
A decisão do ID 41951433 acolheu a promoção ministerial.
Na sequência, foi identificado o administrador financeiro da campanha como Gederson Luis Ortiz Ribeiro (ID 42024533), o qual, intimado, manifestou-se juntando procuração e informando nome e endereço dos sucessores (ID 42224883).
Seguiu-se, então, despacho abrindo o prazo de cinco dias para que os sucessores se habilitassem nos autos e, querendo, se manifestassem sobre a ação (ID 42450383).
Esta Procuradoria, no ID 44868984, requereu a citação dos sucessores, para fins de regularização da representação processual, nos termos da parte final da decisão do ID 41951433. Deferido o requerimento (ID 44876736), foi promovida a citação de Lauro Barros Boccacio e Leonardo Barros Boccacio, que peticionaram (ID 44930556) alegando não ser possível transmitir aos seus sucessores obrigação jurídica que ainda não estava constituída a época do falecimento, desse modo, a obrigação de restituir valores só poderia ser repassada aos herdeiros se ela estivesse perfectibilizada ao tempo da morte da candidata, o que não é o caso dos presentes autos, considerando que a candidata faleceu durante o trâmite do processo de prestação de contas.
Por força do despacho de ID 44941582, retornaram os autos a esta PRE.
Em relação à transmissibilidade das obrigações a que responderão os sucessores, observa-se que os créditos eventualmente constituídos no julgamento da presente prestação de contas consistirão em obrigação de pagar, de caráter, portanto, patrimonial, inserindo-se no conjunto de relações jurídicas econômicas da parte e, como tais, plenamente transmissíveis a seus herdeiros, nos termos do art. 620, IV, “f”, do CPC, dentro dos limites da força da herança, conforme disposto no art. 1.792 do Código Civil.
Por outro lado, não se deve objetar à continuidade do processo a possibilidade de que venham a ser impostas sanções ao candidato falecido, que não poderia exercer com plenitude a ampla defesa. Afinal, além de sanções, a prestação de contas também pode resultar na obrigação de ressarcimento de valores ao erário, que não possui natureza sancionatória, porquanto diz respeito à recomposição do saldo dos recursos públicos provenientes do FEFC ou do FP, em virtude de gastos irregulares, não se confundindo com penalidades aplicadas pela prática de condutas proibidas pela legislação.
A distinção entre o caráter de mera reparação civil da obrigação de recolhimento ao Tesouro Nacional e a natureza sancionatória das multas e demais penalidades aplicáveis no âmbito do processo de prestação de contas, como a suspensão do recebimento de quotas do Fundo Partidário, por exemplo, foi pacificada na jurisprudência desse e. TRE-RS sob o entendimento de que, ao interpretar o art. 36, o TRE-RS assentou que, em se tratando de aprovação com ressalvas, não há fixação da pena de suspensão do repasse de quotas do Fundo Partidário aos partidos políticos, nada obstante a previsão legal disponha a cominação dessa sanção. Diretriz alinhada ao entendimento do TSE no mesmo sentido. A sanção é desconsiderada por aplicação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, uma vez que o apontamento de ressalva não descaracteriza o fato de que a contabilidade foi aprovada, ainda que não integralmente, situação incompatível com a fixação de penalidade, o que não afasta, contudo, o dever de recolhimento ao erário dos recursos recebidos de fontes vedadas e de origem não identificada.1
É dizer, assim como se admite a determinação de recolhimento de valores ao Tesouro Nacional quando as contas são aprovadas, ainda que com ressalvas, por não se tratar de sanção, não se pode obstar a continuidade do processo de prestação de contas diante do falecimento do candidato ou da candidata, sob a alegação de que o julgamento poderá culminar em aplicação de uma sanção. Como visto, a prestação de contas resulta, ordinariamente, na imposição do dever de reconstituir o erário, no caso de gastos irregulares com recurso públicos advindos do FP ou do FEFC.
Convém salientar, a propósito, o correto entendimento expresso no voto-vista proferido pelo i. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle no julgamento do processo nº 0600326-35.2020.621.0124, verbis:
Se fosse necessária a existência de coisa julgada sobre a prestação de contas, já quando do falecimento do prestador, para que a obrigação de devolução ao Tesouro Nacional dos valores auferidos de origem não identificada se mantivesse íntegra, seria de todo desprovida de efetividade a regra insculpida no § 9º do art. 48 da Resolução TSE n. 23.553/2017, segundo a qual “se o candidato falecer, a obrigação de prestar contas (...) será de responsabilidade de seu administrador financeiro ou, na sua ausência, da respectiva direção partidária”. Por esta clara regra, a coisa julgada poderá se formar após o falecimento, caso o recurso pendente de julgamento seja desprovido. De que adiantaria continuar o processo de prestação de contas se, de antemão, se soubesse que a dívida estaria extinta? Tal regra infirma a conclusão de ser personalíssima a obrigação.
Também não procede o argumento de que a penalidade ultrapassaria a pessoa do prestador, transmitindo-se aos seus sucessores. Sabido é, desde as calendas gregas, que os herdeiros não respondem pelas dívidas do de cujus. Entretanto, a obrigação de devolução dos valores recebidos à margem da legislação eleitoral incidiria, não sobre o patrimônio dos sucessores, mas sobre o acervo hereditário, como dívida da herança. E os sucessores, por óbvio, herdariam dentro das forças da herança.
Por último, em relação ao argumento de que o falecimento inviabilizaria o exercício do contraditório substancial pelo efetivo responsável pela movimentação financeira de campanha, tenho que, na fase em que se encontra o feito, não se verifica a possibilidade de “grave e incontornável cerceamento de defesa.” Isso porque o prestador teve acesso e exerceu o direito ao duplo grau de jurisdição, ao interpor o recurso e expor os argumentos para reforma da sentença. Ademais, com a determinação de intimação do administrador financeiro, poderá aduzir e prosseguir no feito, sem prejuízo à ampla defesa ou contraditório.
São esses, em resumo, os fundamentos alinhados com rigor pelo voto do Min. Luís Roberto Barroso, verbis:
Senhores Ministros, trata-se de agravo interno interposto pelo Ministério Público contra decisão monocrática proferida pelo Ministro Luiz Edson Fachin, que extinguiu sem resolução de mérito o processo de prestação de contas de campanha de Luiz Flavio Gomes, candidato ao cargo de deputado federal por São Paulo nas Eleições 2018, nos termos do art. 485, IX, do CPC/2015.
2. Na origem, o Tribunal Regional de São Paulo – TRE/SP aprovou com ressalvas as contas de campanha e determinou o recolhimento do montante de R$ 7.383,54, referente aos recursos de origem não identificada, ao Tesouro Nacional e da quantia de R$ 43.496,99, relativa às sobras de campanha, à respectiva esfera partidária.
3. Na decisão monocrática, o eminente relator considerou que as restituições determinadas pelo acórdão regional têm caráter sancionatório e, portanto, não podem ser transferidas aos sucessores ou herdeiros do de cujus enquanto não perfectibilizadas. Ademais, afirmou que não incide a regra do § 9º do art. 48 da Res. TSE n. 23.553/2017, que diz respeito tão somente à obrigação de prestar contas.
4. Na sessão por videoconferência realizada em 4.5.2021, o relator votou pelo desprovimento do agravo interno, no que foi acompanhado pelo Ministro Alexandre de Moraes. O Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto inaugurou divergência e votou pelo provimento do agravo interno, para determinar o prosseguimento do feito, com a assunção do polo ativo pelo administrador financeiro da campanha ou, na sua ausência, pela respectiva direção partidária. Pediu vista o Ministro Luis Felipe Salomão.
5. Na sessão de 19.10.2021, o Ministro Luis Felipe Salomão votou no sentido de acompanhar o relator e negar provimento ao agravo interno. Também acompanharam o relator os Ministros Benedito Gonçalves e Sérgio Banhos.
6. Apesar da maioria já formada, pedi vista dos autos, para melhor exame dos precedentes mencionados durante o julgamento. Trago-os agora para continuidade do julgamento e adianto que estou acompanhando a divergência inaugurada pelo Ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto.
7. Trago como precedente sobre a matéria o julgamento da PC nº 990-94, de minha Relatoria, j. em 6.8.2019, no qual, após o falecimento do candidato Eduardo Campos, a prestação de contas foi assumida pelo administrador financeiro da campanha. Isso ocorreu nos termos do art. 33, § 6º, da Res. TSE n. 23.406/2014, vigente à época, cuja redação foi repetida na Resolução aplicável às eleições de 2018. Naquela oportunidade, não se cogitou da perda de objeto da demanda em razão do falecimento.
8. Em julgamento mais recente, referente às Eleições 2018, tal como a hipótese em análise – AgR-REspe nº 0603524-57/MG, Rel. Min. Sérgio Banhos, j. em 10.12.2020 –, o TSE decidiu, por maioria de votos, que o falecimento do prestador de contas não implica perda de objeto da ação de prestação de contas. Saliento que, tanto naquele julgado como na hipótese em julgamento, o falecimento do candidato ocorreu já na fase recursal, após a interposição do recurso especial. Confira-se a ementa do julgado:
ELEIÇÕES 2018. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL ELEITORAL. PRESTAÇÃO DE CONTAS DE CAMPANHA. DEPUTADO FEDERAL. APROVAÇÃO COM RESSALVAS NA ORIGEM. PROVIMENTO PARCIAL. AFASTAMENTO DA DETERMINAÇÃO DO RECOLHIMENTO DE VALORES A TÍTULO DE SOBRAS DE CAMPANHA. SÍNTESE DO CASO
1. O Tribunal de origem aprovou com ressalvas as contas prestadas pelo candidato, referentes à campanha eleitoral de 2018, quando concorreu ao cargo de deputado federal.
2. Por meio de decisão monocrática, dei provimento ao recurso especial para – mantida a aprovação das contas com ressalvas, bem como a determinação de recolhimento ao Tesouro Nacional do valor de R$ 500,00 referente às despesas não comprovadas realizadas com recursos do FEFC – afastar a determinação do recolhimento de R$ 7.926,91, valor alusivo a supostas sobras de campanha.
3. O Ministério Público Eleitoral interpôs o presente agravo regimental.
ANÁLISE DO AGRAVO REGIMENTAL
4. O Tribunal de origem entendeu que caracteriza sobra de campanha a diferença entre os valores pagos ao Facebook, a título de impulsionamento, e o valor correspondente aos serviços cujas prestações foram devidamente comprovadas mediante documentação fiscal idônea.
5. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que "a falta de comprovação regular de gastos, em razão de dados insuficientes na respectiva documentação fiscal, não constitui sobra de campanha, embora possa ensejar a desaprovação das contas" (AgR–REspe 2551–93, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 3.8.2016). Igualmente, cito: (AgR–REspe 5772–24, rel. Min. Henrique Neves, DJE de 31.5.2016).
6. Ausente informação no acórdão regional acerca do retorno dos recursos pagos a mais para o fornecedor do serviço de impulsionamento de conteúdo à campanha o agravado, não há falar em sobra de campanha, motivo pelo qual também deve ser afastada a determinação de recolhimento de importância o Tesouro Nacional.
7. O art. 48, § 9º, VI, da Res.–TSE 23.553 é categórico quanto à transferência da responsabilidade pela prestação de contas ao administrador financeiro ou, na sua ausência, à respectiva direção partidária no caso de falecimento de candidato que tenha realizado campanha eleitoral.
CONCLUSÃO
Agravo regimental a que se nega provimento.” (grifos acrescentados)
(AgR-REspe nº 0603524-57, Rel. Min. Sergio Silveira Banhos, j. em 10.12.2020).
9. Como se vê, o precedente acima mencionado fundamenta-se no art. 48, § 9º, VI, da Res. TSE nº 23.553/2017, cuja redação é clara ao transferir a responsabilidade da obrigação de prestar contas ao administrador financeiro ou, na sua ausência, à respectiva direção partidária no caso de falecimento de candidato que tenha realizado campanha eleitoral. A meu ver, esse dispositivo afasta a natureza personalíssima da prestação de contas.
10. Nesse cenário e na linha dos precedentes acima mencionados, entendo que não há óbice ao prosseguimento do feito em caso de falecimento do candidato prestador de contas. As obrigações de restituição ao Tesouro Nacional de valores referentes a recursos de origem não identificada e de devolução ao partido político de quantias relativas a sobras de campanha não podem ser caracterizadas como obrigações de natureza personalíssima. Isso porque tais determinações não possuem caráter sancionatório. No primeiro caso, trata-se de mera recomposição do erário, em razão da utilização de valores em desacordo com a legislação eleitoral. Já no segundo caso, trata-se de recomposição do patrimônio do próprio partido, em razão de (i) diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha; ou (ii) bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha (art. 53 da Res.-TSE nº 23.553/2017, vigente para as Eleições 2018).
11. Portanto não perecem, com o falecimento do candidato, o dever de prestar contas e a responsabilidade por ressarcir à fonte os recursos irregularmente aplicados. Desse modo, deve o candidato ser substituído na prestação de contas pelo administrador financeiro ou pelo órgão partidário, indicados pela Res. TSE nº 23.553/2017 para assumir esse munus por serem aqueles que mais proximamente conhecem as movimentações financeiras da campanha.
12. Uma vez transitada em julgado a decisão da prestação de contas, caso mantida a conclusão pela existência de valores a ressarcir, deverá ser observada a regra geral do direito das sucessões, segundo a qual os herdeiros respondem pelos encargos nas forças da herança transmitida, na forma do art. 1.792 do Código Civil. Aliás, em razão da possibilidade de transmissão da responsabilidade aos herdeiros é que entendo ser possível facultar o ingresso de eventuais herdeiros na qualidade de assistente simples.
13. Com essas considerações, divirjo do relator, para dar provimento ao agravo interno e determinar o prosseguimento do feito, com a sucessão do polo ativo pelo prestador de contas pelo administrador financeiro ou, na ausência, pelo partido.
14. É como voto.
Dessarte, com a vênia do E. Relator, voto no sentido de acolher a prefacial suscitada pela douta Procuradoria Regional Eleitoral, para citação do espólio ou dos sucessores do prestador falecido para integrar a lide (art. 110 do CPC), na ausência de registro da constituição de administrador financeiro (ID 43017733) e porque o Diretório Municipal do PSB de Alvorada, apesar de intimado, permaneceu silente (ID 44857716).
Como se observa, há precedentes substanciais no e. TSE que suportam o entendimento de que o processo deve prosseguir seu trâmite, apesar do falecimento do prestador de contas.
Ante o exposto, o Ministério Público Eleitoral manifesta-se pela inclusão do feito em pauta para julgamento das contas, ratificando, no mérito, o parecer anteriormente juntado (ID 40122433).
Porto Alegre, 17 de outubro de 2022.
Procurador Regional Eleitoral.
1TRE-RS, PC nº 0600288-75, Rel. Des. Gerson Fischmann, j. em 15.6.2020, DJE de 23.6.2020. No mesmo sentido, PC nº 0600141-78, Rel. Des. Gerson Fischmann, j. em 20.06.2022, DJE de 22.06.2022, em que determinado também o recolhimento ao Tesouro Nacional de valores referentes a gastos irregulares com recursos do FP, não obstante a aprovação das contas com ressalvas.